Quando jovem, Ana Barreto não perdia a chance de acelerar sua mobilete pelas ruas do bairro em que morava e “deu trabalho” para a família, em suas próprias palavras. O gosto pelas duas rodas e a formação em desenho industrial acabaram levando Barreto a conseguir um emprego no departamento de pesquisa e desenvolvimento da Honda Motos.
“Sempre sonhei em trabalhar na indústria, com produtos fabricados em grande escala. Nem imaginava em quão grande escala seria”
, brinca ela, que afirma se impressionar até hoje com a quantidade de motos que saem diariamente da linha de montagem da marca japonesa em Manaus (AM).
Atualmente, grande parte dessas motos também é projetada por mulheres, como Barreto, e para mulheres. Afinal, elas têm conquistado seu espaço e ganhado reconhecimento em diversas áreas da sociedade nos últimos anos. Isso não é diferente quando o assunto é mobilidade urbana. A cada ano, mais e mais mulheres estão trocando a garupa pelo guidão.
De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), entre 2011 e 2020, o número de mulheres habilitadas a pilotar motos cresceu 95,7%. Passando de pouco mais de 4 milhões há dez anos, para 7.833.121 até novembro do ano passado
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Segundo a pesquisa “dados do setor de duas rodas”, publicada pela Abraciclo, associação dos fabricantes, 28% dos consumidores que adquiriram uma moto em 2019 eram do sexo feminino.
Entretanto, elas também estão atuando em diversas profissões e atividades da indústria de duas rodas antes ocupadas apenas por homens. As mulheres vêm conquistando seu espaço e reconhecimento no mercado de motos, que ainda é predominantemente masculino.
Quando começou a trabalhar no setor, em 2001, a supervisora de design da Honda Motos, Ana Barreto, era a única mulher no departamento. Atualmente, já há outras funcionárias trabalhando nos projetos de novas motos da marca tanto no Brasil como em outros países. Prova de que moto também é coisa de mulher.
Como ocorre em muitas áreas da sociedade, a presença feminina no mercado de motos é cada vez maior. Não apenas ao guidão das motos mas também em cargos de diretoria e gerência, nos departamentos de marketing, nas pistas de corrida e até mesmo ensinando homens e mulheres a pilotar.
Conheça as histórias de mulheres que uniram a paixão por motos com a profissão e encontraram seu lugar nesse mundo das duas rodas. Embora sejam em número infinitamente menor que os homens, elas vêm se destacando e fazendo a diferença.
Bruna Wladyka, empresária, pilota e criadora do portal Elas Pilotam
“Se tem tantas mulheres circulando no evento, por que não há nada feito para elas?” Foi com esse questionamento sobre o evento BMS Motorcycle, que ela organiza, juntamente com o companheiro, Cezar Mocelin, em Curitiba desde 2013, que Bruna Wladyka notou que as mulheres estavam se interessando cada vez mais pelo mundo das motos. De lá para cá, a jovem, hoje com 30 anos, tirou carta de moto, tornou-se pilota de flat track e tem se dedicado a incentivar outras mulheres a assumirem o guidão das suas motos e de seus sonhos.
“A gente luta por igualdade e reconhecimento”, diz ela, que, em 2018, fundou o portal #elaspilotam, em parceria com uma jornalista, para trocar informações sobre motocicletas e se conectar com outras mulheres. Nesse meio-tempo, a empresária do ramo de eventos conseguiu unir paixão e profissão. É sócia e responsável pelo marketing da concessionária Royal Enfield em Curitiba, foi aos Estados Unidos participar de um programa de incentivo a mulheres pilotas e tem se dedicado à carreira de pilota de flat track, modalidade disputada em pistas ovais de terra.
No ano passado, era a única mulher entre os dez pilotos da categoria FT411, disputada com motos Royal Enfield Himalayan, no evento On Track, uma corrida transmitida online, já que a pandemia atrapalhou os planos da produtora de eventos. Sua paixão e dedicação incentivaram outras mulheres a entrar na pista. Neste ano, Wladyka vai ajudar na organização do Campeonato Brasileiro de Flat Track, e já há mais cinco pilotas inscritas.
Tatiana Paze, instrutora de pilotagem do BMW Rider Training
“Eu gosto de moto desde que me conheço por gente”, diz Tatiana Paze, 39 anos, 22 dos quais pilotando motos. Atualmente instrutora dos cursos de pilotagem da BMW no Brasil, ela ainda se lembra de como ficava entusiasmada em visitar o tio que tinha duas motos na garagem e a levava para passear na garupa. Mas foi só com 17 anos que pilotou pela primeira vez. Desde então, nunca mais parou. Quando teve oportunidade, tirou sua habilitação e, para conseguir apoio do pai, pediu para que ele a levasse às aulas práticas.
Com a carta na mão, comprou sua primeira moto, com a qual rodava todo dia e fazia viagens com amigos. “Quando vi o anúncio de um curso de pilotagem em Interlagos, comprei um macacão de couro e todo o equipamento necessário. Depois de andar na pista, soube que era aquilo que eu queria fazer para a vida toda”, diz ela, que garante ter uma paixão de alma com as duas rodas.
Trabalhou como vendedora e consultora técnica em concessionárias de moto, em que sofreu, segundo ela, o único preconceito por ser mulher. Responsável por fazer a entrega técnica das motos em uma revenda BMW, ouviu de um cliente: “Não tem um homem para me explicar”. Respirou fundo, detalhou todas as funcionalidades do modelo e tirou todas as dúvidas do consumidor. Ao final, foi até elogiada. “Ele me pediu desculpas e falou: ‘Não precisa ser homem para entender de moto’”, relembra.
Tati, como é conhecida, já fez curso de mecânica de motocicletas no Senai e, desde 2016, também é instrutora dos cursos da BMW. “Muitos acham bacana ter uma mulher como instrutora. Sempre fui muito respeitada”, garante ela. Diz que o número de mulheres tem crescido e dá um conselho àquelas que querem pilotar: “Algumas me falam que gostariam de andar de moto, mas são mulheres. Eu respondo: ‘Você pode fazer tudo que um homem faz’”.
Ana Barreto, supervisora de design da Honda Motos
Ana Barreto, 42 anos, trabalha há quase 20 na Honda Motos. Nesse período, a desenhista industrial vem notando que a empresa tem aberto os olhos ao público feminino. “As scooters são muito procuradas pelo público feminino. Então, a gente procura criar cores e versões que vão fazer sentido a elas. Uma combinação mais elegante que vai combinar com o ambiente urbano”, revela.
Em alguns modelos, as mulheres são, inclusive, o maior público consumidor, caso da motoneta Honda Biz. Em algumas regiões, cerca de 80% dos consumidores são do sexo feminino. “Para muitas mulheres, a Biz mudou a vida delas. Permitiu ir e vir com mais facilidade, possibilitou trabalhar mais, como autônoma, e até aumentar a renda”, analisa a designer.
No caso da motoneta, muitas mudanças, como o pedal de câmbio que facilita pilotar com salto e até a adoção de um gancho para carregar a bolsa na última geração, foram introduzidas pensando nelas. “Um diferencial das mulheres é que elas são mais atentas aos detalhes. Então, um gancho pode facilitar e tornar a vida delas mais prática”, conclui. Mas, hoje, as mulheres não têm apenas interesse por motos menores – para quem está começando. “Como já se vê nas estradas, elas estão pilotando as grandes, viajando. O perfil é também mais diversificado do que era antigamente. Já há mulheres procurando todo tipo de moto. Não só o mercado mas também toda a sociedade ganha com essa diversidade”, conclui.