‘As pessoas não estão preparadas para uma mulher negra falando de moda sustentável’

Larissa Ramos, do Brechó do Barulho. FOTO: DIVULGAÇÃO

13/12/2022 - Tempo de leitura: 8 minutos, 14 segundos

Larissa Ramos é a filha caçula de uma família de cinco irmãos. Nascida e criada nas periferias de São Paulo, ela detestava herdar as roupas usadas da irmã, das tias, das vizinhas e de todo mundo que tivesse um manequim parecido com o seu. “Eu via isso como sinônimo de pobreza. ‘Como assim eu não tenho dinheiro para comprar roupa? Eu quero uma roupa nova’ – aquilo do consumismo que te cega demais”, recorda. Mesmo incomodada, a menina criava os próprios looks. Teve o gosto pela moda despertado ainda na infância. “Eu sempre gostei muito de desenhar, eu fazia várias bonequinhas e diversas roupas para elas, várias trocas. Já no período da escola, eu ganhava concurso de desenho e tudo mais”, conta.

Já na adolescência, enquanto trabalhava como operadora de telemarketing, Larissa começou a investir em cursos na área. Formou-se em Desenho Técnico de Moda, mas viu que não era o caminho profissional que queria seguir. Começou então a fazer vários cursinhos gratuitos que rolavam na quebrada, como modelagem e corte e costura. “Depois de muito tempo eu conheci os bazares e os brechós, o que foi incrível para mim. Era um tempo que eu curtia muito funk e queria muito usar roupa de marca. Só que o meu salário só dava para comprar uma sandália. Tinha vezes em que eu recebia e só conseguia comprar um vestido e isso é absurdo. É muito caro”, desabafa.

Foi então que Larissa teve acesso a brechós e bazares que vendiam roupas de marca por um preço abaixo do mercado e dentro do seu orçamento. “A minha primeira compra foi um macacão da WH, que eu comprei e fui para o baile. Arrasei”, lembra. “Todo mundo perguntou ‘nossa, quanto você pagou?’, porque era uma roupa extremamente cara. Esse foi o meu despertar pelo garimpo, pela sustentabilidade e para comprar roupas que já existem.”

Hoje, aos 26 anos, a visão de Larissa sobre a reutilização das roupas é outra. Sua perspectiva mudou a partir desse momento em que começou a ver a qualidade das peças, o valor e como uma roupa que já existe tem o mesmo potencial de algo comprado no shopping. “Eu dou até risada. Uma coisa que começou por necessidade hoje em dia é o meu trabalho, a minha vivência e o que eu levo adiante”.

No mundo dos brechós, o termo “garimpo” é utilizado para designar a atividade de buscar e selecionar peças usadas de qualidade e em bom estado. Assim como nos garimpos de pedras preciosas, é possível encontrar verdadeiras preciosidades em meio às diversas roupas disponíveis

Brechó do Barulho — Após a descoberta dos brechós, Larissa começou a acumular roupas que comprava e não usava. Decidiu, então, desapegar. No começo, vendia as peças pelas próprias redes sociais. Com o sucesso do negócio, a recém-empreendedora foi para um evento de vendas e várias pessoas colaram justamente para conferir os seus desapegos. “Fiz metade do meu salário em um dia. Foi aí que eu decidi sair do CLT e começar a trabalhar integralmente com um brechó, num corre independente e me jogar nessa área da moda”, conta.

Larissa então fundou o Brechó do Barulho, intensificou as postagens nas redes sociais do seu negócio e continuou a participar de vários eventos por São Paulo. “O destaque do Brechó do Barulho é a criatividade e a diversidade das peças. Eu também sempre faço promoções de peças por cinco reais tentando trazer uma acessibilidade para todo mundo”, explica.

A empreendedora participa de todos os processos do brechó, desde o garimpo e a higienização das peças, até a produção das fotos, a divulgação, a venda e o envio dos produtos. “Na parte da higienização é onde eu tenho ajuda da minha mãe porque é um número muito grande de roupas e eu prezo por fazer toda a higienização da peça de uma forma natural. E aí é um longo processo, bem mais cansativo”, conta.

Com quase 20 mil seguidores no Instagram, além das vendas online pelas redes sociais e por outros canais de vendas, o Brechó do Barulho funciona em um espaço físico e atende com hora marcada em uma das lajes da Vila Isolina Mazzei, bairro do distrito da Vila Guilherme, na zona norte de São Paulo.

No TikTok – “Salve, mores”. É assim que Larissa recepciona seu público em cada vídeo no Tik Tok, conta em que acumula mais de 250 mil seguidores. Além de conteúdos como arrume-se comigo, aplicação de laces e produção de looks, o Brechó do Barulho também tem seu espaço na programação. “Eu faço vídeos fechando os pedidos para as minhas clientes porque elas gostam muito”, conta.

A rede tem trazido um grande alcance para a empreendedora desde 2021 e ela tem conseguido ganhar dinheiro também com a internet. “Antes eu tinha um Android e meu sonho era conseguir comprar um celular com uma câmera de qualidade, comprar um iPhone para conseguir produzir melhor os vídeos. Aí eu fiz uma publi e consegui comprar o meu celular e algumas coisas pra minha casa. Isso já foi muito incrível”, celebra.

Porém, nem tudo são flores quando se trabalha com a internet e Larissa lida com inúmeras críticas, algo que persiste desde o tempo do antigo Orkut. “É pela minha estética, porque eu sou uma mulher negra, tatuada, ando com roupas sensuais e eu sou mãe, por toda a bagagem que eu carrego”, aponta.

Apesar disso, ela acredita que muitas pessoas que a criticam acabam acompanhando o seu trampo e se impactando por ela estar falando de sustentabilidade e consumo consciente. “O TikTok é um lugar que tem muito hate e muitos racistas também. Eu percebo que as pessoas não estão preparadas para ver uma mulher negra falando de moda sustentável. Não é todo mundo que me leva a sério”, desabafa.

Empreendimento materno e periférico — Antes de empreender e trabalhar como produtora de moda, Larissa teve inúmeros empregos. Já fez panfletagem para casa de show, foi atendente de telemarketing, vendeu jornal, foi recepcionista em escolas de informática e de idiomas e até trabalhou na área de marketing de um sex shop. “Esse último foi um trampo que foi o marco assim da minha saída do [modelo] CLT, da minha Independência. Foi o que mais me incentivou a não trabalhar para outra pessoa”, conta.

Enquanto trabalhava no sex shop, Larissa descobriu que estava grávida e passou muito perrengue no emprego. “No final da gestação, eu não conseguia mais sair para trabalhar, aí rolou a minha demissão sem nem ter ido lá e eu deixei acontecer porque o ambiente de trabalho estava me fazendo muito mal. E aí botei a empresa no pau, consegui vencer e ganhei os meus direitos”, lembra.

Com o dinheiro que recebeu do processo, construiu o espaço físico do Brechó do Barulho na laje da casa de sua mãe. “Ter tido a Isis [hoje com 5 anos] e ter começado a empreender com uma bebezinha recém-nascida foi algo que mudou a minha vida completamente. A idade do brechó é o mesmo tempo que eu tenho a Isis basicamente. É super um corre independente incentivado pela maternidade real”.

Larissa conta que teve de lidar e aprender várias coisas novas ao mesmo tempo nesse período. Junto à maternidade, surgiu nela uma vontade de viver, de fazer acontecer e de se movimentar. “A Isis faz basicamente as coisas comigo o tempo todo. Então ela já entende sobre o consumo consciente, a sustentabilidade, sobre o consumo do brechó e tudo mais e ela também pega as referências pretas”, conta orgulhosa.

“Fico muito feliz por ela ser uma menina tão educada, feliz e radiante. Acho que vou na contra a mão do que as pessoas, pela minha estética, acham: que eu sou uma mãe doida e tudo mais. A gente é feliz demais juntas, fazemos vários rolês e coisas super legais. Ela é super descolada, ama uma música já e eu acho isso incrível”, aponta.

Mas morar na quebrada também traz desafios para a maternidade. Larissa mora no Jardim Fontalis, bairro cerca de 6km de distância da Vila Isolina Mazzei, onde fica a sede física do Brechó, e tem de conciliar os horários de estudo da filha com o empreendedorismo.

“Ela tem que ir comigo nos bazares, fazer entrega, ir comigo para o brechó e depois voltar para casa de ônibus. É um trajeto bem cansativo e um busão de basicamente 50 minutos. Eu preciso muito e sempre de uma rede de apoio, que é composta pelas avós dela, para poder me ajudar quando eu tenho algum trabalho ou quando eu preciso viajar e me ausentar por um tempo. Mas é complicado”.

Apesar disso, Larissa acredita que essa convivência com o tema e o dia a dia do Brechó do Barulho faz Isis conhecer outras realidades, ver pessoas com o mesmo cabelo que o dela e o mesmo estilo da mãe e se identificar.

“Tudo que tento passar para ela são referências que estão presentes na vida dela. Eu acho isso muito importante. É algo que eu queria ter tido como educação e ter conhecido desde nova. Então, mostrando tudo isso para a Isis vai ser muito gratificante, eu já vou formar uma mulher incrível, com muitas referências e que vai ter muita noção sobre a vida. Eu espero isso”, conclui.