‘Nunca foi sorte, sempre foi poesia’, escreve MC Martina
Rapper, produtora e poeta, ela idealizou a primeira batalha de slam poesia falada em sua comunidade, no Complexo do Alemão; em setembro, estreou na literatura
MC Martina, cria do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, foi quem organizou o primeiro slam — batalha de poesia falada — em sua comunidade. Rapper, produtora cultural e poeta, ela diz que seu objetivo é levar adiante a ancestralidade recebida por meio da arte e do afeto. Em setembro, a inquieta artista publicou o primeiro livro (Nunca Foi Sorte, Sempre Foi Poesia, uma edição independente). Veja a seguir, nas palavras da própria MC, a importância do slam (e de outras expressões artísticas) em sua própria trajetória e no território em que cresceu. Ela também fala da tomada de consciência social e dos planos para o futuro, na semana que vem.
O SLAM MUDOU A VIDA DE MC MARTINA; POR CAUSA DELE, ELA VIROU REFERÊNCIA NO TERRITÓRIO
“Tudo que sou eu devo a meus ancestrais, minha família e, também, em grande parte, aos slams. (…) O slam mudou a minha realidade, a minha vida. A forma como as pessoas me olhavam, me deu dignidade e humanidade. (…) O slam chegou quando eu pensava em fazer algo para me expressar. Alguma coisa em que eu conseguisse tocar as pessoas, que elas ouvissem aquilo que estava falando. E aí a poesia chegou junto. Às vezes eu estou indo pra casa e as crianças pedem para tirar foto comigo, pedem pra gravar story.”
ASCENSÃO NÃO É SINÔNIMO DE REPARAÇÃO
“A ascensão não me protege da polícia, eu ainda levo dura e tenho uma dificuldade absurda para conseguir o reconhecimento que eu acredito que eu mereço no mercado. Com cinco anos de carreira, ainda assim, volta e meia, estou apertada de grana. Nós, pessoas negras, precisamos de mais oportunidades. E precisamos ser mais valorizados. (…) O que falta? A gente tem currículo, lábia, estudo, um conhecimento oral. O que falta para vocês contratarem essas pessoas e colocarem essas pessoas numa posição de poder? ”
‘ESTOU SEM TRABALHO, MAS NÃO PERDI A QUALIDADE’
“Estou em um momento que, artisticamente, estou desempregada e não tem nenhum trabalho artístico para fazer, entendeu? Por mais que eu esteja sem nada isso não quer dizer que perdi a qualidade, mas é assim que é visto.”
O ALCANCE DAS REDES SOCIAIS
“Se estou no metrô, numa sala de aula ou na rua, consigo me reinventar. E isso é que vai para as redes sociais. Lá, construí um público que me segue e acompanha meu trampo. Lancei um livro com as poesias que fiz nos últimos anos, fruto das minhas vivência.”
Ando na contramão com vários favelados/existindo e insistindo/Existimos através da arte
‘NUNCA FOI SORTE, SEMPRE FOI POESIA’ D
e forma independente, Martina lançou, em setembro, o livro Nunca Foi Sorte, Sempre Foi Poesia com textos sobre a realidade das favelas cariocas, a exemplo de “Zona norte ou faixa de gaza/não sei mais do que chamo/mas ainda é a minha casa”. Os poemas expressam a realidade e o cotidiano das comunidades, sejam em áreas de confronto entre facções e operações policiais sejam na pulsão de vida, por exemplo, presente na vivência de uma mulher preta dentro de uma das maiores favelas do mundo, o Complexo do Alemão.
“Um dos meus desejos é que o livro seja uma ferramenta de autoconhecimento para as pessoas pretas e a abertura de caminhos para a compreensão de outras realidades”, conta. “Enquanto favelados, meu público alvo, temos muita coisas em comum, mas, às vezes, a gente não consegue ter uma perspectiva de pensarmos que somos capazes de fazer coisas incríveis”.
De olho no futuro, a artista prepara vídeos com suas escritas e diz que no momento busca cura e autoconhecimento com a arte. “Os textos da obra são cartas que eu escrevi pra mim na semana passada. Então tipo cada poesia é uma reza, mano. Cada versão é um código e o que que eu quero dizer com essa mensagem? Estou tentando me reconectar comigo, com meus ancestrais, com meu espírito e ao mesmo tempo com a minha irmã, com a minha prima, com a criança quando eu tinha dez anos de idade e vou conversar de várias formas.”
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