Moto é coisa de menina, sim

Barbara Neves é a primeira mulher a ter apoio oficial de uma equipe de fábrica no Enduro. Foto: Idário Café/MundoPress

06/04/2022 - Tempo de leitura: 4 minutos, 15 segundos

Barbara Neves, 21 anos, e Alice Matos, de apenas 11, nunca separaram coisas “de menino” e de “menina”. Elas têm muito em comum: subiram na moto, pela primeira vez, desde muito pequenas, e sempre tiveram o apoio incondicional da família, principalmente dos pais – apesar dos olhares tortos lançados por uns e outros.

Barbara mora em Aparecida de Goiânia (GO) e sentiu o julgamento até na escola, vindo de outras crianças. Ela ganhou a primeira moto aos 4 anos, depois de admirar seu pai e os amigos dele fazendo trilhas sobre duas rodas. “Pilotei até os 6 anos, depois parei”, diz. “Era um esporte que não tinha outras meninas. Os colegas de escola riam, diziam que moto era coisa de homem.”

Para tentar se encaixar, Barbara foi fazer balé. “Monótono demais”, achou ela. Depois foi para o jazz, tentou outras modalidades de dança… Não deu match. “Aí, fiz natação, depois fui para a luta… Foi ficando mais radical”, ri. “Aos 12 anos, decidi mesmo que eu gostava era de moto, e voltei a praticar.”

Do hobby e das trilhas, Barbara seguiu para os treinos e competições. Deu certo – e muito. Hoje, ela corre no Enduro, pela Honda: é a primeira mulher a competir com o apoio oficial de uma equipe de fábrica. O suporte do pai continua, firme e forte. “Lembro que, quando ele me colocou em cima da moto, os amigos dele, que também andavam, acharam estranho”, conta ela. “Eles diziam coisas como: ‘Tem certeza de que vai colocar sua filha na moto? Só tem homem correndo, não vai ser bom para ela’. Mas, atualmente, essas mesmas pessoas vêm me elogiar. Acho legal ver que elas evoluíram.” Para Barbara, o esporte mudou: agora, ele recebe bem meninas e mulheres.

Alice Matos, de 11 anos recém-completados, já pegou uma época mais amigável. Natural de Belém, ela se mudou, com a família, para Curitiba – justamente, por ser uma cidade com mais estrutura para treinar. Hoje, Alice é destaque na categoria Junior Cup, no SuperBike Brasil.

Alice Matos já conquista pódios aos 11 anos, no SuperBike Brasil. Foto: Idário Café/MundoPress

Assim como Barbara, Alice teve o apoio incondicional do pai desde sempre. “Comecei a gostar de moto, porque ele me levava na garupa”, conta.

O pai de Alice, Fabricio, dedicou-se totalmente à paixão da filha. Ainda em Belém, foi ele quem deu à menina sua primeira moto e seu primeiro macacão. “Ele sempre foi meu treinador”, afirma Alice. “Não tenho um coach profissional, mas já fiz alguns cursos, como o de pilotagem.”

Sendo tão nova, Alice precisa mesmo é de alguém que tome conta de sua rotina e até de sua saúde: ela tem uma psicóloga, que a acompanha, além da família, que está sempre atenta. Fabricio também supervisiona o Instagram da menina e, apesar do sucesso da filha, evita que a imagem dela seja atrelada a marcas. As parcerias firmadas beneficiam a educação e a saúde de Alice: ela está estudando inglês e ganhou tratamento dentário. “Meu pai sempre me diz para manter a humildade e não me esquecer de onde eu vim”, diz ela, com orgulho.

Dedicação à moto, sem esquecer dos livros

Atleta não tem vida fácil: além dos treinos, é necessário manter a forma física na academia. Mesmo tão nova, Alice já sabe bem disso. E ainda é preciso se dedicar à escola. “Treino com a moto aos fins de semana e também vou à academia alguns dias”, diz.

Ela fica feliz em contar que tem todo o apoio da escola. As aulas já voltaram presencialmente, e os professores compreendem que, por vezes, a menina precisa faltar por causa dos campeonatos. “Quando tenho campeonato em semana de prova, eles me ajudam e remarcam as avaliações.”

E Alice não pensa em parar e estudar só para correr, não. “Quero muito ser médica, mas também não desejo parar de andar de moto. Pretendo trabalhar com medicina esportiva. Assim, eu conseguiria fazer as duas coisas”, diz.

Barbara, mesmo já tendo concluído a faculdade de marketing, decidiu continuar estudando, e vai partir para a pós-graduação, também na área de comunicação. Conciliar estudos e treinos não é tarefa muito simples para ela. “Eu consigo me organizar, na medida do possível”, diz. “Todos os dias, às 6h, treino, seja na pista, seja na academia. A duração dos treinos depende dos campeonatos, mas podem tomar meio período ou até o dia inteiro.”

Ela reconhece que sua disciplina para treinar, mas sem largar os estudos, veio do pai. “Quando eu era pequena, ele só me deixava com a moto se eu tirasse notas boas na escola”, lembra. “E eu agradeço por isso, porque acho que eu teria largado mão dos estudos só para correr.”

Barbara e Alice são duas jovens atletas que mostram uma nova realidade que começa a nascer no motociclismo: hoje, ele pode dar as boas-vindas às mulheres.