O trânsito brasileiro, como reflexo da nossa sociedade, reproduz suas muitas desigualdades. De acordo com o indicador de taxa de mortalidade, que integra dados do DataSUS, do Ministério da Saúde e IBGE, e está disponível na MobiliDADOS, plataforma do ITDP Brasil que reúne informações de mobilidade urbana, entre 2001 e 2021, em torno de 775.716 pessoas morreram no trânsito brasileiro. Desse total, 24,84% (199.921) eram motociclistas, 21,41% (182.394) pedestres e 21,41% (172.254) ocupantes de automóveis.
Além do número acentuado, que coloca o Brasil nas primeiras posições quando se trata de insegurança viária, os dados revelam que quem mais está morrendo no nosso trânsito são homens negros e jovens, pessoas que perdem suas vidas ano a ano por causas previsíveis e evitáveis.
Do total de óbitos no País, 48,77% (392.430) das vítimas eram negras e 46.23% (372.029) brancas. As ocorrências fatais com homens são maioria, respondendo por 81,97% (659.617), enquanto a faixa etária dos 20 aos 29 anos, uma das fases mais produtivas da vida das pessoas, concentra a maior parte dos óbitos, totalizando quase 200 mil (198.424).
Já em relação à raça, se em 2001 os negros representavam 35,60% dos óbitos, em 2021 esse número saltou para 59,34%, demonstrando que essa dramática estatística tem crescido muito ao longo dos anos.
Adicionalmente, ainda persiste no Brasil a lógica “carrocentrista” da sociedade, onde as soluções para deslocamentos são, em grande medida, pensadas para soluções individuais de transporte motorizado, sobretudo carros e motos, em detrimento do transporte público.
Nos últimos anos, observamos o crescimento expressivo do número de veículos motorizados, em especial as motocicletas. Sem alternativas de transporte público adequadas e frente aos altos preços dos carros e dos combustíveis, as motos passaram a ser reconhecidas como uma possível solução, em especial a uma população jovem e periférica, que encontra na moto uma oportunidade mais acessível para seus deslocamentos diários, seja para lazer ou trabalho acompanhando, também, o crescimento dos aplicativos de entregas.
Números do MobiliDADOS mostram que somente em 2021, 59.34% das mortes no trânsito foram de negros e negras, e 22,51% eram de pessoas entre 20 e 29 anos. O perfil de mortes por sinistros de trânsito mostra que a insegurança viária afeta diretamente a população mais economicamente vulnerável.
De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 60% dos sinistros entre 2010 e 2019 envolveram pessoas com até 7 anos de escolaridade, ou seja, que não completaram nem mesmo o ensino fundamental.
O mesmo estudo afirma, ainda, que os menores níveis de renda se associam a fatores de risco, como maior uso de veículos com manutenção precária, problemas de falta de habilitação e de equipamentos de segurança, maior circulação em áreas mais pobres e desprovidas de infraestrutura de segurança viária, além do uso de motocicletas de baixa cilindradas, que contribuem para uma menor proteção ao motorista.
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Diante disso, para quebrar esse paradigma, é necessário reverter a lógica da cultura do automóvel e avançar na priorização de políticas e investimentos em transporte público de qualidade e adequado. É urgente que nossas cidades desestimulem o uso de transportes motorizados individuais, intensifiquem políticas de segurança viária, em especial a de redução de velocidades.
Não há saída para a mortalidade no trânsito no Brasil que não passe por uma transferência modal, de transportes individuais motorizados para um sistema de transporte público sustentável, eficiente e seguro, que envolva não apenas a utilização do transporte coletivo, mas também com a criação de uma infraestrutura adequada e segura para ciclistas e pedestres.
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