O “imposto do pecado” é um termo utilizado para descrever impostos aplicados a produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde pública, como bebidas alcoólicas, tabaco, jogos de azar e produtos poluentes. O objetivo desse tributo é claro: desestimular o consumo ao aumentar o custo final do produto, promovendo a saúde pública e compensando os custos sociais associados ao seu consumo.
Com zero respaldo científico e para o azar de ao menos 57% dos brasileiros que, segundo pesquisa da consultoria EY, manifestaram o desejo de trocar seu atual carro por um eletrificado, alguns parlamentares decidiram tributar justamente a maior ferramenta mundial de combate às mudanças climáticas: os carros elétricos. A justificativa para o imposto é baseada em uma falácia. Alegam que as baterias de lítio dos veículos elétricos não são recicláveis.
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Cabe lembrar que as baterias de lítio fazem parte da nossa vida cotidiana há mais de duas décadas. No Brasil, hoje, existem ao menos 249 milhões de celulares ativos, 115 milhões de tablets e notebooks, totalizando 43 mil toneladas em baterias de lítio. Nem entram nessa conta ferramentas de uso doméstico, infraestrutura de empresas de telecom, empilhadeiras, entre tantos outros setores que também utilizam baterias de mesma tecnologia e não estão sujeitos ao referido imposto.
A perplexidade é ainda maior porque, ao contrário das baterias do tipo chumbo-ácido dos carros a combustão, as baterias de íons de lítio dos veículos elétricos não possuem um grama de metal pesado. O lítio das baterias modernas é utilizado até como medicamento para tratamento psiquiátrico e, em sua grande maioria, os veículos que chegam ao Brasil já dispensam o cobalto, mineral de conflito oriundo do Congo.
Diferentemente do que está sendo disseminado na tese deste grupo de parlamentares, as baterias dos carros elétricos atuais são 100% recicláveis e já existem ao menos três empresas capacitadas para esta modalidade de reciclagem atuando no Brasil: Re-Teck, Energy Source e Lorene.
Assim como na reciclagem do alumínio, em que o Brasil é a grande referência mundial, as baterias de lítio são altamente atrativas com componentes como cobre, grafite, manganês, níquel, lítio e o próprio alumínio. Ao final do processo de reciclagem é obtida a chamada “black mass”, ou massa negra, que possui enorme valor comercial – até US$ 10 mil por tonelada.
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Com base em nossa matriz elétrica, com 94% da energia proveniente de fontes renováveis, estudos como os do ICCT são unânimes em demonstrar a superioridade dos carros elétricos no combate às mudanças climáticas. Pelo estudo, fica evidente que as emissões dos elétricos são ao menos 65% menores que as dos veículos flex e até 53% menores se comparados aos híbridos abastecidos exclusivamente com etanol.
O Brasil tem tudo o que é preciso para se tornar uma potência em mobilidade elétrica: matriz elétrica abundante e majoritariamente renovável, enorme reserva de minerais críticos para a transição energética, clima ideal para produção de energia solar e eólica e até capacidade para fabricação de células de bateria, que só não acontece em razão da baixa demanda atual.
Nosso país é perfeito para descarbonizar o transporte a partir da eletrificação. A inclusão dos veículos elétricos no “imposto do pecado” contraria o desenvolvimento sustentável e ignora o potencial transformador da eletrificação da frota. A mobilidade elétrica é essencial para a descarbonização e deve ser incentivada, não penalizada por mero negacionismo climático tecnológico. É uma incoerência política gigantesca taxar a solução como se fosse o problema, ou melhor, o pecado. De pecadores, os veículos elétricos não têm nada. Aliás, estão mais para salvadores da pátria.
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