Radar de velocidade não pune: ele educa. Os dados finalmente desmontam a demagogia
Nenhum país do mundo avançou na redução de mortes no trânsito sem tecnologia, coerência e, principalmente,
coragem política
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25/11/2025
A tal “indústria da multa” sempre foi uma lenda urbana conveniente do trânsito brasileiro. Um bordão repetido à exaustão em discursos políticos e conversas de bar, quase sempre ecoado por motoristas irritados com a existência de regras – nunca por pedestres, ciclistas ou famílias que perderam alguém.
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Mas agora, pela primeira vez, a ciência responde de maneira direta e incontestável a esse mito. Um estudo inédito do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e apoio da Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Trânsito (Abeetrans), analisou dados de radares ativos de todo o País durante um ano inteiro. E revelou dois achados que mudam completamente o debate público.
O primeiro resultado é simples e profundo: onde há maior quantidade de equipamentos de fiscalização eletrônica de velocidade, há menos mortes no trânsito. Mesmo com as limitações naturais de estudos dessa escala, a relação se repete em todo o território brasileiro.
Mais câmeras, menos vítimas. Não é interpretação; é evidência. A fiscalização constante reduz comportamentos de risco e melhora a convivência nas vias. Trata-se de uma política pública de segurança, não de punição.
A importância dos dados
A segunda conclusão é ainda mais impactante, e encerra qualquer narrativa sobre a suposta “fábrica de multas”: onde há mais câmeras, há menos multas por câmera. Exatamente o oposto do que em geral se propaga.
Se os radares fossem instrumentos de arrecadação, Estados com mais equipamentos deveriam multar mais. Mas acontece o contrário. A presença permanente das câmeras inibe o excesso de velocidade e faz o motorista respeitar a regra. Quando o comportamento muda, as infrações diminuem.
Os números mostram isso de forma cristalina. No Rio Grande do Sul, onde a fiscalização é mais consolidada, cada equipamento registra cerca de 700 infrações por ano. No Amazonas, onde a presença de câmeras é mínima, esse número chega a 4.500.
Não por acaso, o Rio Grande do Sul figura entre os Estados com melhor desempenho na redução de mortes nas vias, enquanto o Amazonas aparece na outra ponta. Mais radares não multam mais; multam menos, justamente porque o motorista passa a respeitar mais.
Demagogia
Esse é o ponto que muitas pessoas, inclusive políticos, evitam admitir. Criticar radares virou discurso fácil e eleitoralmente atraente, transformando infrator em vítima e vítima em estatística. É a demagogia perfeita: promete-se “liberdade” no trânsito, mas entrega-se risco, descontrole e morte.
A fiscalização existe para induzir comportamentos seguros até que eles se tornem hábitos – e, depois, cultura. Assim evoluem as sociedades: primeiro pela regra, depois pelo costume.
O radar é o gatilho que interrompe o impulso de acelerar além do limite. É o lembrete que muita gente evitaria, mas que salva vidas todos os dias. Quando essa inibição se torna rotina, nasce a verdadeira cultura das velocidades seguras, permitindo que motoristas, pedestres e ciclistas convivam com menos medo e mais respeito.
A gestão das velocidades é um dos pilares dos Sistemas Seguros, recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e presente no Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que busca reduzir pela metade os óbitos até 2030. Nenhum país avançou nessa agenda sem tecnologia, coerência e coragem política.
Por isso, precisamos superar a superficialidade. O inimigo do trânsito não é o radar. O inimigo é a impunidade. É a politização vazia que prefere atacar a câmera a reconhecer que a velocidade mata – e que a fiscalização salva.
Os dados estão aí. Agora, cabe a nós decidir se continuaremos presos à retórica da “indústria da multa” ou se construiremos, enfim, um País onde voltar para casa não dependa da sorte.
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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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