“O modelo baseado na catraca faliu”, afirma coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo
A tarifa zero é uma solução para financiar o transporte de forma mais inteligente e ecológica, confira as razões
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17/06/2024
Por: Fellipe Gualberto, especial para o Mobilidade
“O sistema de financiamento (para o transporte público) baseado no uso de catraca simplesmente não funciona”. Foi assim que Daniel Santini, coordenador de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, começou sua fala no painel “Sistema Único de Mobilidade e Tarifa Zero”, realizado no segundo dia na terceira edição do Parque da Mobilidade Urbana, em São Paulo.
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Durante o evento especialistas apresentaram dados e experiências em tarifa zero no transporte público no Brasil. O País é o local com mais experiências do tipo no mundo, segundo Santini. Atualmente 114 municípios brasileiros aplicam tarifa zero, 12 deles com mais de 100 mil habitantes. A explosão de casos aconteceu na pós-pandemia, com 37 novos municípios em 2023.
Até o momento as experiências se mostram bem acolhidas pela população e pelos governos. Em todo o mapeamento realizado pelo pesquisador apenas seis cidades voltaram atrás e cobraram novamente as tarifas.
Alternativa para a catraca
“O transporte público no Brasil está colapsando, ele está encolhendo de forma muito grave e não tem recebido a atenção devida”, afirma Daniel Santini. O pesquisador aponta para o fato de que na cidade de São Paulo 2,9 bilhões de viagens eram feitas por mês em 2013, número que caiu para 2 bilhões em 2023. A situação se repete no município do Rio de Janeiro, onde as viagens reduziram de 1,2 bilhão por mês para 641 milhões no mesmo período de tempo.
A pandemia foi um fator que contribuiu para essa realidade. Mas, segundo Santini, o problema também é estrutural: “Temos uma falência do modelo baseado na catraca. Isso gera uma espiral, onde o preço da passagem sobe devido ao aumento do custo de operação, o que leva à redução do número de passageiros”.
De acordo com o pesquisador, o atual modelo de gestão, que remunera as operadoras pelo número de passageiros, incentiva o baixo número de ônibus nas ruas, uma vez que gera mais lucro para as empresas: “A superlotação não é fruto de má gestão. Mas de uma gestão bem feita com premissa errada”.
Nesse cenário, a tarifa zero aparece como uma alternativa viável. Quando o Poder Público fecha contrato e paga uma operadora de transporte pelo ou custo total de operação, “a empresa tem uma garantia muito mais sólida. Como o número de passageiros não flutua, ela pode assumir crédito e renovar a frota”, sintetiza Santini.
Experiências de sucesso
Aplicar a tarifa zero pode ser, na verdade, mais lucrativo para o município. É isso que Celso Haddad Lopes, presidente da Empresa de Transporte Público de Maricá (EPT), no Rio de Janeiro, enfatizou durante sua fala no painel. Com 200 mil habitantes, o município é a quarta cidade mais populosa dentre as que possuem tarifa zero no Brasil. A gratuidade nos ônibus funciona desde 2014 e em 2022 a cidade ganhou também bicicletas gratuitas.
Na contramão dos dados apresentados por Daniel Santini, em Maricá o uso de transporte público aumenta ano após ano desde 2016. As viagens atuais totalizam 438 mil por ano em 2023; enquanto em 2015 eram de 23 mil.
“Quem quer ganhar um aumento de 20% no salário?”, pergunta Lopes. De acordo com o presidente da EPT, esse foi o percentual que a população local economizou com a gratuidade do transporte público. O total economizado pelos munícipes em 2022 foi de R$ 161 milhões. Em 2023, esse valor saltou para R$ 208 milhões. O valor economizado no transporte é usado pela população de outras formas, fazendo a economia da cidade girar. “Mais de R$ 208 milhões entraram na economia de Maricá só por exercermos um direito público, que é a tarifa zero”, ele sintetiza.
Ao mesmo tempo, outros impactos foram sentidos. A tarifa zero atraiu novas empresas para a cidade, uma vez que não precisam pagar vale-transporte no município, aumentou a arrecadação fiscal da cidade devido ao aumento de fábricas, diminuiu a remarcação de consultas no SUS e melhorou a qualidade do ar.
“Maricá cresceu 54% nos últimos dez anos muito pela tarifa zero. As pessoas saem do Rio de Janeiro ou de Niterói, cidades maiores, para morar em Maricá porque querem viver melhor com sua família”, avalia Lopes.
Como manter a tarifa zero?
A experiência de tarifa zero em Maricá é financiada por fundos dos royalties de petróleo. No entanto, Lopes ressalta que “a cidade investe menos de 2,7% do orçamento do município em tarifa zero”. O gestor aponta para soluções como usar a verba obtida em aplicação de multas ou pedir a colaboração de empresários para financiar a gratuidade nos ônibus. Na realidade, cortando os custos com vale transporte e investindo em um fundo municipal para tarifa zero, os empresários podem economizar.
Daniel Santini, por sua vez, cita a PEC 25/2023, que trata da tarifa zero. De acordo com ele, esse documento sugere “assim como o SUS, um sistema de saúde gratuito e universal, a ideia de um sistema de mobilidade único gratuito e universal”. As atividades descritas incluem a criação de um Fundo Nacional de Mobilidade, a criação de um conselho sobre o tem, uso de inteligência e dados para mapear o uso do transporte e planejamento de transição energética.
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Por fim, os painelistas apontam sobre como a gratuidade em ônibus não atende apenas as pessoas que usam esse modal. “Isso interessa não apenas para quem anda de ônibus, mas também para quem quer sair de carro de sua casa e não ter um engarrafamento na sua frente”, aponta Santini. “Não há limite para você se deslocar, viver, ter cidadania”, reflete Lopes, enquanto demonstra que o transporte é um direito garantido pela Constituição.
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