Mariana Novaski, coordenadora de dados da Iniciativa Bloomberg São Paulo, abriu a discussão lembrando que, segundo o Datasus, 34.881 pessoas morreram no trânsito em 2023
Como as novas tecnologias de coleta e processamento de dados podem contribuir para reduzir o número de mortes e lesões e fortalecer a segurança no trânsito foi o tema de um dos painéis do Andtech – Tecnologias que conectam. O evento organizado pela Associação Nacional dos Detrans começou nesta quarta-feira, 4, em São Paulo, e contou com a presença de representantes dos departamentos de trânsito de todo o País.
O painel “Uso de Dados e Tecnologia na Segurança Viária” teve presença do secretário nacional da Secretaria Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão; da coordenadora de dados e vigilância da Iniciativa Bloomberg São Paulo, Mariana Novaski, do CEO da ONSV, Paulo Guimarães e do diretor de vendas da Palantir, Henrique Meinking. A mediação ficou a cargo da diretora de segurança viária do Detran-SP, Roberta Mantovani.
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A coordenadora de dados da Iniciativa Bloomberg São Paulo, Mariana Novaski, abriu a discussão lembrando que, segundo o Datasus, 34.881 pessoas morreram no trânsito em 2023, um aumento de 2,91% em relação ao ano anterior. Ela destacou que apesar de uma série de iniciativas que existem no País, estamos longe da meta estabelecida na Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS, que é de chegar a uma redução de 50% nos óbitos até 2030.
O que é o pior, os aumentos recentes se dão em um momento em que há tecnologia, inteligência e inovação suficientes para reduzir esses números. “São vidas perdidas à toa”, disse Novaski, nesse sentido. Essa evolução da capacidade de prever onde estão os fatores de risco e intervir para salvar vidas tem crescido rapidamente nos últimos anos, o que não passou despercebido por algumas cidades.
Nova Iorque é um dos maiores exemplos de bons resultados na melhoria da segurança viária, segundo a coordenadora da Iniciativa Bloomberg São Paulo. Outro é Fortaleza. “É um exemplo internacional de caso de sucesso, com redução de mais de 50% no número de mortes entre 2014 e 2023, indo de 377 mortes anuais para 157”, ressaltou.
Isso só foi possível trabalhando com dados confiáveis e evidências. “Sem achismo e independente da boa vontade”, reforçou, assim, a coordenadora. As principais estatísticas de morte no trânsito são previsíveis. Mas identificar esses locais nem sempre é simples. É preciso direcionar os recursos públicos para que existam dados que baseiem a tomada de decisões. “Com dados ruins, as decisões serão ruins”, concluiu Novaski.
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Para o secretário da Secretaria Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, a integração das novas tecnologias nos Detrans é diferente em cada um dos 27 entes federativos. Isso torna um desafio a desburocratização de processos corriqueiros, como a compra e venda de veículos. Ele criticou o excesso de burocracia para que o comprador coloque o veículo no seu nome e afirmou que vai promover uma “mudança radical na transferência, mantendo toda a segurança para que a pessoa saia [da concessionária] com a transferência feita”.
Outra de suas prioridades, nesse sentido, é a simplificação dos formulários de envio de dados ao Registro Nacional de Estatística e Sinistros de Trânsito (Renaest). “Hoje, o Renaest depende totalmente dos Detrans, que já estão tão atarefados, para coletar e preencher formulários detalhadíssimos”, disse o secretário.
Um novo modelo está sendo testado na Bahia, segundo Catão. “Nós inserimos no App Senatran, que é usado pelos agentes de trânsito, bombeiros e policiais militares, inserimos um formulário de sinistro simplificado. Para que o agente não perca tempo numa ocorrência coletando dados de sinistro, ele vai tirar uma foto e a foto vai puxar tudo. Geolocalização, placa, qual é o veículo”, afirma. “Só vai faltar o CPF da vítima”.
Com cruzamento de outras bases de dados, será possível, assim, incluir automaticamente os dados de condições meteorológicas do local na hora do acidente, as condições de conservação da via, detalhes sobre o condutor, etc. “Isso vai tirar um peso muito grande dos Detrans”, afirmou. A previsão é que a partir de setembro deste ano a função esteja disponível em todo o País, o que exigirá mudanças na resolução que regula o Renaest.
O CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), Paulo Guimarães, ressaltou que os desafios atuais exigem união entre poder público, iniciativa privada e da sociedade civil. “Nessa engrenagem de inovação e tecnologia, o poder público tem o papel de concentrar a regulação e o direcionamento que a gente dá para esses serviços de dados, interpretações e fazer a entrega final da política pública”, disse.
Por sua vez, a iniciativa privada tem uma capacidade “gigantesca” de inovação, e essa velocidade de trazer soluções é indispensável. Ele citou, nesse sentido, a experiência de São José dos Campos, onde uma parceria entre plataforma Google e a prefeitura permitiu integrar o sistema de inteligência semafórica da prefeitura aos dados do Google Maps. “Isso gerou uma grande economia, porque a gente economizou a implantação de sensores físicos na rua e conseguiu trazer uma inteligência artificial para todo o sistema semafórico”.
A sociedade civil tem um papel importante contribuindo com estudos sobre segurança viária, segundo Guimarães. É, assim, o que faz a ONSV, explica Guimarães. Um dos exemplos é o estudo que construiu um modelo preditivo para antecipar resultados do Datasus. “Chegamos ao número de 34.633 [óbitos em 2023], muito próximo do que foi o consolidado. A gente rodou o modelo para 2024 e ele trouxe uma má notícia. Muito provavelmente a gente feche o ano de 2024 com entre 38 e 39 mil mortos, consolidando uma tendência de crescimento”, alertou.
O desafio de como construir bases de dados confiáveis foi discutido pelo diretor da Palantir, Henrique Meinking. A empresa de tecnologia da informação foi criada nos Estados Unidos para atender demandas de segurança após os ataques de 11 de setembro de 2001. No Brasil, ela atua reunindo dados de mais de duas centenas de bases sobre segurança viária, atendendo órgãos públicos. Seu lema é AI-powered automation for every decision (automação baseada em IA para todas decisões, em tradução livre).
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Para Meinking, o desenvolvimento dos modelos de linguagem (LLMs) está mudando a forma como lidamos com os dados. Nesse sentido, é preciso ir além da simples tomada de decisões com base em dados. O futuro é registrar quais decisões estão sendo tomadas, alimentando sistemas de linguagem capazes de aprender com isso, analisar resultados e automatizar processos.