“A energia mais barata do Brasil é a fotovoltaica”
Enel X amplia sua rede de ‘abastecimento’ de elétricos e mira veículos de carga em 2022
Paulo Maisonnave sempre trabalhou na área de eletricidade. Ele diz que, quando se formou em engenharia elétrica, há pouco mais de 20 anos, não imaginava coisas como carros alimentados por baterias nem geração de energia a partir da captação da luz solar. Agora, o responsável pela área de E-Mobility da Enel X, uma das maiores empresas do setor de eletricidade do mundo, vem atuando fortemente para desenvolver a eletrificação da mobilidade no Brasil.
Sem citar números, o executivo diz que os resultados de 2021 foram impressionantes e que acaba de dobrar as metas para 2022. Ele falou sobre outros assuntos, como tecnologia, na última entrevista da série Estadão Mobilidade Insights.
Como foi 2021 para a área de E-Mobility da Enel X no Brasil?
Paulo Maisonnave: Foi impressionante. A transição energética e a mobilidade elétrica superaram as expectativas dos mais otimistas em termos de mercado, conhecimento, qualidade, avanço da tecnologia, vendas de veículos, carregadores e soluções.
O desenvolvimento tem muito a ver com parcerias, como a que a Enel-X fez com a rede de estacionamentos Estapar. Esse é apenas um dos braços de um dos maiores grupos de energia do mundo que é a Enel. Fazemos a ponte entre a oferta da energia necessária para mover a mobilidade elétrica e quem efetivamente fornece as soluções de mobilidade.
Eu sempre brinco com os clientes e fornecedores que não sei vender carro e patinete. Então, dependo de alguém na ponta que queira usar energia elétrica para se movimentar. As montadoras, por exemplo, são grandes parceiras e a gente fica muito feliz por elas estarem olhando para mobilidade elétrica e fazendo essa transição de forma cada vez mais rápida.
O Brasil é um grande mercado e as fabricantes estão trazendo cada vez mais veículos para cá. Há parcerias também com seguradoras, locadoras de veículos e concessionárias e importadoras. E também com postos de combustível, que estão passando a oferecer carregadores de veículos elétricos. É uma área muito integrada. Se você não vender carregador, não vende carro e vice-versa.
Inicialmente, a demanda maior está concentrada nas grandes cidades. Já há procura por pontos de recarga em locais mais distantes?
Maisonnave: Regiões como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm interesse cada vez maior no processo de eletrificação por vários motivos. E não tem a ver apenas com a questão econômica, uma vez que isso requer investimentos.
Os compradores de veículos elétricos querem modelos mais confortáveis e que não façam barulho. A maior demanda é nos grandes centros. Mas já existem iniciativas de empresas e mesmo pessoas físicas buscando soluções de mobilidade elétrica como um todo em outras regiões do País.
Como o sr. vê o futuro dessas de fontes de energia como a fotovoltaica?
Maisonnave: Eu trabalhei no setor de geração de energia da Enel. Passei por hidrelétrica e termelétrica. O Brasil tem uma capacidade de produção de energia renovável que dá inveja a qualquer país do mundo. Talvez a Noruega seja o único local onde haja produção de energia renovável tão grande quanto aqui.
Na Europa, por exemplo, não há essa capacidade hidrelétrica. Na França, há grande capacidade nuclear, mas países como a Alemanha ainda dependem da queima de combustíveis fósseis. Acompanhei o nascimento do setor de energia eólica e depois, do de fotovoltaica. A evolução dessas soluções acelerou muito e, juntamente com mobilidade elétrica, evoluiu mais do que poderíamos esperar há alguns anos.
Digo com certeza que a fotovoltaica é forma de geração de energia mais barata do Brasil. Se alguém dissesse isso há cinco anos, ninguém acreditaria. O Brasil tem terra e sol entre as vantagens competitivas. Diferentemente da Europa, por exemplo. Isso permite diversificar a matriz energética do País. Hoje, a produção de energia eólica e solar são os grandes xodós e têm grandes oportunidades de crescimento.
Há projetos para cobrança de recarga em postos públicos no País?
Maisonnave: A demanda por veículos elétricos ainda é pequena no País. Em 90% dos casos, a recarga é feita na casa ou trabalho do usuário. Então, ainda não há essa necessidade de recarregar o veículo na rua. No Brasil, há a cultura de deixar o carro em garagens.
Mesmo quando está fora de casa, é comum o brasileiro parar em estacionamentos. Isso facilita a expansão da oferta de recarga em locais privados. Isso também está associado à segurança. Há projetos pilotos criados para atender demandas institucionais, de marketing e de teste, por grandes montadoras e empresas de energia. A legislação permite a cobrança.
Porém, é preciso saber se o consumidor está disposto a pagar. Diferentemente do veículo a combustão, que você tem de reabastecer durante o processo de transporte, o elétrico é recarregado quando não está em uso. Por exemplo, ao chegar em casa à noite, basta plugar na tomada e ele fica recarregando enquanto você dorme.
No shopping, ele recarrega enquanto você faz compras ou vai ao cinema. Então, o processo de valor agregado é diferente. Algumas empresas já começaram a cobrar a recarga, mas é muito difícil ter retorno financeiro se não houver o entendimento de que o modelo econômico é outro. Por isso, a Enel-X criou os pontos de recarga semipúblicos. Ou seja, para o usuário, o serviço é grátis.
O que a gente entendeu é que ele vai deixar o carro naquele estacionamento porque tem um benefício a mais. Então, o shopping será beneficiado quando o veículo estiver carregando. Afinal, o cliente já está pagando ou pagou em outro momento da jornada do consumo dele. Assim, não adianta botar tomadas em um shopping pensando em cobrar por isso. E também não dá para instalar o ponto de recarga em um local escuro, sujo, longe de acessos ou que o usuário tenha de entrar num sistema, botar o nome do pai e da minha mãe e o CPF para poder usar.
Conseguimos juntar 250 vagas de estacionamento e colocar tecnologia viável de recarga da Enel-X nelas. Ou seja, oferecemos qualidade de serviço. Ele encontra uma boa comunicação visual e conforto. Então, uma montadora, locadora, seguradora ou o próprio shopping paga para ter aquela rede para uso dos seus clientes. É um modelo em que a conta fecha, é sustentável e compartilhado. Portanto, é uma economia circular.
Eu não preciso oferecer um carregador para cada carro. Posso atender milhares de carros com um único carregador. Eu costumo comparar com a sala vip do aeroporto. O uso não é grátis. Você pagou de alguma forma para estar ali, seja usando um cartão de crédito ou comprando uma passagem na classe executiva. É conceito que ajuda a viabilizar a oferta desse tipo de serviço.
Quais são as perguntas mais comuns dos novos usuários do serviço?
Maisonnave: As perguntas iniciais de quem quer comprar é com relação a onde recarregar e quanto tempo leva a recarga. Muitas vezes, o pessoal fica chateado com as minhas respostas, porque eu digo que isso não interessa. Quando você coloca o seu celular para carregar, não faz diferença se leva duas, cinco ou sete horas. Você não sabe se a recarga terminou às 2h da manhã ou às 7h.
Com o carro é a mesma coisa. Outra pergunta é em relação à autonomia. Quem sabe exatamente a autonomia do carro a combustão? Se estiver na reserva, basta carregar. O elétrico é algo muito inteligente. Todo dia quando você acorda ele está com 100% de autonomia. Ninguém para no posto se o tanque estiver com 85% de capacidade. É a mesma coisa com o elétrico. Você não precisa carregar todo dia.
Em condomínios, é comum o síndico e os condôminos acharem que, ao colocar o carro na tomada, vai sobrecarregar a rede do prédio. Diariamente eu travo essa quebra de paradigmas. Mesmo porque não dá para comparar os dois. É outro tipo de transporte. Eu brinco que é como comparar uma bicicleta elétrica com outra comum. Ela é mais cara, mas é para outro tipo de uso.
Por isso, posso dizer que em 2020 e 2021 o que aconteceu de mais importante foi essa tomada de consciência, essa percepção de que a transição energética é muito importante. Quem compara a torradeira com a torrada feita no fogão está sendo nostálgico. É muito mais fácil usar a elétrica. O metrô, por exemplo, é um transporte público eletrificado e ninguém questiona se deveria voltar para a Maria Fumaça.
Há uma discussão acerca do avião elétrico. Para muitos, parece ser um absurdo. Porém, o projeto de carros voadores elétricos já está sendo desenvolvido no Brasil. O combustível fóssil não tem a ver só com a poluição, mas também com a saúde mental. Imagine a qualidade de vida do motorista de um ônibus elétrico na comparação com outro de um a combustão. O elétrico não faz barulho, não vibra e é mais confortável. É um valor agregado importante.
No Brasil, dá para vender a eletricidade da bateria do carro no horário de pico e comprar depois, por preços menores?
Maisonnave: Lançamos esse produto juntamente com a Nissan, em 2018. O (hatch elétrico) Leaf é um dos poucos carros do mundo que pode fazer isso. Porém, a demanda é baixa porque não há nenhuma diferença de tarifa para o consumidor de baixa demanda. No Brasil, ainda não temos diferença de preço durante a madrugada. Nos Estados Unidos, isso é comum. Em países onde há esse incentivo dá para deslocar o consumo para horários fora do pico.
O carregador permite programar o horário da recarga. Então, eu posso colocar o carregador para funcionar, digamos, a partir das 23h. Mas estamos conversando com o governo e a agência reguladora, que veem isso com bons olhos. Isso trará novos modelos de negócio. Antigamente, você recebia a conta de luz, pagava e pronto. Agora, pode colocar placa solar, abastecer sua casa com essa energia e carregar seu carro elétrico com ela.
Temos um projeto comum em vários países chamado resposta à demanda. O objetivo é incentivar o consumidor a reduzir o consumo em certos momentos, o que otimiza toda a rede. É uma forma de melhorar a atividade de rede tanto para o consumidor quanto para o distribuidor. Essa é uma revolução silenciosa. As grandes cidades estão cheias de gente optando pela micromobilidade elétrica. E as vendas de carros eletrificados estão crescendo em um ritmo impressionante.
Quais são as metas para 2022 e o que o sr. vai fazer para alcançá-las?
Maisonnave: Nossas metas são desafiadoras. Porém, logo no início do ano a gente já está feliz e teve de dobrar as metas. Acabamos de fazer uma parceria com a Zletric, startup da área de recarga de carros elétricos que está trabalhando muito bem no setor. Ela tem muita tecnologia, boa visão e muita capacidade principalmente no mercado “B to C”.
A Enel-x é considerada como uma das três empresas com melhor estratégia e execução de projetos de mobilidade elétrica do mundo. No Brasil, estamos criando e agregando soluções. A ecovaga (ponto de recarga em estacionamentos) é muito agregadora. Ela não compete com outras soluções.
Sou vice-presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e a gente fala muito sobre o setor estar crescendo por causa da alta demanda. Com isso, novas empresas surgem, assim como novas tecnologias e oportunidades. Tudo vai sendo consolidado. A base da ecovaga é o que a gente chama de agnóstica. Ou seja, todo mundo pode usar.
Eu não quero competir com outra rede. Quero que a rede seja a mesma. Na Europa, você pega um carro elétrico em Lisboa e vai para a Noruega usando um mesmo app. Quando você usa o celular, vai mudando automaticamente de operadora. Muitas vezes há outras empresas atuando no meio do processo. Na mobilidade elétrica isso também tende acontecer. Neste ano, a expectativa é do crescimento da frota de veículos de carga elétricos.
Esse é o grande desafio. Ou seja, oferecer soluções para caminhões, vans e furgões. Grandes empresas estão eletrificando suas frotas. A Enel-X tem capacidade para entregar uma solução completa, inteligente, ativa do ponto de vista econômico e de longo prazo. Então, nossa previsão é sempre dobrar os números.
O Brasil sempre surpreende. A perspectiva de crescimento é exponencial. Obviamente, sempre com visão de longo prazo, pensando na sustentabilidade e no relacionamento com o fornecedor. A Enel-X tem geração fotovoltaica, geração distribuída, eficiência energética e otimização.
No Brasil, há novos modelos de veículos chegando e até uma empresa (Great Wall Motors) que vai produzir apenas carros eletrificados. E já começam a aparecer carros um pouco mais baratos movidos a eletricidade. Creio que em cerca de dois anos esse mercado vai ser uma loucura. Esperamos superar nossas expectativas novamente em um ou dos anos.
A eletrificação do transporte de carga em centros urbanos é uma tendência?
Maisonnave: Olhando pela estratégia e percebendo o valor que isso agrega, a aceleração é exatamente como eu imaginava que seria. Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, imagine fazer a entrega de última milha com um veículo que não faz barulho nem polui. Isso é algo que está passando a ser uma espécie de obrigação.
No Brasil, logo os grandes centros urbanos vão começar a limitar a circulação de veículos a combustão. Aprendi algo muito importante no Chile, onde implantamos a maior frota de ônibus elétricos fora da China. O operador disse que não estava fazendo isso por causa de sustentabilidade, imagem ou para obter melhores linhas de financiamento. Ele estava mudando porque estava perdendo clientes.
A eletrificação da frota tem a ver com a empresa manter sua posição de mercado ou se consolidar. Nas empresas de entregas urbanas, quem não mudar para patinete, bicicleta, furgão ou caminhão elétrico vai ter a imagem prejudicada. Não basta ser rápido na entrega.
É preciso fazer isso com qualidade e o menor nível de ruído e poluição possíveis. Uma das soluções que estamos desenvolvendo é para caminhões refrigerados. Além do motor elétrico, o sistema de refrigeração consome energia o tempo todo. É muito bom participar dessa revolução, criando um caminho que seja bom para a empresa e o mercado como um todo.
O usuário do taxi ou do carro por aplicativo já busca por modelos eletrificados?
Maisonnave: Houve uma mudança importante no uso por causa da pandemia, que causou a redução da oferta do serviço. Mas eu sempre pergunto. E se o usuário quiser um carro “verde”, você tem? Cada vez mais as pessoas vão buscar essa opção, mesmo que ela seja mais cara. A questão não é sobre ser barato e caro, mas sim sobre o que eu quero. Conheço histórias de pessoas que, quando viajam para fora, só usam elétricos, mesmo tendo de pagar mais por isso.
No Salão do Automóvel de 2018, fiz uma apresentação na qual eu disse que, no futuro, quem quisesse andar de carro a combustão teria de ir a um autódromo e alugar o veículo. A maioria das pessoas riu e disse que isso era impossível. Vamos ver. O normal ainda são os carros movidos por combustíveis fósseis ou que poluem mais que a energia elétrica. Então, continuamos nessa luta boa de oferecer soluções mais modernas.
Que mensagem o sr. mandaria ao Paulo que estava saindo da faculdade de engenharia?
Maisonnave: O engraçado é que, quando eu escolhi fazer engenharia elétrica, o curso era um dos mais conservadores. Aquilo não mudava, os professores eram os mais velhos e a tecnologia não havia evoluído muito. Os livros eram de 1950. Meus amigos que faziam telecomunicações estavam no meio de uma revolução. Estavam surgindo a fibra ótica, o celular, 2G, 3G.
No meu primeiro dia de trabalho como estagiário, a Enel estava fazendo uma conversão de energia digital no Sul do País e eu não entendi nada. Era uma nova tecnologia e eu não havia aprendido nada daquilo na faculdade. Perguntei ao engenheiro que era mais velho e ele disse que também não sabia nada sobre aquilo. Ali, eu aprendi que você vai sempre aprender conforme a tecnologia avança.
Eu não imaginava que haveria carro elétrico e geração fotovoltaica, mas sempre abri a mente para aprender cada vez mais. As tecnologias mudam e as oportunidades vão surgindo. E nós fazemos parte dessa evolução. Estou muito feliz de estar em uma posição em que posso aprender, divulgar e espalhar esse conhecimento, além de propor soluções inovadoras que muito me orgulham.
A Enel-X é líder em mobilidade elétrica, com soluções para ônibus elétrico, frotas, carregadores, recarga semipública e pública, entre tantas outras. Então eu diria: “Abra a mente, porque novas oportunidades surgirão.”
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