PCD no Censo 2022: o que pesquisa revelou sobre desafios da acessibilidade no Brasil


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O que o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou sobre a realidade das pessoas com deficiência (PCD) no Brasil? Os dados ainda estão sendo divulgados em partes. Uma pesquisa que veio a público recentemente, a “Características urbanísticas do entorno dos domicílios”, mostra como ainda há muitos desafios. Sobretudo para garantir a toda a população um direito fundamental: o de ir e vir.

Apenas 15,2% dos brasileiros residem em ruas com rampa para cadeirante. Ou seja, 26,5 milhões de pessoas têm acesso a essa infraestrutura básica, enquanto 119,9 milhões não têm. O número cresceu significativamente entre 2010, data do censo anterior, e a última pesquisa. Eram apenas 5 milhões de brasileiros que moravam em ruas com rampa para cadeirante naquele ano, 3,9% da população, nesse sentido. Apesar do crescimento, porém, o dado revela como ainda são grandes as dificuldades que a maioria dos brasileiros com deficiência passam cotidianamente.

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Para Silvana Cambiaghi, urbanista, arquiteta, conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo e pessoa com deficiência (PCD), a falta dessa infraestrutura produz uma situação óbvia: as pessoas não conseguem sair da própria casa. Ela explica que o relevo acidentado da maioria das cidades brasileiras exige o uso das cadeiras motorizadas. Estas cadeiras pesam normalmente mais de 60 quilos. Uma pessoa leve, com 60 quilos, por exemplo, só poderia ultrapassar um desnível como um meio-fio se estivesse acompanhada de alguém capaz de erguer 120 quilos a cada degrau. Trocando em miúdos, o deslocamento se torna praticamente impossível.

Direito de ir e vir das pessoas com deficiência (PCD)

“Você não consegue ir até uma padaria. Você não consegue fazer nada. Sem calçada acessível, você não consegue sequer pegar um ônibus. Isso bloqueia o acesso ao trabalho, à educação, à própria vida”, relata Cambighi. Ela conta que morou muitos anos do bairro de Santana, na zona norte de São Paulo, e durante esse período só podia sair de casa de carro. O bairro é acidentado, mas o motivo não é só esse, relata a urbanista. “Quando eu era criança, eu saía. O que mudou foi que aumentou o número de carros, as calçadas ficaram cheias de degraus que cada morador faz na frente da própria casa, e eu perdi esse direito”, diz.

Ela avalia que o crescimento do número de ruas com rampa está associado à criação da Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146) em 2015. No artigo 113, ela inclui a obrigação dos estados e municípios criarem um plano de rotas acessíveis que garantam acessibilidade às pessoas com deficiência. Em São Paulo, por exemplo, foi criado o Plano Emergencial de Calçadas em 2019.

A última pesquisa do Censo Demográfico mostra, assim, que 16% da população brasileira não têm calçada ou passeio na rua onde mora. A média nacional, porém, esconde uma realidade muito desigual entre estados e regiões: enquanto no Distrito Federal apenas 7,1% da população sofre com a falta de calçamento, no Amapá esse número chega a 42,9%. O problema, ainda assim, é que ter calçada não garante acessibilidade se ela é muito estreita ou cheia de obstáculos.

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Obstáculos para acessibilidade

O censo mostra o que todos vêem: apenas 18,8% das pessoas vivem em ruas com calçadas livres de obstáculos, como postes e hidrantes. No Maranhão, apenas 4,6% dos moradores têm o “privilégio” de uma calçada com plena qualidade, enquanto no Rio Grande do Sul — o melhor colocado, nesse sentido — são 28,7%, menos de um terço da população.

Além da desigualdade entre regiões do País, o Censo 2022 mostra como pessoas pretas, pardas e indígenas vivem em regiões com menor infraestrutura de acessibilidade na comparação com brancos e amarelos. Entre as pessoas brancas, 19,2% têm rampa para cadeirante na rua onde mora; entre amarelos, esse percentual chega a 29,6%. Contudo, entre pessoas pretas são apenas 11,1% ; entre pardos,são 11,9%; e, entre indígenas, apenas 9,8%.

Para Cambighi esse dado mostra como as dificuldades das pessoas com deficiência (PCD) estão associadas às questões de raça e classe. “Há uma concentração maior de pessoas pretas e pardas nas periferias, onde a urbanização é precária, fruto de ocupações e assentamentos irregulares”, diz a urbanista. É, também, onde há topografia mais acidentadas e, por fim, onde os desafios são maiores. Ela avalia, nesse sentido, que a melhor solução em vários desses territórios é pensar a via pública compartilhada entre pedestres, ciclistas e carros, com asfaltamento, para garantir o deslocamento de cadeirantes.