São muitos os relatos sobre as dificuldades inerentes à profissão de caminhoneiro. Frete baixo e pouca segurança nas estradas estão entre as principais reclamações da categoria. Mas nem sempre foi assim. E, para muitos profissionais, a atividade ainda é apaixonante, como se pode ver nos números de um levantamento feito pela plataforma TruckPad em parceria com o Mobilidade Estradão.
Essa pesquisa aponta que 85% dos entrevistados estão satisfeitos com a profissão. Nesse mesmo levantamento, 58% dos caminhoneiros informam que elegeram a atividade porque gostam. E 24% deles responderam que entraram na profissão por influência da família.
Geralmente, o pai é ou foi caminhoneiro. Os demais entrevistados (18%) informaram que se tornaram motoristas de caminhão porque já vinham de atividades que necessitavam de um veículo para fazer o transporte, como o comércio.
Até o final dos anos 1990, a profissão de caminhoneiro era, na sua maioria, hereditária. O pai, geralmente caminhoneiro autônomo, incentivava o filho a seguir os mesmos passos.
O caminhão já estava na família e só precisava de alguém para assumir o volante, quando o pai estivesse para se aposentar. Como, por muito tempo, a profissão foi romanceada, vista como símbolo de liberdade, era mais fácil convencer o jovem a ingressar na atividade.
De uns anos para cá, porém, por causa das dificuldades mencionadas e a chegada das tecnologias embarcadas, a profissão não está sendo renovada. A atividade exige outras habilidades, além de habilitação na categoria D ou E.
Contudo, a idade média dos caminhoneiros está em torno de 45 anos. Enquanto apenas 8% dos carreteiros têm entre 21 e 30 anos, de acordo com o levantamento do TruckPad.
Para falar um pouco sobre esse universo e também como forma de homenagear a categoria como um todo – já que, no sábado, 25 de julho, comemora-se o Dia do Motorista, ouvimos quatro caminhoneiros apaixonados pela vida nas estradas: dois de São Paulo e dois do Rio Grande Sul. Em comum entre eles está o fato de que o amor pela profissão foi transmito de pai para filho… e filha.
O caminhoneiro autônomo Thiago Rodrigues de Oliveira, 28 anos, de Hortolândia (SP), ingressou na profissão por influência do pai, Wilson de Oliveira, 64 anos. As melhores e mais afetivas lembranças que Thiago tem da infância são a bordo de um caminhão.
Thiago lembra que, ainda criança, aos 8 anos, já conhecia quase todo o País. “Na época das férias escolares, meu pai me levava para viajar com ele. E é isso que me atraía. Cada dia, eu estava em um lugar diferente, conhecendo pessoas e culturas diferentes”, diz Rodrigues, ao acrescentar que isso fez aumentar o desejo de ter um caminhão e cair na estrada.
Na adolescência, Thiago começou a ajudar o pai. Além de ser seu acompanhante de viagem, o jovem também o auxiliava a carregar e descarregar mercadorias do veículo, quando era necessário. Para ele, ingressar na carreira não foi tão simples, mesmo com o aval do pai.
A condição imposta pela mãe, Marlene Rodrigues, foi que, para se tornar caminhoneiro, o filho teria que, primeiro, estudar. O jovem não teve dúvida e decidiu cursar logística, porque teria tudo a ver com a profissão. E, de fato, segundo Thiago, esse conhecimento fez toda a diferença na carreira.
Tanto é que, antes de se tornar autônomo, com a ajuda do pai, para comprar o primeiro caminhão, Thiago optou por trabalhar em uma empresa de logística e adquirir experiência. Além, é claro, de juntar dinheiro para, junto com o pai, comprar o veículo.
O primeiro foi o Mercedes-Benz 608, 1978. Mas alguns percalços marcaram o pouco tempo de carreira de Thiago. Quando conseguiu trocar o caminhão por um modelo mais novo, um Volkswagen 8.120, ano 2000, ele foi furtado.
Mas ele não hesitou e recomeçou. Atualmente, mesmo com um caminhão de idade média avançada, um Mercedes-Benz 1313 trucado, ano 1983, Thiago deu a volta por cima.
O caminhoneiro tem uma vasta lista de clientes, entre transportadores e embarcadores, dos quais, pelo menos para seis, o jovem presta serviços mensais. E, além disso, também utiliza plataformas de fretes como caminho para ampliar a lista de clientes.
Mesmo com a grave crise causada pela pandemia do novo coronavírus que derrubou em mais de 45% a atividade de transporte entre os meses de abril e maio, o jovem não passou uma semana sequer sem carregar o caminhão. As principais mercadorias que transporta são bebida e papel.
“Muita gente nova entra na profissão com o mesmo ideal que eu tinha: ter liberdade e cada dia estar em um lugar diferente. Mas é um ramo que, se não tiver responsabilidade, é fácil se queimar e mais fácil ainda perder o pouco que se tem ou até mesmo perder a vida. As estatísticas de acidentes confirmam isso.”
A fala de Thiago abrilhanta os olhos do pai. Wilson, que está parado desde o início do ano devido a um machucado no pé, diz ter muito orgulho do filho. “Não é fácil ser caminhoneiro, e eu sempre fui transparente com ele em relação a isso.
O fato de ele ter estudado realmente fez a diferença. Eu entrei nessa atividade numa época em que não era tão difícil ser caminhoneiro. Comprar o caminhão era mais fácil por ser mais barato. Mas não havia crédito. Na época, meu patrão e meu irmão me ajudaram. Hoje, é quase impossível ter um caminhão novo. Mesmo com crédito mais fácil”, diz Wilson Oliveira.
O pai caminhoneiro, porém, não tem dúvidas de que o filho será bem-sucedido na carreira. Wilson também acredita ser questão de tempo Thiago conseguir comprar o tão sonhado caminhão mais novo.
Hoje, o jovem carreteiro mira um Volkswagen Constellation 24.250 trucado, que, por ser versátil, irá ajudá-lo a ampliar o leque de mercadorias que ele pode carregar. Além de ampliar a lista de clientes que exigem caminhões mais novos.
Com toda certeza, o caminhoneiro João Paulo Laurentino, 50 anos, não imaginava que, entre os seus três filhos, dois homens e uma mulher, justo a menina se tornaria motorista como ele.
Ana Paula Laurentino, 28 anos, abandou a carreira no sistema financeiro para se tornar motorista. E hoje ela trabalha com o pai. Os dois são motoristas da Transportadora Scapini, uma das maiores do segmento do País, sediada em Lajeado (RS).
A paixão pela profissão despertou da mesma forma como ocorreu com o Thiago, de Hortolândia. A jovem, desde pequena, viajava com o pai. “Lembro que, quando eu tinha entre 6 e 7 anos, meu pai me levou para conhecer o mar.
Quando chegamos, ainda escuro, dormimos na boleia do caminhão, escutando o barulho do mar. Eu estava ansiosa para vê-lo. E foi uma imagem tão linda quando eu acordei. Porque, além do mar, do alto do caminhão, enxergamos alguns golfinhos nadando no meio do oceano”, recorda Ana Paula.
Diferentemente do pai, que já foi caminhoneiro autônomo, a filha ingressou na carreira como funcionária da transportadora. Mãe de crianças ainda pequenas, ela optou por trabalhar nas operações urbanas da Scapini para poder retornar todos os dias para casa e poder ficar com os filhos. Ela faz o transporte urbano das regiões próximas a Lajeado.
Seus planos, porém, são maiores. Quando as crianças estiverem grandes, Ana Paula quer se tornar carreteira e fazer as mesmas viagens que fazia com o seu pai quando criança. Mas, dessa vez, com ela no volante.
O pai, Laurentino, explica que, no início, não incentivou a filha a entrar na profissão, por ser uma atividade ainda fechada para as mulheres.
“São poucas mulheres caminhoneiras. Nós, que estamos dia a dia na estrada, vemos que os locais por onde passamos, seja parando para dormir, seja para carregar e descarregar, ainda não oferecem a estrutura adequada para recebê-las”, diz o pai.
Outra preocupação é com relação à segurança. “Eu sei que a Ana Paula é responsável, dirige bem. Mas e os outros? O trânsito depende do comportamento de terceiros. E, como pai, eu preferiria que ela ficasse como ela está, trabalhando perto de casa. Mas sei que é o desejo dela. E eu não ligo se, quando esse dia chegar, ela me deixe cuidando dos meus netos”, brinca Laurentino.
Perfil do caminhoneiro, segundo pesquisa realizada pelo app TruckPad