Desde o dia 1º de outubro, Lucca Cardoso, 25, e Henrique Prata, 32, estão em uma viagem do Ushuaia, na Argentina, até Prudhoe Bay, no Estado americano do Alasca. O percurso do ponto mais ao sul da América até a extremidade mais ao norte tem cerca de 35 mil km. Mas, em vez de uma longa viagem de avião, os amigos decidiram cruzar todo o continente pedalando.
Há mais de dois meses na estrada, Lucca e Henrique já pedalaram por aproximadamente 2.425 km, sem considerar o trajeto que fizeram a pé, em trilhas. De acordo com eles, já foram mais de 500 km em caminhadas. O objetivo da dupla é chegar até o Alasca em dois anos.
Da Argentina até o Alasca, os amigos devem cruzar pelo menos 16 países. Por enquanto, eles já passaram por dois: Argentina e Chile. “Nós temos um plano de dois anos para a viagem, mas pode ser que se estenda por, pelo menos, três”, afirma Cardoso. “Também vamos ficar alguns dias de folga. Nós nos preparamos para parar alguns dias”, explica Prata.
A dupla pedala cerca de seis horas por dia, quase todos os dias. De acordo com eles, a quilometragem exata varia a cada pedalada. “Alguns dias nós pegamos vento contrário e, nas seis horas, pedalamos uns 40 km. Tem dias que pegamos vento a favor e conseguimos pedalar mais”, explica Lucca. A estimativa que a dupla calcula é de 80 km por dia, a depender do terreno.
O trajeto começou com um voo partindo do Brasil para Buenos Aires, na Argentina. Como o planejado era iniciar a viagem do ponto mais ao sul do continente americano, os amigos precisaram ir até a cidade de Ushuaia. “Tínhamos uma data para começar, por causa das estações do ano nos países que vamos passar”, explica Cardoso.
Após os primeiros dois meses de viagem cruzando a Patagônia entre a Argentina e o Chile, os amigos decidiram ficar mais tempo no lado argentino da região, na cidade de Trevelin. Segundo a dupla, a rota inicial já previa a alternância entre um país e outro, considerando a extensa fronteira dividida pelos países. Mas um outro fator foi determinante para essa decisão: a economia.
“Quando chegamos no Chile e percebemos os valores das coisas lá em comparação com a Argentina, preferimos voltar mais cedo para cá”, afirma Lucca. Como exemplo, o preço médio da gasolina nas cidades visitadas na Argentina era de R$ 1,50, enquanto no Chile, o custo era de R$ 10, de acordo com as compras que os dois fizeram recentemente.
O combustível, apesar de não ser usado nas bicicletas, é crucial. Dentre os equipamentos carregados pela dupla está um minifogão, utilizado para cozinhar na estrada. A maior parte do tempo, os amigos realizam suas refeições na rua, com alimentos de fácil preparo, como macarrão e alguns enlatados. “Aqui na Argentina a gente até consegue ir em restaurante, comer pf [prato comercial] de vez em quando”, conta Henrique.
Assim como a alimentação, os amigos passam a maioria das noites dormindo no meio do caminho. “A gente dorme em praticamente qualquer lugar, já dormimos em casa abandonada, já pedimos para dormir no quintal das pessoas, na rua…”, explica. De acordo com os amigos, a viagem também tem contado com a solidariedade de outros viajantes e moradores.
“Nós também chegamos nos locais contando que não temos lugar para ficar e as pessoas acabam abrindo suas casas para nós dois”, conta Lucca. Mais de uma vez, os amigos já puderam dormir em casas de moradores locais. Nesses momentos de pausa, os amigos aproveitam para conhecer a cidade, cuidar da manutenção das bicicletas e criar vínculos para além da dupla.
Lucca e Henrique se conheceram ainda na faculdade, em São Carlos (SP). Cardoso estudou Engenharia Civil, enquanto Prata já estava na graduação em Arquitetura. A amizade começou na república em que moravam, onde dividiam a moradia e o interesse por bicicleta. “Vi que o Luca tinha uma bicicleta e eu já pedalava, então nos aproximamos”, comenta Henrique.
A primeira viagem de bicicletas dos amigos aconteceu em 2019. Os dois cruzaram a divisa entre o Brasil e Uruguai até a fronteira do Brasil com a Argentina de bicicleta, do Chuy até Colônia do Sacramento, cerca de 800 km. “A gente passou seis meses planejando e quando terminou ficou esse gostinho de quero mais”, explica Lucca.
“Eu também sempre tive esse sonho de ir até o Deserto de Atacama [Chile] e o Lucca queria ir para o Torres del Paine [Uruguai]”, conta Henrique. Por causa disso, o plano original era conhecer somente a América do Sul, uma viagem que duraria entre seis meses e um ano. “A gente acabou encontrando uma bicicleta muito boa por menos da metade do preço e essa bicicleta foi feita para dar a volta no mundo, então a gente pensou que a viagem precisava ser maior para compensar”, brinca.
Para que a viagem da Argentina até o Alasca pudesse acontecer, os amigos se planejaram por três anos. Nesse período, cada um precisou fazer uma série de escolhas em prol da viagem. “Voltamos a morar com nossos pais para não pagar aluguel. Eu fazia uns quatro bicos em uma época, trabalhando de segunda a sábado, também”, conta Henrique.
Há dois meses na estrada, Lucca brinca: “Não deu tempo de dar saudade.” Para o arquiteto, a relação com a família parece estar ainda mais próxima, apesar da distância física. “Eles estão tendo mais noticia da minha vida [agora] do que antes, porque é muito diferente da rotina de se ver todo dia”, explica.
“Nós planejamos, no máximo, dois dias para frente e, por isso, a gente vive muito o dia-a-dia. Ficamos muito focados no presente, não temos muito tempo para ficar pensando no passado e no futuro”, conta Henrique.
Para ele, a viagem é mais do que uma rota de uma ponta a outra, mas também o modo como ele tem vivido. “Estamos vivendo meio nômade. A nossa casa inteira está aqui”, afirma Henrique. Para ele, as viagens sempre fizeram parte de sua vida e o contato com os familiares costuma funcionar bem.
“Minha mãe e meu irmão estão vendo de nos encontrar, também tenho outro irmão que quer conhecer a Bolívia”, explica. Essa é a primeira visita que os dois devem receber desde que iniciaram a viagem. Para chegar lá a tempo, eles precisam pedalar mais ou menos dois mil km em menos de um mês.
Com o decorrer da viagem, os amigos também descobriram paisagens e locais fora da rota tradicional de turismo. “Estamos conhecendo lugares que eu achei que só existia na Europa e tem aqui, na América Latina”, conta um deles.
Um dos objetivos da viagem também é inspirar e motivar outras pessoas a viajarem mais. Toda a aventura é documentada pelos amigos e publicada no perfil @hermanosporlasamericas, no Instagram.