Avaliação psicológica para renovar a CNH protege vidas

Mara Gabrilli, 55 anos, é publicitária, psicóloga e senadora pelo PSD-SP. É também tetraplégica. Foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, vereadora na Câmara Municipal e deputada federal pelo Estado de São Paulo por dois mandatos consecutivos. Foto: Marcelo Camargo

21/08/2023 - Tempo de leitura: 4 minutos, 10 segundos

Flertei com a morte dia 21 de agosto de 1994, há quase 30 anos. Estava voltando de uma viagem de carro, acompanhada de um amigo e de Paulo, meu namorado à época. Saímos de Paraty (RJ) em direção à serra de Taubaté (SP). Estava triste, meu relacionamento não andava bem. Naquele dia, pela manhã, caminhei pela praia sozinha e pedi a Deus que mudasse o rumo da minha vida. Cerca de 12 horas depois, o pedido foi atendido.

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Correndo mais que o permitido e alcoolizado, Paulo acelerava o carro, na tentativa de me deixar nervosa e me amedrontar, um comportamento violento e comum entre os homens que fazem do volante uma arma de violência psicológica contra a mulher. Foi dessa forma que ele perdeu o controle da direção em um trecho da serra chamado, não por acaso, de “curva da morte”. Despencamos 15 metros barranco abaixo, e, durante uma das capotadas, quebrei o pescoço. O resultado da imprudência de meu namorado me tornou uma pessoa tetraplégica.

Histórias como a minha, infelizmente, não são raras. Ao contrário. O Brasil ocupa posição de liderança em rankings que não nos orgulham. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nosso País é o terceiro do mundo com mais mortes no trânsito.

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Custo enorme para o SUS

Em 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) mostrou que, por hora, 20 pessoas davam entrada em hospitais da rede pública de saúde com ferimentos graves decorrentes de acidentes de trânsito. Segundo o mesmo levantamento, nos últimos dez anos, acidentes deixaram mais de 1,6 milhão de brasileiros com sequelas irreversíveis – como a minha –, a um custo de mais de R$ 3 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS).

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Entre as vítimas, 60% têm idade entre 15 e 39 anos, faixa etária em que as pessoas estão mais produtivas no mercado de trabalho. Falamos de cidadãos que deixam de trabalhar e passam a depender do Estado e de serviços de reabilitação. E posso dizer, com propriedade, que o Brasil não consegue atender a toda a demanda.

Pensando nesse cenário alarmante, o Senado aprovou, recentemente, o projeto de lei PLS 98/2015, que exige avaliação psicológica periódica de todos os motoristas a partir da primeira habilitação. O texto foi aprovado, em caráter terminativo, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e, agora, segue para análise da Câmara dos Deputados.

A proposição aprovada pretende modificar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para determinar que a avaliação psicológica, hoje exigida uma única vez, apenas na primeira prova de habilitação, seja realizada periodicamente, a cada renovação. A exigência caberá também para o exercício de atividade remunerada na condução de veículos.

Prevenir mais traumas

Além de combater o alto número de mortes que poderiam ser evitadas, a medida também contribuirá para prevenir inúmeras deficiências causadas por sequelas de lesões medulares, amputação de membros, traumatismo cranioencefálico e outros traumas, inclusive os de ordem psicológica.

Quando falamos de deficiência, além do impacto pessoal, há o custo da deficiência em si, que é muito alto. Uma pessoa com lesão medular, por exemplo, paga para ter o direito de exercer funções fisiológicas. Paga-se para fazer xixi e cocô. Isso porque depende de fralda ou de sonda. Sem contar que, muitas vezes, essa pessoa dependerá de outra para que consiga realizar as mais simples e rotineiras atividades.

Eu mesma só cheguei ao Senado e a todos os cargos que ocupei porque conto com uma cuidadora – um privilégio de poucos em nosso País e que, há muito tempo, luto para se tornar um direito de todos. Ou seja, o Brasil não tem estrutura para atender, com dignidade, as vítimas do trânsito que adquirem alguma deficiência.

Como psicóloga, sei que a saúde mental não tem data de validade. São inúmeros os fatores que nos tiram do eixo e podem nos desequilibrar, gerar atitudes violentas e imprudentes. De um momento para outro, a capacidade de controle do motorista pode mudar, colocando em risco a própria vida e a de terceiros. O trânsito, por si, é um fator de estresse potente.

Fato é que nunca precisamos tanto de lucidez e equilíbrio. É o momento de inspirar comportamentos mentalmente sadios. Por isso, repensar e trabalhar para aprimorar nosso trânsito é, acima de tudo, um ato de respeito à vida.

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