Mulheres são as que mais usam transporte público no Brasil
Sistema é planejado e operado sem considerar suas necessidades, especialmente das mais vulneráveis
Na cidade de São Paulo, diversos levantamentos mostram que as mulheres utilizam mais o transporte público e andam a pé, enquanto os homens correspondem à maioria dos que usam modos individuais e bicicleta, conforme o cruzamento de dados da Pesquisa Origem Destino 2017 da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
Leia também: Mobilidade feminina e seus (muitos) desafios
Mulheres somam 52% da população dessa região, sendo que as negras representam 36% do total feminino do município e 43% entre as usuárias do transporte público. A intersecção de gênero e raça sugere que elas usam mais esse modelo de deslocamento do que as brancas.
Além disso, apenas 12% do público feminino com renda de até um salário mínimo vive próximo ao transporte público de média e alta capacidade (TMA) na região metropolitana de São Paulo e, quando consideramos aspectos de raça, apenas 9% das mulheres negras residem próximo a uma estação de TMA.
Baixa velocidade
Apesar da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), o País avança lentamente no planejamento do transporte público com base na perspectiva de grupos sociais mais vulneráveis – em especial, as mulheres negras, que representam o maior contingente populacional brasileiro: 28,4%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, PNAD, 2018).
Esses dados fazem parte do projeto Transporte para Todas: Gênero e Raça na Mobilidade Urbana, no âmbito do Programa Smart Mobility em São Paulo, desenvolvido pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), em parceria com diversas entidades.
Pouca representatividade
Os números mostram que não há neutralidade de gênero nem de raça na mobilidade urbana como um todo: os transportes também são planejados e operados sem considerar as necessidades de mulheres – principalmente as pobres, pretas e pardas que residem em áreas mais periféricas, com baixa cobertura e regularidade das linhas.
As menores possibilidades de acesso à cidade por mulheres ainda se refletem na operação dos sistemas, em que há grande desigualdade nas profissões e cargos exercidos por mulheres e homens. O Estudo de Linha de Base sobre Gênero (2019), do Banco Mundial, já apontava que, em 2019, 92% dos quadros de diretoria eram homens (Metrô, CPTM, EMTU, SPTrans e CET), sendo que apenas 9% dos responsáveis pelas políticas de transporte municipal eram mulheres, em 2017. Esse modelo se repete no nível operacional, no qual apenas 5% dos motoristas de ônibus são mulheres.
Niege Chaves, há 30 anos trabalhando no setor de mobilidade, é uma exceção. Como vice-presidente do Grupo Mobibrasil, de empresas de transporte público de passageiros com operações no Recife (PE), em São Paulo e em Sorocaba (SP), ela coordena 5 mil funcionários, com mais de mil ônibus nas ruas, transportando aproximadamente 550 mil pessoas todos os dias.
“Quando comecei, era proibido ter cobradora, motorista, com alegações de que elas precisam sair de licença [maternidade]. Hoje, mulheres ocupam entre 30% e 40% dos cargos da empresa, também, como mecânicas, eletricistas, gerentes e diretoras”, compara. “As coisas vêm evoluindo, mas não no ritmo que a gente gostaria”, afirma.
Para Niege, que também é sócia-fundadora do Cittamobi, aplicativo de soluções tecnológicas para a mobilidade, faltam políticas públicas, para a inclusão de mulheres nesse mercado, e da iniciativa privada, para fornecer esse “apoio”.
Ela acredita que é preciso reconhecer a existência do problema e sair do discurso: quem “chega lá” deve privilegiar a presença feminina nas empresas. “Posso fazer essas escolhas porque esse é um dos nossos propósitos, ajudando-as a crescer e a se desenvolver em diferentes funções. Elas querem novos desafios e desejam participar dos processos seletivos”, diz.
Em primeiro lugar
A empresa está dando prioridade para o treinamento, a partir de novembro, de dez motoristas mulheres para formar o time que vai dirigir os pioneiros oito ônibus elétricos, adquiridos da Mercedes-Benz, que vão operar na zona sul da capital paulista.
“Optei por capacitá-las primeiro; depois, eles. Mas todos os nossos motoristas passarão por reciclagem para dirigir esses modelos, porque é uma mudança complexa e que envolve várias situações de gestão, de segurança e outras questões relacionadas à bateria que precisamos prever daqui dez anos. E a nossa meta é chegar a 100 deles em 2025”, explica.
Violência e assédio
Em relação à segurança das passageiras, Niege explica que, quanto mais transparência houver no sistema de transportes, menores serão as chances de assédio e de violência dentro deles. “Operamos com câmeras de monitoramento, tecnologias de autoatendimento, de liberação de catraca e, agora, câmeras em todas as paradas”, detalha. “Temos o app gratuito para denúncia de qualquer tipo de ocorrência para registrar o fato, por meio de um botão, de maneira sigilosa ou não.”
Saiba mais: Aplicativo que combate assédio no transporte público é premiado
Para ela, a tecnologia e os dados estão disponíveis – além da maior coragem das mulheres em denunciar o assédio. “Registra-se o BO, mas o Estado não está pronto nem para essa discussão nem para receber essa demanda, com os casos caindo no esquecimento”, reforça.
“O que temos que nos perguntar é: há políticas públicas fortalecidas para que elas se sintam seguras? Como essas informações são utilizadas? Elas estão conectadas às Delegacias da Mulher para apoiar as medidas diante do ocorrido?”, questiona. “Isso, infelizmente, faz parte de um problema maior de segurança pública.”
Pouca voz nas decisões
- 92% dos quadros de diretoria (Metrô, CPTM, EMTU, SPTrans e CET) são ocupados por homens
- 9% dos responsáveis pelas políticas de transporte municipal são mulheres
Fonte: Estudo de Linha de Base sobre Gênero (2019), do Banco Mundial
Quer uma navegação personalizada?
Cadastre-se aqui
0 Comentários