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Mulheres da periferia ampliam as vozes de escritoras negras

Por: Vanessa Ramos . 12/11/2022

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Na Perifa

Mulheres da periferia ampliam as vozes de escritoras negras

Escritoras refletem sobre a literatura produzida por mulheres negras e periféricas e defendem a importância de feiras, saraus, coletivos  e editoras independentes que, juntos, promovem movimentos políticos e de afeto

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12/11/2022

Por: Vanessa Ramos

A Festa Literária Noroeste (Flino) é uma articulação de bibliotecas, movimentos e agentes culturais de bairros como Perus, Jaraguá, Parada de Taipas, Morro Doce e Pirituba. FOTO: CAROLINE BRANDÃO

A escritora e jornalista Esmeralda Ribeiro, de 64 anos, completa uma trajetória de 40 anos na literatura em 2022. Sua escrita nasceu da dor e do luto vivido pela morte de seu pai. Esmeralda tem uma história marcada pela atuação em movimentos de combate ao racismo e de fomento à cultura literária negra. Além de cofundadora do coletivo de autoras pretas Flores de Baobá, ela é uma das coordenadoras da organização sem fins lucrativos Quilombhoje Literatura, que estimula a leitura e dá visibilidade ao trabalho de escritoras e escritores afrodescendentes. Desde 1999, a autora edita os Cadernos Negros, uma série literária criada há 44 anos e que valoriza a experiência da escrita afro-brasileira.

Desde a década de 1980, Esmeralda escreve sobre diversos temas, sempre provocando reflexões a respeito da literatura produzida por mulheres negras. “Na época em que não havia redes sociais e nem nada, tínhamos poucas notícias de escritoras negras. Eram mais homens negros escrevendo sobre nós, uma terceirização dos nossos sentimentos, das nossas vontades. Só que a gente quer ter voz, não queremos ser silenciadas, queremos falar sobre o que gostamos, sobre os nossos corpos, as nossas vivências e o nosso olhar feminino”, afirma. “O copo está meio cheio, a gente gosta do copo cheio. Muitas mulheres estão escrevendo, temos as meninas do slam. São potentes, fazem contos, poemas, de uma beleza e de uma profundidade. Têm vários saraus e trabalhos que acabam culminando na publicação de livros. As produções existem, mas precisamos ampliar a visibilidade nas bibliotecas, nas escolas, nas secretarias de educação.”

Esmeralda defende maior divulgação nos espaços públicos de uma literatura periférica com recorte de gênero e raça. Uma escrita que, a partir do olhar e das vivências da quebrada, promove reflexões universais. “A escrita te faz refletir um monte de coisas e também questionar onde você está, o governo, por que não melhora o transporte público, por que não tem mais equipamentos culturais. Mas vai para além disso. A escrita é universal, transforma vidas, fala de amor, de terra, de moradia, de relacionamentos”, ressalta a autora, ao lembrar que a literatura atravessa muros e fronteiras.

A escritora e jornalista Esmeralda Ribeiro, homenageada deste ano na Flino, é cofundadora do coletivo de autoras pretas Flores de Baobá e uma das coordenadoras da organização sem fins lucrativos Quilombhoje Literatura, que estimula a leitura e dá visibilidade ao trabalho de escritoras e escritores afrodescendentes. Desde 1999, a autora edita os Cadernos Negros, uma série literária criada há 44 anos e que valoriza a experiência da escrita afro-brasileira. FOTO: CAROLINE BRANDÃO

Mulheres e palavras — A própria Esmeralda é inspiração para muitas escritoras de várias gerações. Não por acaso ela é a autora homenageada  na terceira edição da Festa Literária Noroeste (Flino), que termina no próximo domingo, dia 13 de novembro, e ocorre em vários endereços da região noroeste da capital paulista. Neste 2022, o tema é “Mulher: Palavras Periferias”. O evento é uma articulação de bibliotecas, movimentos e agentes culturais de bairros como Perus, Jaraguá, Parada de Taipas, Morro Doce e Pirituba.

“Em 2020 realizamos a festa online, por conta da pandemia, foi um super desafio. Em 2021, fizemos um esquema híbrido. Com as coisas melhorando um pouco, ainda com desafios, estamos realizando a primeira festa presencial e, para a nossa surpresa, batemos o recorde de 221 inscrições”, detalha a jornalista Jéssica Moreira, uma das organizadoras.

Autora de Vão: Trens, Marretas e Outras Histórias (2021) e Chão Vermelho (2021), entre outros livros, Jéssica fala da importância de celebrar escritoras em vida. “Vemos hoje Maria Firmina dos Reis [1822-1917] sendo homenageada tardiamente, entre outras mulheres, mas vejo nos últimos anos uma expansão da produção feita por mulheres negras e periféricas, muito puxada por coletividades como o Sarau das Pretas e o Slam das Minas”, pontua. Para Jéssica, é importante reconhecer, ainda, o papel das editoras independentes, além de trabalhos promovidos de forma autônoma por mulheres que tiveram que encontrar caminhos para visibilizar suas obras.

Esmeralda, Jéssica e outras participantes da Flino trazem em sua arte reflexões de seu tempo, o tom de denúncia e a construção de uma literatura alinhada à realidade político-social brasileira. Elas também promovem afeto em encontros que unem gerações. Um “quilombo literário”, como Esmeralda gosta de chamar.

Poeta, slammer, MC e pessoa com deficiência, Milca Samara, conhecida pelo nome artístico ‘Aflordescendente’, também entende festas literárias como atos políticos e afetivos. Moradora do Jardim Zaíra 4, em Mauá (SP), Flor Descendente fala sobre como o racismo e a discriminação na sociedade brasileira afetam a sua produção literária. “São questões que me atravessam o tempo todo. Sinto falta de escrever só sobre amor, por exemplo. Sobre esperança de um futuro, sobre coisas simples do dia a dia. Mas não há como fugir desses atravessamentos”, diz.

Sabedoria vinda das matriarcas
sou de periferia sei pisar em qualquer estrada.
Mãe dizia: não se meta em fita errada. Sobreviva à elite e volte viva pra quebrada…
(Trecho de poema da slammer Aflordescendente)

Para Ave Terrena, mulher trans, dramaturga, poeta e diretora teatral, a arte é lugar de encontros e encruzilhadas. “Esses lugares de encontro trazem à tona visões de mundo e vozes que ficaram abafadas por muito tempo. A poesia tem esse poder, como quando narro minhas experiências como mulher e travesti. Essas periferias que são geográficas, mas também são centros em si, compõem todas essas histórias. Quando narro em primeira pessoa, por exemplo, movo estruturas e inauguro espaços. São lugares artísticos, políticos e pedagógicos.”


Veja também:

A programação da Flino para sábado e domingo, os dois últimos dias do evento 

12 de novembro (sábado)

10h | Oficina Poesia na lata | Local: Biblioteca Pública Municipal Brito Broca
10h | Contação de histórias: A Vida de Esmeralda Ribeiro e A Esmeralda que Habita em Cada um de Nós | Local: Biblioteca Pública Municipal Érico Veríssimo
10h | Oficina Baque das Manas pras Minas, Manas e Monas | Local: Espaço Cultural Morro Doce
14h | Lançamento de Livro Erineide Oliveira e Sonia Bischain | Local: Biblioteca Pública Municipal Brito Broca
14h | Oficina Cadernos para Esmeralda | Local: Espaço Cultural Morro Doce
20h | Sarau da Brasa | Local: Samba do Congo
21h | Luiza Akimoto | Local: Samba do Congo
Noite toda | Feira de Livros | Local: Samba do Congo

13 de novembro (domingo)

Dia todo | Feira de Livros | Local: Ocupação Artística Canhoba
16h | Teatro e Dança em A Dita Consequência a Duras Penas de Ontem e Hoje | Local: Ocupação Artística Canhoba
17h | Lançamento do Livro Dramaturgias I — Grupo Pandora de Teatro
17h | Lançamento do Livro  Vão de Jessica Moreira | Local: Ocupação Artística Canhoba
18h | Show Ladies Sing The Blues | Local: Ocupação Artística Canhoba
20h | Show Indaíz | Local: Ocupação Artística Canhoba


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