Não é de hoje que as chuvas de verão transformam o cenário paulistano. Em 1892, quando São Paulo tinha apenas 65 mil habitantes e o Viaduto do Chá era recém-inaugurado, Benedito Calixto, um dos maiores artistas brasileiros do século XX, pintou o quadro As enchentes da Várzea do Carmo, impressionado com as cheias do rio Tamanduateí.
Com o crescimento da região, o fenômeno natural ganhou um impacto ainda maior. Atualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que a população da cidade seja de mais de 12 milhões de pessoas vivendo na mesma topografia acidentada, recheada de cursos d’água.
Não é de se assustar, portanto, que a mobilidade urbana entre em colapso todos os verões com as enchentes provocadas pela chuva abundante no período.
A prefeitura afirma que existem 287 rios, riachos e córregos que atravessam o município; uma estimativa do Projeto Rios e Ruas acrescenta que, além desses, há pelo menos, 300 cursos d’água nas imediações. A urbanização — que é crescente — e a pavimentação necessária para aberturas de ruas e avenidas tornam cada vez mais difícil que a água da chuva seja absorvida pelo solo.
O problema se concentra nas regiões mais baixas da cidade, justamente onde ficam os principais corredores de tráfego, construídos às margens ou sobre os cursos d’água.
A urbanização paulistana se deu nas proximidades de rios, com a construção de importantes avenidas às suas margens, como a Avenida do Estado, na beira do Tamanduateí, e das marginais Tietê e Pinheiros. Em alguns casos, os rios chegaram a ser encobertos para a criação de vias como Nove de Julho, Pacaembu, Bandeirantes, Roberto Marinho e Salim Farah Maluf.
Qual é o resultado disso?
Quando as chuvas de verão atingem São Paulo, a cidade para. E parece que os eventos extremos, em decorrência das mudanças climáticas, continuarão evidenciando o problema estrutural do município nos próximos anos. Em 2020, as precipitações na região bateram recorde, atingindo 200 milímetros em 10 dias. Foi o maior número para fevereiro em 37 anos, segundo dados Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
No pior dia das chuvas, 10 de fevereiro, o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo chegou a registrar 159 pontos de alagamento, sendo 101 intransitáveis.
O rio Pinheiros teve a maior alta dos últimos 15 anos, segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica. A Marginal Pinheiros somou oito pontos de alagamento, praticamente inviabilizando o tráfego pela via. Na Marginal Tietê, a situação foi ainda pior, e o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE) registrou 16 locais em que a água impossibilitou a passagem de veículos.
Os dois terminais rodoviários mais movimentados da cidade, Tietê e Barra Funda, foram fechados por problemas com o transbordamento do rio. As linhas Diamante e Esmeralda da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) operaram parcialmente devido ao alagamento dos trilhos. Outras linhas de trem trabalharam em lentidão.
Apenas o sistema de metrô continuou a funcionar normalmente; mas como a maioria das estações é alimentada por linhas de ônibus e trem, o número de passageiros cai bastante durante os períodos de enchente.
Diversos projetos e tentativas de mitigar os efeitos foram em vão. A resposta do poder público mais efetiva frente a essas situações tem sido suspender o rodízio de veículos e recomendar que as pessoas não saiam de casa.
Cidade em caos
Em meio ao recorde de chuva na última segunda-feira (10), a Companhia de Engenharia e Tráfego (CET), que chegou a registrar 84 quilômetros de congestionamento no início da manhã, viu esse número cair pela metade, para 41 km, no fim da tarde, quando recomendou que os moradores não saíssem.
Com a cidade paralisada, empresas e repartições públicas deixaram de funcionar. A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo suspendeu as aulas, o Tribunal de Justiça dispensou os funcionários do expediente e a Polícia Federal cancelou o atendimento ao público.
Fonte: Inmet, Prefeitura de São Paulo, IBGE, CGE e Agência Brasil