“Espera por trator novo pode variar de 6 a 12 meses”

Segundo Rafael Miotto, executivo da New Holland Agriculture, alta demanda e falta de componentes comprometeram as entregas. Foto: Rodrigo Czekalski / New Holland

14/01/2022 - Tempo de leitura: 10 minutos, 5 segundos

Rafael Miotto é engenheiro mecânico e ingressou na companhia italiana CNH Industrial em 2004. No início de 2017, assumiu o posto de vice-presidente da New Holland Agriculture para a América Latina, após ter sido diretor comercial da área de produtos e serviços nos segmentos agrícola, de veículos comerciais e construção civil.

Por meio de chamada de vídeo, ele contou ao Estadão que a empresa está lançando um trator movido a biometano no Brasil.

Também falou sobre a dificuldade de atender os pedidos feitos em 2021, por causa da falta de matérias-primas e componentes, e afirmou que o agronegócio, no qual a companhia atua, continuará crescendo no País em 2022.

Em 2021, o agronegócio, que é o foco da New Holland Agriculture, foi um dos setores que mais avançou. Como você avalia o desempenho da empresa?

Rafael Miotto: O ano passado foi desafiador. Sobretudo porque houve restrições na cadeia produtiva, fizemos vários investimentos e mudanças para que os colaboradores pudessem trabalhar com total segurança.

Porém, as equipes de campo e os concessionários continuaram atendendo nossos clientes mesmo nos momentos de pico da pandemia. As máquinas continuaram colhendo e o produtor, plantando.

Ainda há falta de matérias-primas e componentes, o que dificulta o planejamento da produção e para manter peças de reposição e insumos para a área de assistência técnica. Seja como for, a demanda foi muito boa para o setor de agricultura no Brasil e no mundo.

Está faltando trator no mercado? Se sim, a espera pode chegar a quanto tempo?

Miotto: Sim. Ainda não conseguimos atender completamente a demanda. Dependendo do produto, a espera pode chegar a nove meses. Já estamos trabalhando nas entregas previstas para o fim de 2022.

Há vários pedidos feitos em 2021 que tiveram a entrega postergada. Hoje, temos de fechar pedidos com prazo muito mais longo para a entrega, que podem variar de seis a 12 meses para os produtos com maior demanda.

 
Há alguma decisão que você tomou em 2021 e que faria diferente se pudesse?

Miotto: Talvez algumas decisões em relação à cadeia de fornecimento para produção. Ser engenheiro de obra pronta é fácil. Mas creio que poderíamos ter sido mais conservadores no planejamento das vendas e dos pedidos.

Algumas promessas feitas na cadeia de suprimentos não estão sendo cumpridas, embora a gente tenha puxado o freio de mão na comparação com o que eu tenho visto no mercado. Toda a cadeia estava contando com uma normalização que até agora não aconteceu. Continuamos tendo muita dificuldade para cumprir compromissos nas datas pactuadas porque não há comprimento por grande parte de grande parte dos fornecedores.

 
A conectividade no campo é imprescindível para reduzir custos e ampliar a produção. O que é preciso fazer para o sucesso dessa empreitada?

Miotto: As premissas do Conectar Agro (associação que reúne as grandes fabricantes do setor e empresas da área de tecnologia e telecomunicações) e de outras iniciativas do tipo estão corretíssimas. Temos de estimular esse desenvolvimento. Atrair empresas com capacidade para implantar ar tecnologia da conexão é levá-las não só aos agricultores, mas para toda a cadeia produtiva das regiões agrícolas.

Estamos em tratativas com grandes corporações do agronegócio, além de médios e pequenos produtores, que podem ajudar a acelerar esse processo. Também envolvemos prefeituras de municípios com grande concentração de atividade agrícola. A tecnologia e a capacidade econômica para acelerar o processo já existem.

Quando, por exemplo, você leva o 4G via Conectar Agro para uma, duas ou três fazendas de uma região, também leva internet e telefone para escolas rurais, vilas e pequenas indústrias e prestadoras de serviço.

A cobertura também se estende para as rodovias e estradas e atende quem está circulando na região, como os caminhoneiros. Quando a gente faz parceria com uma prefeitura, aparecem outras cinco interessadas. Isso também acontece com as cooperativas. Todo mundo começa a perceber as vantagens da conectividade e se beneficiar dela.
 
Existe demanda do produtor rural por tratores conectados?

Miotto: Sim, e varia de acordo com o perfil do produtor. O pequeno agricultor, por exemplo, tem smartphone e usa ferramentas, como Whatsapp, por exemplo, para fazer negócio. Isso é ainda mais comum no caso da nova geração, que está assumindo os negócios agora.

Muitos querem registrar o que acontece ali, no trator, para avaliar o desempenho e o gasto com combustível, por exemplo. Ele quer ter as mesmas soluções da central multimídia do carro para o trator. Outros já utilizam bancos de dados para avaliar a eficiência de uma aplicação e o uso de agroquímicos.

Quanto maior for o tamanho do negócio, maior será o interesse e o uso de soluções de conectividade. O ponto é que temos de estar prontos para atender a necessidade de todos os tipos de clientes. Um aspecto interessante é que máquinas usadas na agricultura familiar também atendem grandes produtores.

De qualquer modo, seja um pequeno, média ou grande produtor, esses sistemas ajudam a reduzir custos e ampliar a produção. Como fabricante, temos de levar esse conhecimento e garantir treinamento para que nossos clientes possam usar.

O produtor se preocupa com as emissões de carbono? Há procura por produtos menos poluentes?

Miotto: Há demanda, sim. A gente testou os conceitos do trator a biometano (gás gerado pela decomposição de material orgânico) por quatro anos. Assim, temos total segurança para lançar o modelo no Brasil. Há agricultores, pecuaristas e produtores de leite, entre outros, interessados não apenas por causa de questões ambientais, mas também da redução do custo operacional na comparação com o diesel.

Quem tem um biodigestor, também pode utilizar o biometano em caminhões e outros veículos. Ele passa a gerar a própria energia, que pode virar eletricidade, ser utilizada na cozinha, no aquecimento de aviários. Há várias possibilidades.

Há pequenos agricultores que não exportam diretamente. Mas estão percebendo que, se puderem comprovar que utilizam processos de produção mais limpos, poderão vender para países que valorizam produtos “verdes”. Um dos primeiros clientes a comprar o trator a biometano foi procurado por uma cervejaria que precisa fazer o descarte correto de resíduos orgânicos da produção. Ou seja, ele vai gerar o próprio combustível transformando um passivo ambiental em energia. Acredito muito no biometano e na conectividade. Por isso, estamos ajudando a fomentar esse ecossistema.

O que o governo deve fazer para fomentar o agronegócio no Brasil?

Miotto: Acredito que, por ser ano de eleição, em 2022 haverá alguma volatilidade na economia. Deve haver impacto câmbio e em alguns setores que afetam o agronegócio. Porém, a gente sabe que o agro é uma espécie de espinha dorsal da economia brasileira.

Portanto, basta haver continuidade das políticas estratégias que foram definidas há anos. Isso não é só para o agronegócio, mas para a economia em geral. A gente não pode mais ter voo de galinha. É preciso visão de longo prazo e investimentos na infraestrutura.

Está ocorrendo o fenômeno da interiorização da renda. Ou seja, cada vez mais o interior do Brasil cresce. Isso reduz o inchaço populacional nos grandes centros, gera empregos e melhor qualidade de vida. O agronegócio é baseado no empreendedorismo. Por isso, é preciso haver respeito e segurança jurídica. Seja como for, o agronegócio está bem estabelecido no País.
 
O agro continuará avançando em 2022?

Miotto: Acredito, com base nos dois últimos anos, que sim. Houve muitos investimentos em tecnologia, genética e aumento da produtividade. Talvez não tenhamos expansão no tamanho da área plantada. Porém, será um ano de alta produtividade, sobretudo no setor de grãos, mas também na pecuária de corte e leiteira, por exemplo.

Agora, existe um efeito, que também está ligado à pandemia, que é o aumento dos custos de produção. Porém, com o aumento da produtividade há uma tendência de manutenção de bons preços de venda de produtos agrícolas e agropecuários. Para o segundo semestre, a pressão de alta nos custos deverá ser maior.

No caso de máquinas agrícolas, a gente está tentando de alguma maneira fazer o repasse natural do aumento de custos gerado pela falta de matérias primas e a alta do custo da energia, entre outros. Fertilizantes e agroquímicos também tiveram um aumento expressivo, por causa do aumento do custo da energia em países como China, Rússia e Ucrânia, que são grandes produtores.

Seja como for, a demanda ainda é muito maior que capacidade de produção. Mas creio que será um ano bom, a despeito da maior pressão de custos.
 
Houve algum momento em que você perdeu o sono em 2021?

Miotto: Se eu dissesse que não, seria mentira. Sou muito tranquilo, calmo. Porém, há momentos em que a gente fica preocupado. Entre agosto e outubro, a gente tinha de entregar muitos tratores e plantadeiras para clientes no Brasil, Argentina e outros países da região. Eles precisavam receber as encomendas para iniciar o plantio.

Tive várias noites em claro e pensando em soluções. Não só eu, como praticamente toda a equipe e os concessionários. Surgiram soluções criativas, como empréstimo de produtos que estavam na engenharia, máquinas backups, usadas. Fomos atrás de equipamentos em todos os lugares do Brasil.

Tudo para garantir que o agricultor pudesse fazer o trabalho dele. Infelizmente, não deu para atender todos e não conseguimos fazer tudo que a gente queria. Mas nossa equipe fez absolutamente todo o possível. Fomos além do que é considerada nossa responsabilidade.  O mais bacana é ver os clientes reconhecendo a dificuldade, mas, principalmente, o nosso esforço, que foi genuíno, para fazer o melhor.

Como você enxerga a New Holland hoje?

Miotto: As máquinas, assim como os carros e os caminhões, estão cada vez mais parecidas. Por isso, a New Holland está investindo muito em como fazer as coisas, não só o produto, mas também a tecnologia. A gente quer entregar uma boa experiência aos clientes.

Por isso, tomamos a decisão de entender como nos diferenciar. Queremos ser uma marca simples e acessível para qualquer pessoa. Mas não somos simplórios. Gostamos de estar próximo dos clientes e entendemos que o fator humano é fundamental para o sucesso do negócio. Também queremos ser inovadores, do ponto de vista tecnológico. Porém, essa inovação deve ser fácil de utilizar por nossos clientes.

Não adianta ter parafernálias que o agricultor não vai usar. As coisas têm de vir no tempo certo. Por isso, adiamos um pouco o lançamento de sistemas de automação em nossas colheitadeiras. É preciso encontrar o seu “jeitão”, saber como você quer ser visto. Com certeza, nossos concorrentes têm outra visão. E isso é bom, porque o cliente terá várias opções à disposição.

 
Se você pudesse mandar uma mensagem para o jovem Rafael que estava se formando há uns 20 anos, qual seria?

Miotto: Não agir no impulso e sempre valorizar o planejamento. Eu gosto de meter a mão na massa, mas não pode pular etapas. É preciso pensar no longo prazo e saber aonde você quer chegar.

Quando a gente mete os pés pelas mãos e exagera no ímpeto, na velocidade, faz as coisas com menos qualidade e comete mais erros. Errar é normal, mas quando você é impetuoso e não planeja, erra muito mais. Eu daria: “Calma. As coisas vão chegar no seu tempo.”