Escassez de mão de obra é desafio para setor de transportes
Falta de profissionais aptos a dominar as novas tecnologias é um dos problemas da área; treinamento é essencial, defende pedagoga
O setor de transportes e logística tem sido confrontado com riscos relevantes às suas operações desde a pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia. Estudo da Confederação do Transporte (CNT), intitulado Análise de Grandes Riscos do Setor de Transporte, publicado em junho, constatou que, no período que se seguiu ao início da pandemia, apenas no transporte público, houve 55 casos de interrupção da prestação de serviços e 16 pedidos de recuperação judicial de empresas.
Para a entidade, os riscos podem ser naturais ou humanos. No primeiro caso, um alagamento, por exemplo, é algo que está fora do controle das empresas. Já os acidentes (não intencionais) envolvem “imprudência, negligência, incompetência ou falhas tecnológicas”, reforça o estudo.
Um dos maiores riscos apontados pelo estudo foi o de escassez de mão de obra qualificada, apta a dominar as novas tecnologias. Em relação aos motoristas, a entidade defende que é necessário valorizar o trabalhador, não apenas em relação à melhoria salarial e de benefícios, mas também no que diz respeito às condições dos pontos de parada e descanso nas rodovias e das áreas de carga e descarga. Para isso, a CNT entende que é preciso promover a capacitação dos futuros profissionais e dos que já estão na atividade.
Capacitação de mão de obra
Há 13 anos trabalhando com educação corporativa, Daniela Luiz, da Didáctica, ajuda as empresas a montar programas de desenvolvimento. Com um de seus clientes, o Grupo Comporte, da área de transportes, a pedagoga informa que desenvolveu uma universidade corporativa, com foco principal na formação da equipe operacional, incluindo os motoristas. De janeiro de 2022 a abril de 2023, Daniela diz que formou mais de 4.500 motoristas em conteúdos voltados à direção defensiva, preventiva e acessibilidade, entre outros temas.
“Toda empresa tem de ser uma escola”, defende. “Somos 20 milhões de empresas ativas no Brasil. Dessas, 6 milhões são limitadas, S/As, cooperativas etc. Então, são 6 milhões de oportunidades de termos empresas educando. Essa é minha bandeira. Toda empresa tem a missão de educar”.
Do ponto de vista da educação do motorista, Daniela acha que estamos apenas “começando”. “As empresas normalmente acham que a necessidade é apenas de transmissão de conhecimento técnico, mas não é só isso. É preciso ter carga horária adequada. Quantos motoristas tomam medicamentos para estender o turno de trabalho? Essas coisas precisam ser observadas. Não podemos viver na época do rebite.”
Para ela, as empresas têm de se conscientizar. “Mais do que motoristas, estamos falando de guarda-vidas. Se a empresa não adotar boas práticas, ela não se sustenta. Há necessidade de educar para prosperar. Educação é pauta estratégica das empresas.”
Além de desenvolver aspectos técnicos, como direção preventiva e defensiva, Daniela diz que trabalha com competências emocionais e humanas, o que segundo ela contribui para redução de acidentes. “Dessa forma, nota-se desde redução de consumo de diesel até melhora da saúde mental.”
“Quando começamos os treinamentos, fazemos um diagnóstico para avaliar as competências do profissional, para detectar o nível de conhecimento mesmo de motoristas experientes”, diz. Isso porque, segundo ela, ao longo dos anos eles podem ter criado algum tipo de vício. Com o diagnóstico, em sala de aula ela trabalha com conteúdos técnicos, comportamentais, cultura da companhia etc.
Depois de 60 dias, Daniela refaz a avaliação para medir a evolução, e volta a aplicar o teste a cada 60 ou 90 dias. Segundo ela, essa avaliação contínua é feita não apenas por meio de aplicação de provas, mas também por meio dos gestores, para verificar quanto o motorista evoluiu em termos de redução de consumo e acidentes. “Se houve aumento de reclamações, pode ser feita uma reciclagem do treinamento. Essa prática é cíclica”, diz. “Aí a gente recupera esses pequenos déficits de aprendizagem.”
Citando números da American Automobile Association – federação de associações automobilísticas dos EUA -, ela diz que o treinamento da direção defensiva contribui no mínimo com 11% na redução de acidentes. Quanto ao consumo de combustível, segundo ela, boas práticas ao volante podem resultar em redução de 7%, com a consequente diminuição na emissão de gás carbônico. “Para essa leitura nova do mercado, de ESG (responsabilidade ambiental, social e governança corporativa, na sigla em inglês), isso é um dado importantíssimo.”
Lei do Caminhoneiro
Em julho, entraram em vigor alterações na Lei 13.103/2005, conhecida como Lei do Caminhoneiro. Entre as mudanças, determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), está a obrigatoriedade de descanso de 11 horas ininterruptas do profissional. No entanto, a medida não foi bem recebida por todos. Em recente entrevista ao Estradão – canal de notícias do segmento de transportes do Estadão -, o assessor técnico da Associação Nacional do Transporte e Logística (NTC & Logística), Lauro Valdivia, disse que algumas alterações vão tornar a profissão ainda menos atrativa. Segundo ele, embora a intenção na mudança da jornada de trabalho tenha sido boa, o efeito pode ser negativo, por elevar o tempo de viagem e também devido à falta de condições adequadas nos pontos de parada nas rodovias.
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