É comum que muitas pessoas recordem, saudosistas, de sua infância repleta de brincadeiras na rua. Ao longo do tempo, essa realidade mudou. Cidades tornaram-se ambientes hostis, em especial para crianças. Segundo o Ministério da Saúde, os sinistros de trânsito são a segunda causa de morte de pessoas com idade entre 0 e 9 anos.
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Nossos municípios não são só planejados para adultos, mas para adultos em carros. Investe-se muito mais na infraestrutura para o automóvel do que na mobilidade ativa. Citando apenas um exemplo, em São Paulo, 40% das calçadas são mais estreitas do que o que estabelece a lei.
Em um local amigável para as crianças, elas podem ir a pé ou de bicicleta para a escola, porque as calçadas são uniformes e espaçosas e os tempos de travessia são seguros para a velocidade de seus passos mais curtos.
Nos espaços públicos pensados para os pequenos, eles podem tocar, pegar, sentir, se sentar, subir nas coisas ao redor delas. A infância é um período crucial para o desenvolvimento das pessoas, e a convivência com a cidade treina o seu cérebro para situações cotidianas, como atravessar a rua com segurança e identificar os sons dos veículos em movimento.
Adequar as cidades para que acolham e estimulem as crianças significa adotar as melhores práticas internacionais de acessibilidade e mobilidade. Do ponto de vista da segurança viária, significa projetar o espaço segundo a abordagem de sistema seguro, em que a responsabilidade é compartilhada por quem usa, projeta, implementa e fiscaliza o sistema de mobilidade.
O poder público, por exemplo, precisa desenhar e implementar infraestruturas que coíbam sinistros e contribuam para reduzir sua gravidade, ao mesmo tempo que tornem o espaço urbano mais acolhedor e democrático. Em combinação com esse desenho seguro, a ação mais urgente é a adequação dos limites de velocidade.
Muitas cidades têm adotado o de 30 km/h em vias nas quais há mais interação entre pedestres, ciclistas e veículos. O limite é recomendado pela Organização Mundial da Saúde com base na ciência – em um atropelamento a 30 km/h, a chance de sobrevivência é 45 vezes maior do que a 60 km/h.
Embora a redução das velocidades seja uma medida impopular, felizmente, quando o objetivo é proteger crianças, a resistência diminui. Nos últimos anos, o WRI Brasil apoiou a diminuição de velocidades associada a medidas moderadoras, como lombadas e ampliação das calçadas no entorno de escolas – as chamadas áreas escolares ou zonas 30 – em cidades como Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG) e, mais recentemente, Rio de Janeiro (RJ). Uma readequação mais ampla desses limites pode salvar muitas vidas.
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Tornar a cidade amiga das crianças passa, também, por projetar espaços públicos adequados. O WRI Brasil apoiou a Prefeitura de São Paulo, junto com outras organizações, o desenvolvimento do programa Territórios Educadores, que busca transformar áreas de vulnerabilidade social em ambientes seguros, de aprendizagem e estímulo, para crianças e suas famílias.
Um dos frutos da parceria foi a construção de uma praça no Jardim Lapena, bairro da zona leste de São Paulo. Lá, a Fundação Tide Setubal havia identificado que um dos locais mais utilizados pelas crianças era um terreno baldio contíguo a uma escola. Assim, eles foram convidados a sonhar com a transformação do espaço, sugerindo melhorias.
Em 2021, o Parque dos Sonhos se concretizou, com quadra esportiva, brinquedos e uma horta comunitária. Com a construção, aumentou muito a presença de meninas no espaço, além de mães, pais e cuidadores. Com as novas possibilidades, também se diversificaram as brincadeiras.
Quando nasce uma criança, a família adapta a casa em um ambiente mais lúdico, estimulante e seguro. O mesmo vale para ruas, praças e parques: ambientes compartilhados por excelência. Construir espaços urbanos mais acolhedores é reconhecer o direito das crianças à cidade e prover possibilidades para que elas desenvolvam todo o seu potencial.