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O impacto das motos por aplicativo na economia, modal é mesmo benéfico?

Por: Fellipe Gualberto . 12/09/2024
Meios de Transporte

O impacto das motos por aplicativo na economia, modal é mesmo benéfico?

Viagens usando motocicletas movimentam recursos, mas também provocam altos impactos

7 minutos, 59 segundos de leitura

12/09/2024

Por: Fellipe Gualberto

A insegurança do modal traz contrapontos para os possíveis lucros da atividade. Foto: Adobe Stock

As viagens de moto por aplicativo movimentam a economia do Brasil, é o que apontam estudos conduzidos pela Uber e 99 em parceria com institutos de pesquisa. O modal, segundo essas empresas, traz retornos econômicos e tem sido a forma de deslocamento urbano preferida pela população com menor renda. Por outro lado, alguns especialistas avaliam que nem tudo são flores, já que a atividade acontece à margem da lei e sem garantia de segurança para usuários e motoristas.

Em meio a esse embate, a cidade de São Paulo não regulamentou as viagens de moto por aplicativo, proibindo a atividade nas ruas da capital paulista. Em outros municípios, porém, elas ocorrem sem restrições. Na região do ABC Paulista e em Recife (PE), por exemplo, não há regulamentação para essa atividade. Assim, mesmo sem previsão na lei ou aval do município, as corridas de moto com passageiros por meio de aplicativo acontecem de qualquer forma.

Leia também: 99Moto cria ferramentas para reduzir a velocidade dos motociclista

Impacto no PIB das viagens de moto por aplicativo

Uma pesquisa conduzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) em parceria com a 99 apontou que, em 2023, a 99Moto teve um impacto de mais de R$ 5 bilhões no PIB nacional. O valor representa 0,05% do PIB do ano passado, que foi de R$ 10 trilhões. Ao mesmo tempo, essa atividade “gerou mais de R$ 461 milhões em impostos municipais, estaduais e federais, além de garantir mais de 114 mil empregos indiretos”, afirma a 99 em nota.

Nayra Sombra, sócia da HCI Invest e planejadora financeira, comenta sobre o impacto dessa atividade. De acordo com ela, “esses trabalhadores, ao ganharem dinheiro, consomem mais em suas comunidades, comprando desde combustível até itens de manutenção e segurança, o que, por sua vez, gera emprego e renda em outros setores. Portanto, essa movimentação financeira cria um efeito multiplicador”.

Os benefícios, segundo Nayra, não se restringiriam ao âmbito local. “No contexto macroeconômico, quando muitas famílias conseguem economizar e consumir mais, há aumento na demanda por produtos e serviços. Isso pode gerar um efeito cascata, estimulando o crescimento econômico.”

Motocicletas são o modal preferido da população com baixa renda

O Uber, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), fez uma pesquisa entre fevereiro e setembro de 2023 nas cidades de Fortaleza (CE), Manaus (AM) e Rio de Janeiro (RJ).

O estudo determinou que “os que têm até dois salários mínimos de renda são os que mais se favoreceram com a chegada do serviço. De forma simplificada, o benefício econômico é gerado porque o Uber Moto oferece uma alternativa de deslocamento a custo reduzido”, afirma e empresa em nota.

Nayra reflete que as economias com transporte podem ser usadas em outras áreas. “Por exemplo, para uma família que gasta R$ 300 por mês com transporte de carro por aplicativo, ao escolher pela moto, pode reduzir o custo para cerca de R$ 210. Essa economia de R$ 90 por mês pode ser redirecionada para outras necessidades, como alimentação, educação ou saúde.”

Reflexo negativo na economia

Os impactos econômicos, no entanto, não são apenas positivos. Uma pesquisa divulgada em 2024 pelo Centro de Liderança Pública (CPL) apontou que os sinistros de trânsito retiram R$ 21 bilhões do PIB nacional todos os anos, o correspondente a 0,21% do indicador econômico. O número foi obtido levando em conta quanto as pessoas que morreram em acidentes poderiam produzir se continuassem vivas.

Apesar do estudo do CLP não isolar as ocorrências com motocicletas, dados apontam que esse modal é responsável pela maior parte dos acidentes fatais de trânsito no País e, por consequência, gera a maior parcela do prejuízo financeiro.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 2010 e 2019 ocorreram cerca de 392 mil mortes em sinistros no trânsito do Brasil, os óbitos em motocicletas representam 44% dos falecimentos na faixa de 15 a 29 anos. O Infosiga-SP, por sua vez, aponta que as motos são o modal que mais matou em São Paulo neste ano, com 1487 óbitos, quase o dobro das mortes envolvendo automóveis, que somam 772 casos.

Diogo Lemos, coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global para o Estado de São Paulo, sinaliza sua preocupação. “Ainda não temos nenhum estudo no País que demonstre o impacto que o transporte de passageiros em motos por app gera em vítimas no trânsito, mas o que sabemos é que a motocicleta traz um risco intrínseco. Ela é um meio de transporte extremamente inseguro.”

Motos por aplicativo e o transporte público

De acordo com a 99, as corridas de moto na plataforma possuem valores 30% menores do que as de automóveis. Por isso, são mais recorrentes em zonas com menor renda. Em resumo, duas a cada três corridas de moto ocorrem fora das regiões mais ricas das cidades.

As corridas de Uber Moto, por sua vez, ocorrem de forma homogênea nos municípios analisados. No entanto, “viagens de carro por aplicativo reduzem conforme a renda do bairro diminui”, afirma a companhia.

Os dados obtidos pela FIPE apontam que as viagens com Uber Moto, nas cidades analisadas, em média possuem 19 minutos e custam cerca de R$ 9,10. Por sua vez, as viagens de carro por aplicativo têm tempo similar, mas valor em média 75% mais alto. Por fim, ao usar o transporte público os passageiros têm três vezes mais tempo de deslocamento e um preço mais baixo, cerca de R$ 4,80.

O cenário torna as motocicletas atrativas para quem tem menor renda. “Se compararmos com o transporte público, como ônibus, metrô ou trem, o custo das viagens de moto ainda é mais elevado. No entanto, oferece um custo-benefício atraente em termos de rapidez e conveniência, especialmente para trajetos curtos”, explica Nayra.

Mais pessoas em motos, menos em ônibus

A oferta de viagens em motocicleta faz com que usuários do ônibus migrem para esse modal. No entanto, esse cenário coloca mais pessoas em risco de acidente. Diogo Lemos sintetiza afirmando que “quando um serviço como esse é implementado, as pessoas são tirados do modal mais seguro, que é o transporte coletivo, e colocadas no mais inseguro: a moto”.

A 99 ressalta que as corridas de moto não substituem os ônibus em todos os casos. Uma pesquisa conduzida pelo Datafolha aponta que em 50% das corridas de moto na plataforma conectam os usuários a pontos de ônibus e estações de metrô e trem. Sendo assim, em metade das ocorrências a modalidade faz o papel de transporte de última milha, a outra metade tem usos diversos.

Leia também: Transporte público por ônibus perdeu mais de 44% dos passageiros nos últimos 10 anos

Um dos fatores que incentivam o uso da moto é um transporte público que não atende a população em quantidade, preço e tempo de deslocamento. “Hoje, o transporte público em São Paulo, e no Brasil como um todo, pode ser considerado caro. Mas, em cidades que experienciam tarifas mais baratas, ou até a tarifa zero, vemos uma escolha pelo transporte coletivo, em detrimento das motocicletas”, ele destaca.

Ao mesmo tempo, a promessa de agilidade em motos atrai a população. “Esse é o principal marketing em cima das motocicletas. As empresas vendem velocidade e rapidez no deslocamento, mas se possuirmos um transporte público de qualidade, como trens, metrôs e ônibus, conseguiríamos ter deslocamentos muito mais rápidos”.

A moto por aplicativo é insegura por natureza

A movimentação da economia pode chamar a atenção quando o assunto é viagens usando moto por aplicativo. No entanto, a insegurança e os prejuízos causados por acidentes acendem um alerta.

“A motocicleta traz um risco inerente, ao oferecer esse modal em aplicativos para passageiros, você coloca uma pessoa, que pode ser inexperiente pilotando, junto de outra que pode nunca ter usado o veículo”, reflete Lemos.

O especialista também demonstra que existem poucas ações, além de reduzir o limite de velocidade, que a administração pública pode tomar para promover mais segurança. “Não existe hoje, em todo o mundo, nenhuma infraestrutura para avenidas e vias arteriais que, de fato, traga segurança para os motociclistas.”

As faixas azuis, testadas em São Paulo, são um projeto. De acordo com o especialista, ainda não existem evidências que comprovem a que a estrutura apresenta mais segurança para os motociclistas e para outros usuários.

Do lado das companhias, o problema se agrava. Segundo Lemos, o serviço é ofertado por “empresas que não se colocam como companhias de transporte, mas como empresa de tecnologia. Ao fazerem isso, se eximem de uma parte fundamental: a capacitação das pessoas que vão operar esse sistema”.

Por fim, o sistema em que os motoristas trabalham também é prejudicial. A lógica das plataformas “demanda que os motoristas cumpram muitas viagens em pouco tempo. Isso faz com que as pessoas dirijam com pressa, propensas a descumprir regras e exceder o limite de velocidade”, afirma Lemos.

Uma solução, que segundo o especialista já é aplicada em Nova York para entregadores, poderia passar por medidas como fazer com que as empresas paguem um valor mínimo diário ou limitem a quantidade de quadras que uma viagem pode ter.

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