A exemplo do que acontece com a saúde no Brasil, que conta com o Sistema Único de Saúde (SUS) como direito universal e garantido pela Constituição, entidades e organizações propõem a criação de um modelo semelhante para o transporte, o Sistema Único de Mobilidade (SUM).
Os princípios dessa proposta (veja quadro abaixo) têm como objetivo resolver os muitos problemas enfrentados por quem utiliza transporte coletivo ou não tem acesso a ele. Se não todos de uma só vez, mas de maneira gradual até mesmo pela alta complexidade da questão.
O SUM promoveria e aceleraria ainda mais o acesso e a democratização aos serviços de qualidade (com menor ou zero custo de tarifa para o usuário, por exemplo), além de melhorias no trânsito, com a integração inteligente de modais, o que traria reflexos positivos à questão ambiental, especialmente nos grandes centros urbanos.
A ideia não é nova, mas vem sendo discutida de forma mais organizada e diversa: desde 2022, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) lidera uma coalizão de organizações da sociedade civil de todo o Brasil para tirar essas ações do papel, ouvindo diversos atores da mobilidade.
O órgão lançou um manifesto no Dia Mundial sem Carro (comemorado em 22 de setembro) e oficinas temáticas para reunir quem pesquisa e estuda o tema, reforçando seu papel junto ao governo federal, que também tem uma proposta de um marco legal para o transporte coletivo, com audiência pública marcada para este mês de agosto.
“O projeto de lei do governo federal será uma nova legislação para regulamentar o transporte coletivo nas cidades brasileiras e o Idec deve articular com deputados e deputadas para que eles acompanhem o tema”, explica Rafael Calabria, gerente de mobilidade do Idec.
O objetivo é evitar a pressão empresarial, fazer contrapontos e pautar soluções ideais para o usuário, por meio de operações mais organizadas, que garantam a qualidade do serviço. “Além de uma gestão mais ágil e eficiente dos recursos disponibilizados aos municípios, mapeamento preciso, com aumento de frota e de usuários, entre outras necessidades”, acrescenta.
Isso para não repetir os problemas já existentes, evitar oligopólios e trazer boas práticas de gestão para modificar esse cenário. “Com maior controle público dos subsídios e dos serviços, não necessariamente com a estatização”, esclarece Calabria. “Mas garantir mais transparência aos processos de concorrência, oferecer melhor oferta ao usuário, com a qualidade necessária.”
Uma das propostas levadas ao governo federal é a aquisição de frotas, por ser uma parte cara nessa transformação, ainda mais se for elétrica. “Tem que estar no planejamento anual para exigir que essa frota seja nova, promovendo o fomento e a concorrência da indústria, permitindo que as cidades reduzam seus custos locais, uma vez que o transporte atualmente é de responsabilidade do município, e cada um tem uma realidade diferente”, explica o gerente do Idec. “É uma nova forma de gestão para romper modelos atuais, inclusive de contratos, do sistema de bilhetagem, entre outras mudanças.”
De acordo com Calabria, o marco regulatório do governo federal traz avanços e, mesmo com boa vontade política, é um processo muito complexo. “Depende de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), e é preciso deixar claro, e de forma objetiva, como isso será operacionalizado, inclusive para um mapeamento preciso do setor para melhorar a qualidade dessas informações, que, em alguns casos, é inexistente”, ressalta.
Ele propõe que o SUM possa começar, senão de uma vez, mas por meio de programas específicos para as diferentes áreas, fazendo com que a estrutura federal exercite sua participação.
O modelo também prevê maior pressão aos municípios para que cumpram e tenham plano de mobilidade, com licitações e metas que obedeçam às regras dos programas de subsídios, com audiências públicas sobre formas de financiamento e de prestação de contas do uso do dinheiro.
Calabria ressalta ainda a importância do debate geral – não só para quem precisa do transporte coletivo mas de todos que se beneficiam com sua melhoria. “Inclusive quem usa carro, com base na redução do trânsito e da poluição. Por isso, é justo que a sociedade divida essa conta e não cobre apenas do usuário final”, defende. “Somente assim o SUM poderá repercutir, gerar impactos positivos e diversas práticas. Ainda que comece, de fato, por partes, em cidades menores e com base em bons exemplos”, analisa o especialista.
1 – Integralidade: acesso a todas as esferas de serviço da mobilidade urbana, porta a porta, intermodalidade e integração completa (física, tarifária e operacional), sem restrição de horários.
2 – Sustentabilidade: combate à crise climática e de melhoria da qualidade do ar, com veículos que corroborem com a redução de poluentes, a ampliação da oferta de transporte coletivo, melhoria nas condições do caminhar e do pedalar e da ocupação e uso do solo urbano mais inteligente.
3 – Equidade: combate às desigualdades, às violências e às exclusões territoriais, sociais, de gênero e raciais, especialmente para as pessoas que se encontram em situação de imobilidade urbana.
4 – Universalidade: acesso das pessoas aos espaços e às oportunidades das cidades, sem discriminação de qualquer natureza.
5 – Acessibilidade: inclusão social, com garantia de acesso à mobilidade especialmente para pessoas com deficiência, baixa mobilidade ou restrição de mobilidade.