Inglaterra reestatiza o transporte ferroviário; medida pode influenciar outros países?
Companhia South Western Railways foi a primeira a retornar ao controle público após aprovação da lei de renacionalização das ferrovias

A companhia ferroviária South Western Railway, que opera no sudoeste da Inglaterra, se tornou no final de maio a primeira linha férrea a retornar ao controle público, como parte do plano de renacionalizar o transporte sobre trilhos no Reino Unido aprovado pela maioria trabalhista no governo.
Até 2027, quando findam os atuais contratos de concessão, todas as linhas devem retornar ao controle estatal, sob égide da nova Great British Railways, inspirada na antiga British Railways. As ferrovias, dessa forma, somam 15,8 mil km de extensão e transportam 1,6 bilhão de passageiros anualmente, segundo dados oficiais.
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O sistema ferroviário mais antigo do mundo foi privatizado a partir de 1994, durante o governo do conservador John Major. Sucessor de Margaret Thatcher, Major foi mais longe do que a própria “dama de ferro”. Há uma citação perpetuada na anedota política segundo a qual Thatcher teria dito ao seu então secretário de transportes que “a privatização das ferrovias será a Waterloo deste governo. Por favor, nunca mais fale sobre as ferrovias comigo novamente”, em tradução livre.
Por que a Inglaterra renacionalizou as ferrovias?
Para o professor da University College London, Carlos Nascimento, especialista em parcerias público privadas, houve um problema no desenho do modelo de privatização no caso das ferrovias britânicas. “Foi um caso típico. Teve aumento dos valores das passagens, o serviço não necessariamente melhorou, a falta de pontualidade se tornou alvo de muitas reclamações, e o subsídio público, por fim, era o que garantia dinheiro para os acionistas”, explica.
Acidentes como os que mataram 38 pessoas em Southall em 1997 e Paddington em 1999 causaram comoção pública e alimentaram, assim, a percepção de que a privatização não havia atingido o objetivo de revitalizar as ferrovias.
Nascimento destaca a fragilidade da estrutura regulatória e a fragmentação do sistema, antes operado de forma unificada pela British Railways, e que passou a ser gerido, dessa forma, por uma dezena de companhias, as “franchises”. “O funcionamento se tornou muito confuso e complexo. Com os acidentes, a credibilidade ficou em cheque. Em seguida, as empresas tiveram muitos problemas financeiros”, diz. “Quando aconteceu a pandemia e a receita tarifária foi para o espaço, na prática, o controle público voltou”.
Controle estatal abre caminho para parcerias público-privadas
Porém, o principal motivo para a reestatização ocorrer agora é a política, diz Nascimento. A volta dos trabalhistas ao governo abriu uma janela para deixar este legado, que dificilmente será revertido no futuro próximo. “Era o momento político oportuno. Mesmo se os trabalhistas forem mal na economia e os conservadores voltarem daqui a três anos, é muito difícil refazer uma privatização clássica”, explica.
O que parece mais provável, assim, é que avancem planos de expansão e modernização do sistema com protagonismo do Estado a partir de parcerias público privadas. Lá, explica o professor, as PPPs são mais associadas aos trabalhistas do que aos conservadores. Mas ainda não há um movimento assertivo de retomar pacotes de parcerias como no passado.
Medida vai influenciar outros países?
A presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (Anptrilhos), Ana Patrizia Lira, afirma que a ideologia do governo trabalhista foi decisiva nessa decisão. “Poderiam ser feitos novos contratos, com novas ferramentas e distribuições diferentes dos riscos. Eles decidiram que não”, explica, nesse sentido.
Até por isso, é pouco provável que a retomada do controle público nesse setor tenha impacto em outros países. A maioria da infraestrutura ferroviária europeia é pública. Nos casos em que há privatizações com envergadura, são, em geral, países que enfrentam problemas na capacidade de investimento do Estado. Como, por exemplo, o Brasil.
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“Quando você não tem capacidade de investimento é muito mais difícil modernizar a infraestrutura [com o Estado sozinho] do que se você trouxer para um modelo de repartição de responsabilidade com poder privado. Ferrovias exigem investimentos muito altos”, explica Ana Patrizia.
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