Olá! Aqui quem fala é a Bianca Pedrina. Mas, para você que ainda não me conhece, vamos de apresentação. Tenho 37 anos e sou gestora, junto a outras seis mulheres, do veículo de comunicação Nós, mulheres da periferia. Estarei por aqui para dividir com vocês reflexões e histórias que passam pela minha vivência que também pode ser sua. Boa leitura
Bianca Pedrina é jornalista, cofundadora e gestora do coletivo Nós, mulheres da periferia
Eu, Bia (já somos íntimos), vivi e cresci em Taipas, periferia da zona noroeste de São Paulo. Ser deste lugar deu ao meu corpo e à minha mente uma certeza: pobre é pobre em qualquer lugar. Hoje, sou da periferia, mesmo acessando espaços de privilégio, porque ser é diferente de estar.
Ensino superior e morar perto do centro me dão a sensação estar mais próxima de direitos, infelizmente, ainda restritos para moradores que vivem em bairros afastados. Digo sensação, porque é como se eu vivesse um não lugar. “Esse espaço não lhe pertence. Você não merece ganhar dinheiro”, porque, na curva da vida, quem não tem pai rico para bancar será destinado à escassez.
Reconheço a abundância de muitas coisas na periferia, a exemplo de viver em comunidade — um dos elementos mais ricos que posso listar — e fazer acontecer com pouco (o famoso se virar nos 30). Mas não vou romantizar a falta de estrutura e de direitos básicos, que ainda são desafios diários dessa localidade.
A sombra da escassez sempre anda comigo e alterna com a culpa de conseguir pagar as contas (se seus boletos estão em dia, o aluguel está pago e você consegue fazer uma compra, é considerada privilegiada, sim). Ser pobre com consciência de classe é sentir culpa por ganhar dinheiro. E não estou falando aqui de grana sobrando, estou falando de um orçamento que te possibilita viver, mas que nem todo mundo acessa.
Ser pobre com consciência de classe é sentir culpa por ganhar dinheiro. E não estou falando aqui de grana sobrando, estou falando de um orçamento que te possibilita viver, mas que nem todo mundo acessa
Fazer essa travessia é passar por dilemas, tendo a cabeça de quem sabe o que é ficar duas horas no busão para chegar ao trabalho, pegar trem lotado na baldeação, chegar tarde da noite em sua casa — que serve mesmo só para dormir — em ruas pouco iluminadas e por aí vai…
Acessar esses espaços considerados de poder, para quem é periférica, é sempre uma briga interna com a síndrome da impostora (“eu não sou merecedora disso”) e com a autossabotagem (agir contra mim mesma).
Fazer essa travessia não tirou de mim um estado de permanência nessas raízes que constituíram grande parte da minha vida. Faz três anos que mudei para um bairro mais próximo ao centro. A culpa de estar nesse local arborizado, com praças e acessos melhores, não apaga os mais de 30 anos que vivi em localidades mais afastadas, onde só o terreno baldio e os campinhos de futebol improvisados ganham tons de lazer.
É óbvio que não morar mais em Taipas me tirou uma vivência importante (não serei hipócrita), mas o sair não me tira o ser uma mulher da periferia que transita. O ser uma mulher periférica que quer alcançar outros espaços e levar consigo toda essa potência que o viver na periferia me trouxe.
Mas, além da potência, as fragilidades vêm junto. Se você nasceu na periferia, é porque um sistema te colocou ali. E se você está ali, é porque não é merecedor de direitos. E esse sistema continua operando para que esse lugar continue bem longe de quem tem poder. Empurrou o pobre para a periferia, mas fez da gente um corpo-espaço que nos acompanha para onde quer que estejamos.
Eu viro a chave quando reconheço também a potência desse espaço ocupado por gente que, mesmo diante das adversidades e das poucas opções, busca sobrevivência. Essa é a marca da minha trajetória: sobreviver.
Todos os dias, novamente, atravessamos essas barreiras objetivas e subjetivas, para fazer o jornalismo que acreditamos, que passa também por acreditar em nós mesmas, no Nós, mulheres da periferia. Falamos de gênero, raça e território porque consideramos que essas intersecções, por vezes ignoradas por veículos da grande mídia, são fundamentais para as histórias que contamos.
Nós, mulheres da periferia, transitamos e entendemos que esse espaço que carregamos em nosso nome é mais do que geografia, é ser e carregar essa vivência em todos os lugares. É mostrar nosso jeito de ver o mundo.