Economia circular nos transportes
Está na hora de o Brasil explorar o combustível que vem do lixo e do esgoto, transformando um passivo ambiental em ativo energético
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11/03/2020
A mudança do atual modelo de transportes para um padrão com menos emissão de CO2 deve envolver um conceito mais amplo – o da economia circular – ainda pouco difundido no Brasil e que inclui a sustentabilidade social – com geração de renda e empregos – e financeira para funcionar como um negócio.
A indústria automotiva já investe alto para disponibilizar, inclusive no Brasil, várias tecnologias para fazer essa transição nos transportes, substituindo a fonte fóssil por alternativas renováveis e limpas que vão dos biocombustíveis à eletrificação. Como parte do problema – o setor de transportes é responsável por 14% das emissões de gases de efeito estufa –, estamos em busca de soluções.
Biocombustíveis
Este momento de transformação oferece grande oportunidade às fabricantes de caminhões, ônibus e veículos em geral. O maior desafio é trazer a transformação mais perto do nosso dia a dia, seguindo a vocação brasileira, rica em biocombustíveis.
Além de gás natural veicular (GNV), etanol, biodiesel e HVO (óleo vegetal hidrogenado), temos uma riqueza que não está sendo explorada: o lixo e o esgoto gerados nas cidades e os resíduos do agronegócio, todos eles fontes do biometano, renovável e limpo. Essa é a “cereja do bolo” das novas tecnologias.
Transformar um passivo ambiental em ativo energético é um bonde que o Brasil não pode perder. Temos bons exemplos de utilização dessa tecnologia, como em Estocolmo (Suécia), onde lixo e esgoto viram biometano para abastecer veículos e prover gás de cozinha.
O excedente é vendido para movimentar a frota de ônibus da cidade, com a vantagem de o preço não ser influenciado por variações externas, como a cotação do petróleo.
Renováveis
Trata-se de um negócio que pode ser explorado já. Somente na Grande São Paulo, temos 22 milhões de habitantes produzindo lixo e esgoto, destinados a aterros. Estudo encomendado pela indústria automotiva apontou que a poluição causada pela frota envelhecida custa mais de R$ 60 bilhões/ano ao SUS, INSS, entre outros gastos.
Seria mais inteligente o Estado incentivar uma fonte energética renovável e limpa, com potencial para resolver todos esses problemas, e empregar esses recursos para motivar as empresas mistas ou privadas a explorar um combustível novo.
A aposta no biometano é também um caminho para impulsionar o desenvolvimento econômico dentro do conceito da economia circular, que engloba a sustentabilidade ambiental, social e econô
De olho no futuro
Mas, para dar esse salto qualitativo, temos obstáculos a vencer. Eles
envolvem, sobretudo, o papel do Estado brasileiro na regulamentação desse setor e das empresas privadas nas transformações em curso.
Não é atribuição dos governos escolher a “melhor” tecnologia na transição entre os dois modelos. Ao setor público cabe fixar metas de redução de emissões e deixar o setor privado disputar quem vai entregar a melhor tecnologia com o menor custo.
Deve-se dispensar ainda o antigo conceito “do tanque à roda”, que mede as emissões apenas a partir do escapamento do veículo (ou da sua ausência, no caso da eletrificação) e passar a utilizar o conceito mais moderno de “poço ao caixão”, isto é, considerar a sustentabilidade para extração e produção do combustível até o seu devido descarte.
Apoio é fundamental
Retirando os entraves da regulação e criando estímulo para esse investimento – isenção tributária ou financiamento de longo prazo –, o Estado brasileiro induzirá as empresas a aderir à cultura da energia derivada do lixo, sem demonizar os demais combustíveis, mas
promovendo a competição.
Sem apoio público, fica difícil para o setor automotivo liderar a mudança rumo ao transporte sustentável, disseminando o conceito da riqueza procedente do lixo, e permitindo ao biometano ganhar escala.
Ao Estado cabe criar um ambiente propício para o setor privado, garantindo marco regulatório e infraestrutura adequados para que as empresas percebam essa alternativa como um negócio e invistam. Isso faria clientes e consumidores aceitarem essa inovação. Sem demanda não há negócio.
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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