A cidade é Mauá; o bairro, Jardim Estrela. Todos os dias, a operadora de cobrança Ingrid Siqueira acorda às 4h30 e começa uma viagem que vai dar na Lapa, zona oeste da capital paulista, onde trabalha. Para conseguir chegar às 7h, precisa sair de casa às 5h.
A rotina de Ingrid é parecida com a de muitas moradoras e muitos moradores do grande ABC, região metropolitana de São Paulo que abrange (nas iniciais) as cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, mas inclui também Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Ao todo são quase 3 milhões de habitantes. Segundo dados da CPTM, na linha 10 — Turquesa, principal acesso da região à capital paulista, embarcaram nas estações, em janeiro de 2022, mais de 2 milhões de pessoas.
Lazer e trabalho — A estudante de costura Alcácia Souza, moradora do Jardim Inamar, na periferia de Diadema, vai à cidade de São Paulo com frequência. Quando escolhe a opção mais rápida, diz levar 1h30 até o destino favorito, o Parque Ibirapuera. E o transporte demora a chegar. Alcácia afirma, ainda, que a vida profissional de quem vive na periferia tende a ser prejudicada por causa das distâncias e do vaivém complicado. “Muitas vagas já até especificam que tem que morar em ‘certo lugar’, geralmente é zona leste, zona norte [da capital]”, conta.
Ingrid Silva, colega de profissão da operadora de cobrança Ingrid Siqueira, acrescenta: o desgaste nos trajetos é tão grande que ela já chega ao trabalho na Lapa muito cansada. Além disso, a infraestrutura da CPTM é ruim. “Há três meses fiquei presa na via, vim andando de Santo André até Mauá pela linha de trem porque estava alagado”, comenta. “A linha que liga o ABC à capital paulista tem muita incidência de alagamentos, fazendo com que os trens parem de circular.”
Em 2022, pelo menos quatro paralisações foram registradas, restringindo a mobilidade da população da região. Muitos desses problemas poderiam ser minimizados ou resolvidos se a linha 20 — Rosa do Metrô saísse do papel. Ela ligaria a Lapa ao ABC.
Desenvolvimento urbano — Para Cristina Albuquerque, gerente de mobilidade urbana do instituto de pesquisa WRI Brasil, uma integração modal eficiente de todo o sistema de transporte melhoraria a vida de quem está longe do centro. “São diferentes atores, cada um responsável por uma parte dessa rede, o que gera mais desafios para os passageiros, políticas diferentes para cada uma dessas redes, cartão diferente, tarifas diferentes”, diz Cristina.
O papel do sistema de transporte coletivo das cidades é permitir que as pessoas se desloquem e tenham acesso a tudo que precisam — serviços, trabalho e lazer; saúde e educação. Ao mesmo tempo, são importantes as políticas de desenvolvimento urbano regional que criem outros centros e melhoram a qualidade de vida. “Mais centralidades e diferentes áreas das cidades que atraiam as pessoas [e ofereçam] oportunidades de trabalho e lazer diminuem a intensidade de deslocamento para uma área especifica”, afirma Cristina. “As pessoas das regiões metropolitanas teriam emprego, lazer, hospitais e educação perto das suas moradias.”
Tarifa menor para distância maior — A especialista em mobilidade reflete ainda sobre a política de tarifa única. Cristina defende que ela seja repensada priorizando quem vive afastado dos serviços. “Passageiros que moram mais longe, pessoas com menor poder aquisitivo, deveriam pagar a mesma tarifa para viajar distâncias maiores e alcançar o centro da cidade”, sugere.