A reforma tributária que tramita no Congresso pode mudar a forma como impostos serão cobrados em aplicativos como Uber, 99 e inDrive. A alteração pode taxar os motoristas que recolhem imposto como Pessoa Física em até 26,5%. Caso seja aprovado, o novo imposto entraria em vigor gradativamente, com início da transição em 2026.
Em entrevista ao Mobilidade Estadão, especialistas ressaltam que há um longo caminho até o texto ser aprovado, uma série de questões que ainda não foram respondidas e alternativas para que os trabalhadores não sejam taxados.
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Confira abaixo quais são as mudanças na tributação quando o assunto é carros por aplicativo.
Atualmente, os motoristas de carros por aplicativo podem recolher imposto como Pessoa Física (PF), usando a tabela progressiva do Imposto de Renda, ou como como Pessoa Jurídica (PJ).
“Como PJ, normalmente, o motorista é MEI. O microempreendedor individual tem um limite de até R$ 81 mil por ano de receita. Se ele conseguir respeitar esse limite vai pagar o DAS, um imposto com valor fixo de cerca de R$ 70 por mês”, explica Pedro Lameirão, advogado especializado em tributação.
Sobre as mudanças, Lameirão esclarece que “a reforma tributária permitirá aos motoristas continuarem recolhendo impostos como MEI, que em tese é o regime mais usado e mais favorável, e ainda vai criar uma nova categoria: o nanoempreendedor”.
O nanoempreendedor terá um teto de ganho máximo de R$ 40,5 mil, metade do MEI. A grande diferença está na possibilidade de deduzir os tributos sobre consumo do DAS. Segundo Lameirão, esses são “um valor residual, cerca de 10% desses R$ 70 mensais ou até menos. De acordo com a reforma tributária, esse valor vai variar entre R$ 3 e R$ 7 reais. Essa é a parte que o nanoempreendedor exclui. No final das contas, não é uma diferença tão grande”.
Se você é um motorista que fatura até a R$ 40,5 mil, você vai continuar com o MEI, mas será um nanoempreendedor. Essa categoria vai contar com um tratamento um pouquinho melhor. O importante é: motoristas de aplicativo podem continuar com o MEI e pagando apenas o DAS como imposto, desde que faturem até R$ 81 mil por ano.
Pedro Lameirão, advogado tributarista
“Com a reforma tributária, a Pessoa Física também passa a ser contribuinte. Essa é a grande diferença.” Lameirão explica que antes os motoristas que se cadastravam como PF nas plataformas podiam pagar apenas o Imposto de Renda. No entanto, a reforma vai remover essa possibilidade.
“Agora, se o motorista for Pessoa Física, ele também será considerado contribuinte, ele vai ter que pagar o tributo. Porém, a legislação dispõe que ele não será o responsável por recolher, mas sim a própria plataforma”, conta Lameirão.
Sendo assim, a mudança nos tributos “não vai, necessariamente aumentar a tributação sobre os motoristas. Mas aqueles que trabalham hoje como Pessoa Física, e preferem dessa forma, terão sim um aumento”, explica o advogado.
O aumento, no entanto, não precisa recair sobre os motoristas. Todos os trabalhadores têm a possibilidade de se tornarem Pessoas Jurídicas, por meio do MEI, e deste modo pagar apenas a taxa de R$ 70 por mês.
Na visão do advogado especialista em tributação, é provável que a maioria dos motoristas se torne PF para trabalhar com carros de aplicativo. Deste modo, evitariam a taxa de 26,5% e teriam o benefício de serem nanoempreendedores.
Lameirão prevê que o cenário mais provável após a reforma tributária é aquele no qual as plataformas pedem que os motoristas sejam PJ para se cadastrarem. Caso contrário, “você teria um cenário em que é possível que a plataforma tenha dois tipos de tributação”.
No entanto, esse futuro é improvável. “A plataforma não pode chegar em um cliente falar: ‘Olha só, você deu azar de pegar um motorista que é Pessoa Física, sua corrida vai custar quase 30% a mais'”, analisa o advogado.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), por sua vez, afirma em nota que “vê de forma favorável a simplificação de impostos”. No entanto, tem preocupação com o artigo 23, que prevê “retenção automática dos tributos (CBS/IBS) sobre o que hoje é repassado integralmente como ganhos aos trabalhadores”.
A associação elogia a criação da figura de nanoempreendedor. No entanto, afirma que “o enquadramento produzirá impacto significativo na renda de motoristas e entregadores por aplicativos e no preço do serviço ao consumidor”.
O Mobilidade Estadão questionou a Uber, inDrive e 99, perguntando se as plataformas aceitariam apenas cadastros de Pessoa Jurídica e o modo como seria feito o repasse dos 26,5% caso a reforma tributária fosse aceita e os aplicativos ainda permitissem Pessoas Físicas.
No entanto, as empresas preferiram se manifestar pela nota da Amobitec, com exceção do inDrive que afirmou que “espera que a proposta não crie barreiras para a população acessar soluções tão populares como o serviço individual de carona”.
Em entrevista ao Mobilidade Estadão Leandro da Cruz, o líder do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre do Estado de São Paulo (STATTESP), falou sobre o assunto. Confira a seguir:
Leandro da Cruz: Na verdade, essa notícia de que o motorista será taxado em 26,5% é uma fake news. Inclusive o governo soltou uma nota sobre o tema informando que o trabalhador nosso não irá ser afetado pela reforma tributária. Além disso, temos o projeto de lei 12/2024, que está caminhando na Câmara e deve ser votado em agosto, este prevê que os motoristas não serão MEI.
O MEI prejudica o trabalhador. Para você ter ideia, o trabalhador quando é afastado ou desligado da plataforma, vai para a Justiça Comum, que trata ele de PJ para PJ. Nestes casos, o juiz simplesmente dá indeferido e acabou o assunto, porque a relação estabelecida é entre empresários, mas o nosso trabalhador não é empresário. Ele é trabalhador.
Eu entrei em contato com o governo recentemente, porque os trabalhadores já ficam em pânico devido às fake news. Mas o governo foi bem específico comigo. Falaram: “Não tem como afetar o trabalhador, eles estão fora dessa regulamentação tributária”. A reforma está simplesmente enxugando os tipos de impostos que existem no Brasil.
E mesmo se a reforma tributária alcançasse o trabalhador, o PL 12/2024 virá logo depois e nós podemos simplesmente adicionar uma emenda colocando que o nosso trabalhador como isento.
Leandro da Cruz: É uma nova categoria com uma alíquota menor que todas as outras. Hoje um cltista paga no mínimo 7,5% à Previdência, o nosso trabalhador vai pagar 5%.
O nosso trabalhador sempre nos pediu direitos. No Brasil, para ter direitos, existem dois movimentos: CLT ou autônomo. O autônomo não te dá direito a nada; pelo contrário, te tira direitos.
Levamos ao governo que o trabalhador não queria ser cltista, não queria trabalhar engessado, mas queria ter seus direitos garantidos. Por isso, está sendo formada uma nova categoria. O nosso trabalhador não terá a necessidade de ser cltista, porém ele será um autônomo diferenciado, ele será um autônomo com direitos garantidos.
Com o PL 12/2024, os motoristas terão condição de comprar carros com desconto e ter menor alíquota de contribuição na previdência, que citei no começo.
Leandro da Cruz: O MEI só atrapalha o trabalhador, falamos isso por experiência própria. Nós temos 20 mil processos contra as plataformas que os juízes indeferem por sermos microempreendedores. Isso não é solução para o trabalhador.
Eu te falei que tive um retorno do próprio governo, falando que a reforma tributária não afeta o nosso trabalhador, mas cada pessoa tem um entendimento do projeto de lei. Você falou com advogado que tem esse entendimento, mas os nossos advogados já não tiveram a mesma visão.
Mas esse tema é muito novo. A reforma tributária só começa a partir de 2026, então não tem com o que se preocupar, mesmo porque o nosso projeto de lei vem antes de tudo isso. Se vermos que tem algo na reforma referente a tributar o nosso trabalhador, é muito simples de resolver: colocamos uma emenda que retire todos os prejuízo do motorista.