Mulheres motoristas de aplicativo falam dos prejuízos com a alta na gasolina

Motoristas de aplicativo precisam trabalhar por mais tempo para conseguir pagar contas. Foto ilustrativa: Getty Images

13/04/2022 - Tempo de leitura: 5 minutos, 16 segundos

No dia 8 de março, Lilian Cristina, motorista de aplicativo, abasteceu o carro por R$ 5,74 o litro da gasolina e trabalhou por dois dias. Dia 10 era seu rodízio, então ficou em casa. Na sexta, 11, chegou ao mesmo posto de gasolina e tomou um susto: o valor havia aumentado para R$ 6,49.

Lilian trabalha há cinco anos como motorista de aplicativo e mora no Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo. Ela é presidente da Associação de Mulheres Motoristas de Aplicativos (Amma), criada por mulheres em busca de melhores condições de trabalho.

Colega de Lilian e vice-presidente da Amma, Ana Paula Aparecida faz transporte por aplicativo há seis anos . Moradora de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, ela acrescenta às preocupações com a alta nos combustíveis o efeito cascata nos preços de itens da cesta básica. “O básico tá difícil”, salienta.

Desde 11 de março está em vigor mais um aumento de preço na gasolina e diesel. Em comunicado publicado no dia anterior pela Petrobras, a estatal anunciou o reajuste de 18,8% no valor da gasolina para as distribuidoras e de 24,9% no diesel. O botijão de gás também está mais caro: subiu 16,1%. Em 2021, a gasolina acumulou alta de 47,49%, segundo o IBGE

Mônica Costa, educadora financeira, reforça a fala de Ana Paula. “A alta dos combustíveis traz um impacto direto sobre os itens de consumo da população mais pobre, porque a gente vive em um país onde os alimentos são levados de um estado para outro por vias rodoviárias. Então, sempre que há um aumento no diesel, há um aumento no frete, que impacta diretamente sobre o aumento da cesta básica”, explica a fundadora da G&P Finanças, empresa de educação financeira para mulheres negras.

‘Eu até queria parar, mas não posso’

Por causa dos aumentos muitos motoristas de aplicativo estão deixando de atuar na profissão e devolvendo carros alugados para as empresas. “Não tá valendo a pena”, afirma Ana Paula. Apesar disso, ela continua trabalhando no ramo por falta de opção. “Eu até queria parar, mas não posso. Tenho dois filhos para sustentar, sou divorciada.”

Quando conversou com o Nós para esta reportagem, no dia 18 de março, a motorista contou que sua semana estava “negativa”: teve gastos fora do esperado na manutenção do veículo e o que sobrou não daria para fechar o mês. “O boleto [do financiamento do carro] vai vencer dia 20 e eu não tenho nem a metade do valor”, diz Ana Paula. Ela faz o horário das 20h às 8h durante a semana e, por dia, gasta cerca de R$ 100 com gasolina.

Lilian, que divide as contas da casa com sua namorada, usa carro alugado e em seis meses a mensalidade aumentou cinco vezes. Está em R$ 119. Todos os dias ela sai de casa às 4h30, e fica de 8 a 10 horas na rua. Ou mais. Embora tivesse uma regra autoimposta de parar o serviço no máximo quatro da tarde, tem sido obrigada a esticar, ou a conta não fecha. Ela também trabalha sábados e domingos durante a noite e na madrugada. Por semana, gasta de R$ 600 a R$ 700 em combustível.

‘É fumaça nos olhos da população’

O valor que foi aprovado pelo Senado para um auxílio combustível não duraria nem uma semana para essas duas motoristas. O PL (Projeto de Lei) 1472/202, que está em discussão na Câmara dos Deputados define pagamento de R$ 300 mensais para motoristas autônomos de baixa renda. O projeto também define regras para estabilização do preço da gasolina. Em outra medida, o presidente Jair Bolsonaro sancionou lei complementar que cria alíquota única do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias  (ICMS) de combustíveis para todos os estados. No dia 22 de março, os governadores anunciaram o congelamento do ICMS da gasolina até junho.

Para a educadora financeira Mônica Costa, o auxílio combustível é “mais uma forma de jogar fumaça nos olhos da população, mas que não resolve efetivamente”. A solução, segundo ela, estaria numa política de redução de preço da gasolina e no fim da especulação do mercado financeiro, onde investidores apostam na falta ou na sobra de combustíveis, a partir do cenário global. “A especulação de que vai faltar e justificar o aumento é sempre muito mais forte do que a especulação de que vai sobrar”, afirma Mônica. Ela acrescenta que a guerra na Ucrânia ainda deve trazer novas pressões para a população mais pobre e para as mulheres da periferia, mais especificamente, “porque a gente está falando de um grupo cujo salário é destinado para compra de consumo”.

A motorista Ana Paula afirma que está pagando uma conta por vez, quando consegue juntar a grana. “Não dá mais pra fazer mercado, então eu vou fazer fracionado, hoje eu compro arroz, amanhã eu compro feijão. Eu to fracionando para conseguir sobreviver, eu tô sobrevivendo, essa é a verdade”, lamenta.

App de mobilidade

Para diminuir os impactos gerados nos ganhos dos motoristas parceiros, desde 23 de março o aplicativo da 99 — empresa de tecnologia ligada à mobilidade urbana e à conveniência — disponibiliza um auxílio para quem dirige pela plataforma. Ele aumenta sempre que a gasolina sobe e vale para os 1.600 municípios brasileiros onde a companhia opera.

Esse valor visa garantir um adicional para assegurar repasses justos de acordo com as flutuações no preço da gasolina, o combustível que sofreu maior alta. Todos os parceiros se beneficiarão com a medida, mesmo os que usem álcool, diesel e gás natural veicular (GNV).

Com isso, a empresa vai somar R$ 0,10 por quilômetro rodado para cada R$ 1 de aumento da gasolina, superando o aumento do gasto com o combustível. Em São Paulo, por exemplo, em uma corrida de 12 km, que gasta 1 litro de gasolina em média para um carro popular, o reajuste será de R$ 2,04. É um valor maior do que os R$ 1,65 que o motorista paga hoje pelo combustível.