‘As cidades não estão preparadas para as mudanças climáticas’, diz especialista

Ponto de alagamento na rua Marajás no bairro de Beberibe, zona norte do Recife (PE) em razão da forte chuva que atingiu a cidade no dia 25 de maio. Foto: RAFAEL VIEIRA/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO
Estadão Conteúdo
07/06/2022 - Tempo de leitura: 3 minutos, 36 segundos

O Brasil teve pelo menos 507 mortes por temporais desde o fim de 2021 — dessas, a Grande Recife registrou ao menos 100 nos últimos dias. As chuvas fortes têm afetado principalmente a região metropolitana do Recife, a Zona da Mata pernambucana e Alagoas, além da região serrana do Rio de Janeiro.

O prefeito do Recife, João Campos (PSB), classificou os estragos como tragédia sem precedentes e suspendeu as festas juninas para direcionar a verba de R$ 15 milhões do evento para os desabrigados. Em várias áreas atingidas, moradores têm atuado no resgate, ajudando os bombeiros, a Defesa Civil e o Exército.

Trata-se do período de chuvas com mais casos fatais desde 2011, quando deslizamentos de terra fizeram 918 vítimas no Rio. O balanço é do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e foi divulgado no dia 31 de maio.

ALERTA PERMANENTE

Em 2022, além do fenômeno climático La Niña, são esperados mais eventos extremos causados pelo aquecimento global. O planeta vive uma emergência climática e os especialistas afirmam que as cidades brasileiras não estão preparadas para a intensidade desses acontecimentos. A falta de estrutura urbana e o déficit habitacional, que levam os mais pobres a ocupar áreas de risco, como encostas e beiras de córregos, faz com que essas populações fiquem extremamente vulneráveis.

Para a meteorologista Ana Maria de Ávila, da Unicamp, as chuvas no Nordeste estão na época normal, mas em volume atípico. “Tivemos também uma frente fria com grande massa de ar polar que passou pelo Sudeste e teve trajetória que acabou se estendendo até o Nordeste”, explica. O que se vê este ano no Nordeste não pode ser diretamente colocado na conta do aquecimento global, diz Tércio Ambrizzi, professor de Ciências Atmosféricas da USP. A sequência de eventos extremos, sim. “Da década de 1990 em diante, quando o aquecimento se tornou mais evidente, esses casos passaram a ser mais frequentes”, afirma. “Já aconteceram em outros lugares do País neste ano e as cidades não estão preparadas para as mudanças climáticas. Não é só o Recife.”

Rastros de destruição e perdas em Pernambuco — Asylan da Costa, que vive há 30 anos na Vila dos Milagres, zona sul do Recife, a movimentação da comunidade para resgatar soterrados salvou a vida de pelo menos três pessoas. “Nossa comunidade é conhecida como Buracão, porque é cercada por barrancos, e por ela passa um canal. Foi muita água. O primeiro desabamento aconteceu por volta das 5h do sábado [28 de maio] e, às 8h, caíram as outras duas barreiras, soterrando oito casas. Retiramos uma mulher com vida logo, depois o esposo dela, já em óbito. E continuamos buscando.” A lama e o entulho dificultavam os trabalhos.

O auxiliar de carga Wagner Batista, a mulher e a sogra precisaram sair às pressas da casa na Iputinga, quando as águas invadiram o imóvel, chegando a uma altura de 1,9 metro. Ele morava de aluguel e estava no imóvel havia quatro meses. “Perdi tudo: meus eletrodomésticos, dinheiro, móveis. É muito difícil a situação em que nos encontramos”, lamentou. A administração recifense oferece 41 abrigos em escolas, creches, centros sociais e parcerias com a sociedade civil, além de 23 pontos oficiais de coleta de donativos. A prefeitura afirma ainda que tem investido R$ 148 milhões na Ação Inverno, o que representaria um crescimento de cerca de 50% em relação ao ano passado.

E quem sofreu com as chuvas no fim do ano passado no Nordeste ainda espera solução definitiva. É o caso da diarista Rosana Silva, de 33 anos, que viu a água levar tudo na semana do Natal em Itacaré, no sul baiano. “Não sobrou nada, ficamos com a roupa do corpo.” O Estado teve temporais atípicos entre dezembro e janeiro, que causaram 28 óbitos. Na época, o governo estadual disse que foi “o maior desastre natural da história da Bahia”. Ela e os filhos moram em um imóvel pago pelo município enquanto esperam uma das casas que estão sendo erguidas pela prefeitura. Ela conta com a ajuda de doações. “Cada um dá alguma coisa e a gente vai refazendo a vida.”