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Paixão por caminhão ainda atravessa gerações

Por: Andrea Ramos . 21/07/2020
Meios de Transporte

Paixão por caminhão ainda atravessa gerações

Os desafios da vida na estrada estão afugentando os mais jovens. Em geral, os poucos que permanecem na atividade herdaram a profissão do pai

7 minutos, 44 segundos de leitura

21/07/2020

Por: Andrea Ramos

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Thiago e seu pai, Wilson de Oliveira: “Nas férias, ele me levava para viajar. Cada dia eu estava em um lugar diferente.” Foto: Marco Ankosqui

São muitos os relatos sobre as dificuldades inerentes à profissão de caminhoneiro. Frete baixo e pouca segurança nas estradas estão entre as principais reclamações da categoria. Mas nem sempre foi assim. E, para muitos profissionais, a atividade ainda é apaixonante, como se pode ver nos números de um levantamento feito pela plataforma TruckPad em parceria com o Mobilidade Estradão.

Essa pesquisa aponta que 85% dos entrevistados estão satisfeitos com a profissão. Nesse mesmo levantamento, 58% dos caminhoneiros informam que elegeram a atividade porque gostam. E 24% deles responderam que entraram na profissão por influência da família.

Tradição

Geralmente, o pai é ou foi caminhoneiro. Os demais entrevistados (18%) informaram que se tornaram motoristas de caminhão porque já vinham de atividades que necessitavam de um veículo para fazer o transporte, como o comércio.

Até o final dos anos 1990, a profissão de caminhoneiro era, na sua maioria, hereditária. O pai, geralmente caminhoneiro autônomo, incentivava o filho a seguir os mesmos passos.

O caminhão já estava na família e só precisava de alguém para assumir o volante, quando o pai estivesse para se aposentar. Como, por muito tempo, a profissão foi romanceada, vista como símbolo de liberdade, era mais fácil convencer o jovem a ingressar na atividade.

De uns anos para cá, porém, por causa das dificuldades mencionadas e a chegada das tecnologias embarcadas, a profissão não está sendo renovada. A atividade exige outras habilidades, além de habilitação na categoria D ou E.

Contudo, a idade média dos caminhoneiros está em torno de 45 anos. Enquanto apenas 8% dos carreteiros têm entre 21 e 30 anos, de acordo com o levantamento do TruckPad.

Celebrando a data

Para falar um pouco sobre esse universo e também como forma de homenagear a categoria como um todo – já que, no sábado, 25 de julho, comemora-se o Dia do Motorista, ouvimos quatro caminhoneiros apaixonados pela vida nas estradas: dois de São Paulo e dois do Rio Grande Sul. Em comum entre eles está o fato de que o amor pela profissão foi transmito de pai para filho… e filha.

A herança é o caminhão

O caminhoneiro autônomo Thiago Rodrigues de Oliveira, 28 anos, de Hortolândia (SP), ingressou na profissão por influência do pai, Wilson de Oliveira, 64 anos. As melhores e mais afetivas lembranças que Thiago tem da infância são a bordo de um caminhão.

Thiago lembra que, ainda criança, aos 8 anos, já conhecia quase todo o País. “Na época das férias escolares, meu pai me levava para viajar com ele. E é isso que me atraía. Cada dia, eu estava em um lugar diferente, conhecendo pessoas e culturas diferentes”, diz Rodrigues, ao acrescentar que isso fez aumentar o desejo de ter um caminhão e cair na estrada.

Pai e filha trabalham juntos na mesma transportadora

Na adolescência, Thiago começou a ajudar o pai. Além de ser seu acompanhante de viagem, o jovem também o auxiliava a carregar e descarregar mercadorias do veículo, quando era necessário. Para ele, ingressar na carreira não foi tão simples, mesmo com o aval do pai.

A condição imposta pela mãe, Marlene Rodrigues, foi que, para se tornar caminhoneiro, o filho teria que, primeiro, estudar. O jovem não teve dúvida e decidiu cursar logística, porque teria tudo a ver com a profissão. E, de fato, segundo Thiago, esse conhecimento fez toda a diferença na carreira.

Tanto é que, antes de se tornar autônomo, com a ajuda do pai, para comprar o primeiro caminhão, Thiago optou por trabalhar em uma empresa de logística e adquirir experiência. Além, é claro, de juntar dinheiro para, junto com o pai, comprar o veículo.

O primeiro foi o Mercedes-Benz 608, 1978. Mas alguns percalços marcaram o pouco tempo de carreira de Thiago. Quando conseguiu trocar o caminhão por um modelo mais novo, um Volkswagen 8.120, ano 2000, ele foi furtado.

Mas ele não hesitou e recomeçou. Atualmente, mesmo com um caminhão de idade média avançada, um Mercedes-Benz 1313 trucado, ano 1983, Thiago deu a volta por cima.

Plataforma para ampliar a lista de clientes

O caminhoneiro tem uma vasta lista de clientes, entre transportadores e embarcadores, dos quais, pelo menos para seis, o jovem presta serviços mensais. E, além disso, também utiliza plataformas de fretes como caminho para ampliar a lista de clientes.

Mesmo com a grave crise causada pela pandemia do novo coronavírus que derrubou em mais de 45% a atividade de transporte entre os meses de abril e maio, o jovem não passou uma semana sequer sem carregar o caminhão. As principais mercadorias que transporta são bebida e papel.

“Muita gente nova entra na profissão com o mesmo ideal que eu tinha: ter liberdade e cada dia estar em um lugar diferente. Mas é um ramo que, se não tiver responsabilidade, é fácil se queimar e mais fácil ainda perder o pouco que se tem ou até mesmo perder a vida. As estatísticas de acidentes confirmam isso.”

 A fala de Thiago abrilhanta os olhos do pai. Wilson, que está parado desde o início do ano devido a um machucado no pé, diz ter muito orgulho do filho. “Não é fácil ser caminhoneiro, e eu sempre fui transparente com ele em relação a isso.

O fato de ele ter estudado realmente fez a diferença. Eu entrei nessa atividade numa época em que não era tão difícil ser caminhoneiro. Comprar o caminhão era mais fácil por ser mais barato. Mas não havia crédito. Na época, meu patrão e meu irmão me ajudaram. Hoje, é quase impossível ter um caminhão novo. Mesmo com crédito mais fácil”, diz Wilson Oliveira.

O pai caminhoneiro, porém, não tem dúvidas de que o filho será bem-sucedido na carreira. Wilson também acredita ser questão de tempo Thiago conseguir comprar o tão sonhado caminhão mais novo.

Hoje, o jovem carreteiro mira um Volkswagen Constellation 24.250 trucado, que, por ser versátil, irá ajudá-lo a ampliar o leque de mercadorias que ele pode carregar. Além de ampliar a lista de clientes que exigem caminhões mais novos.

A filha que seguiu os caminhos do pai

João Paulo Laurentino: “Como pai, preferiria que Ana Paula ficasse trabalhando perto de casa. Mas sei que seu sonho é ser carreteira. Então, se ela deixar, fico em casa cuidando dos netos.” Foto: Arquivo Pessoal

Com toda certeza, o caminhoneiro João Paulo Laurentino, 50 anos, não imaginava que, entre os seus três filhos, dois homens e uma mulher, justo a menina se tornaria motorista como ele.

Ana Paula Laurentino, 28 anos, abandou a carreira no sistema financeiro para se tornar motorista. E hoje ela trabalha com o pai. Os dois são motoristas da Transportadora Scapini, uma das maiores do segmento do País, sediada em Lajeado (RS).

A paixão pela profissão despertou da mesma forma como ocorreu com o Thiago, de Hortolândia. A jovem, desde pequena, viajava com o pai. “Lembro que, quando eu tinha entre 6 e 7 anos, meu pai me levou para conhecer o mar.

Quando chegamos, ainda escuro, dormimos na boleia do caminhão, escutando o barulho do mar. Eu estava ansiosa para vê-lo. E foi uma imagem tão linda quando eu acordei. Porque, além do mar, do alto do caminhão, enxergamos alguns golfinhos nadando no meio do oceano”, recorda Ana Paula.

Retorno à casa diariamente

Diferentemente do pai, que já foi caminhoneiro autônomo, a filha ingressou na carreira como funcionária da transportadora. Mãe de crianças ainda pequenas, ela optou por trabalhar nas operações urbanas da Scapini para poder retornar todos os dias para casa e poder ficar com os filhos. Ela faz o transporte urbano das regiões próximas a Lajeado.

Seus planos, porém, são maiores. Quando as crianças estiverem grandes, Ana Paula quer se tornar carreteira e fazer as mesmas viagens que fazia com o seu pai quando criança. Mas, dessa vez, com ela no volante.

O pai, Laurentino, explica que, no início, não incentivou a filha a entrar na profissão, por ser uma atividade ainda fechada para as mulheres.

“São poucas mulheres caminhoneiras. Nós, que estamos dia a dia na estrada, vemos que os locais por onde passamos, seja parando para dormir, seja para carregar e descarregar, ainda não oferecem a estrutura adequada para recebê-las”, diz o pai.

Outra preocupação é com relação à segurança. “Eu sei que a Ana Paula é responsável, dirige bem. Mas e os outros? O trânsito depende do comportamento de terceiros. E, como pai, eu preferiria que ela ficasse como ela está, trabalhando perto de casa. Mas sei que é o desejo dela. E eu não ligo se, quando esse dia chegar, ela me deixe cuidando dos meus netos”, brinca Laurentino.

Perfil do caminhoneiro, segundo pesquisa realizada pelo app TruckPad

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