A mobilidade urbana não é um fim em si mesma. O que as pessoas querem é acesso a trabalho, educação, serviços, lazer. A mobilidade é o meio. É essa a mudança de perspectiva que precisa ser assimilada no Brasil. Ampliar o acesso às oportunidades urbanas não significa construir mais ruas, mas qualificar e conectar os modos de transporte mais sustentáveis: caminhada, bicicleta e transporte coletivo.
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Essa transformação pode vir a conta-gotas: uma nova política aqui, uma ciclovia acolá. Mas, de gota em gota, terminamos 2023 com um copo meio cheio. Foi um ano de preparativos e de encaminhamentos, que se encerra sem pratos principais, mas com vários aperitivos que fazem salivar quem tem apetite por mudanças.
Um exemplo é o Marco Legal do Transporte Público Coletivo. Fala-se, há décadas, da necessidade de uma lei que organize o setor em nível nacional, estabeleça regras de contratação e remuneração para ônibus municipais e metropolitanos. Temos agora dois projetos de lei sobre o tema, que poderão ser pautados e votados em breve.
O WRI Brasil apoiou a construção de um deles, liderado pelo governo federal com apoio do Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana. É um documento que reafirma o transporte coletivo como serviço público de caráter essencial e de dever do Estado, pavimentando o caminho para políticas que favoreçam quem mais precisa.
Enquanto se definem diretrizes nacionais, dezenas de cidades brasileiras lutam para impulsionar o uso do transporte coletivo, com apoio do WRI. Em 2023, 11 cidades aplicaram a Pesquisa de Satisfação QualiÔnibus, desenvolvida para que as cidades avaliem quais práticas têm surtido efeito e em que aspectos ainda é preciso melhorar.
Oportunidade para reduzir a emissão de poluentes, a eletrificação dos ônibus urbanos também teve seus aperitivos em 2023. Salvador, que tem o plano de eletrificar 40% da frota até 2032, fecha o ano com oito BRTs elétricos operando e um novo eletroterminal de recarga, o maior em área pública do País.
E São Paulo, que lidera a transição no Brasil, comprou 50 novos ônibus a bateria. Boas notícias, mas é preciso acelerar. Chile e Colômbia, por exemplo, têm centenas de vezes mais ônibus zero-emissão do que por aqui.
Felizmente, não só com motores nos deslocamos nas cidades. Um grupo, liderado pela União de Ciclistas do Brasil (UCB), do qual o WRI Brasil faz parte, elaborou a Estratégia Nacional da Bicicleta.
Dessa forma o documento, que foi lançado em setembro, visa subsidiar a política cicloviária, e a atuação da sociedade civil e do setor privado, com uma agenda para promoção da mobilidade por bicicleta até 2030. O Governo Federal chamou o documento de bússola para as ações pela bicicleta. Esperamos que siga na direção certa!
Para a mesma direção aponta o Projeto de Lei 2.789/2023, que propõe adequar limites de velocidade no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ao recomendado pela OMS, e prevê formas mais efetivas de fiscalização.
A agenda conquista espaço em políticas municipais: o Rio de Janeiro lançou seu plano de segurança viária recentemente; Campinas (SP) o fará no início de 2024. Ambos incorporam a abordagem do Sistema Seguro, que considera que mortes no trânsito são inaceitáveis, e têm, na gestão das velocidades, um elemento importante.
Por fim, aproveito o copo meio cheio para fazer um brinde à Fortaleza, que, em 2023, foi destaque em concursos globais de mobilidade. Assim, em um deles, da Bloomberg Philanthropies, a capital cearense garantiu US$ 1 milhão para investir em infraestrutura cicloviária.
Em outro, da Toyota Mobility Foundation, com apoio do WRI, é finalista e concorre a US$ 3 milhões para melhorar a mobilidade e o acesso de comunidades da periferia. Destaque merecido para a capital que mais reduziu mortes no trânsito, com base em uma abordagem integrada para a mobilidade urbana.
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