“Bora pedalar meninas”. É com chamados assim que começam os passeios de um dos grupos de pedal mais antigos de São Paulo, formado exclusivamente por mulheres: o Saia na Noite. Em 2019 a equipe comemora 27 anos, tempo em que encorajou diversas gerações de ciclistas mulheres a encarar as ruas de São Paulo com suas bikes.
Criado em 1992 pela professora Teresa D’Aprile, o ‘Saia’, como é carinhosamente apelidado, foi motivado pela dificuldade que muitas mulheres encontravam para pedalar na metrópole. “Eu tinha amigas que queriam pedalar, mas tinham medo de assaltos ou violência física. Como eu já pedalava, achei que poderia ajudá-las a ir para as ruas”, explica Teresa.
Teresa começou a usar a bicicleta nos deslocamentos cotidianos quando tinha 37 anos, em 1985. Como muitos paulistanos, ela pedalava na infância e adolescência e deixou a magrela de lado quando adquiriu um carro. A retomada da circulação em duas rodas, porém, não aconteceu incitada pelo interesse em uma vida saudável ou pela economia no orçamento: a bicicleta foi uma ferramenta para evitar a depressão. “Eu acabara de me divorciar e buscava formas de não me abater. Um dia passei em frente a uma bicicletaria e uma Ceci chamou minha atenção. Comprei por impulso e passei a pedalar todos os dias. Naquela bicicleta encontrei ânimo para recompor minha vida”. Em pouco tempo, os resultados emocionais apareceram. “Nas pedaladas conheci um ciclista, que é meu companheiro até hoje”
A rotina com a bike se tornou profissão e, em 1990, Teresa foi trabalhar em uma bicicletaria. Na época despontavam os grupos de pedais que percorriam as ruas paulistanas à noite, como o pioneiro Night Bikers, que contava com a cicloativista Renata Falzoni. Animada, Teresa criou o Saia na Noite. “Bati um papo com a Falzoni sobre a ideia de um grupo voltado a mulheres, principalmente as que não conseguiam encarar o ritmo intenso dos grupos existentes. Ela achou o máximo e me incentivou.”
Assim, no dia 16 de março de 1992, ela reuniu sete amigas e fez o passeio que deu origem ao Saia: saíram de um café que existia na Av. Faria Lima, perto do clube Pinheiros, circularam pelo Jardim Europa e pelas avenidas do entorno, despertando o olhar curioso das pessoas. Como era de esperar, a ideia de um grupo de mulheres pedalando à noite gerou receio. “Meu irmão pegou seu carro e decidiu seguir o grupo, fazendo uma espécie de escolta. Mas foi um passeio bem tranquilo, até porque não tinha o trânsito tenso que existe hoje”
No momento, o Saia na Noite conta com uma média de 20 ciclistas – o grupo chegou a ter 50 ou 60 meninas por pedal. “Mas a queda do número é normal, pois há mais de 150 grupos na cidade e assim as meninas se dispersam”, explica Teresa. A faixa etária varia entre 35 a 65 anos e conta com perfis diversos, como mães que vêm com as filhas. A descontração é a marca registrada: “É um grupo feliz. Contamos piadas e fazemos brincadeiras, como sair de pijama ou fantasias em datas comemorativas”
Os passeios acontecem todas às terças-feiras com um percurso de em média 20 quilômetros, com roteiros decididos na hora, de acordo com quem aparece. Se forem iniciantes, o percurso é mais curto e sem subidas. Quando são mais experientes o “pedal é mais forte, algo mais punk”.
Apesar de o grupo ser voltado a mulheres, homens também são bem-vindos: “muitas mulheres trazem seus companheiros. E mesmo homens solteiros, que não estão acostumados a pedalar em grupos mais rápidos, aparecem. Somos bem acolhedoras com iniciantes”
Motivação é o que não falta. “Acabei de fazer 71 anos e percebo pessoas que me olham e devem pensar o que essa velha está fazendo. Não ligo. Participo de competições, como a Prova 9 de julho e fui recentemente para Santos. E pedalo em São Paulo em qualquer horário, mesmo à noite. Não abro mão de pedalar”
Saia na Noite
Ponto de encontro: Pizzaria Primo Basílico, Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 1864
Datas: terças-feiras, às 21h (eventualmente aos domingos, em horários a combinar)