Futuro da indústria pode estar no carro elétrico a hidrogênio
Diretor da Bright Consulting, Paulo Cardamone vislumbra profundas alterações na indústria e comercialização de automóveis no País depois da pandemia
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03/07/2021
A forma como se produz e se vende carro no Brasil deve mudar quando o País retomar o crescimento econômico. Em entrevista exclusiva ao caderno Mobilidade, os consultores Paulo Cardamone, Murilo Briganti e Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, preveem mudanças importantes, que devem também alterar completamente o automóvel. Com a autoridade de quem, desde 2017, assessora o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, na elaboração do programa Rota 2030 (que estabelece os rumos para a nova política industrial do setor automotivo), Cardamone considera que o carro elétrico a hidrogênio tem plena condição de ser feito no País.
Elemento químico mais abundante do planeta, o hidrogênio pode ser gerado dentro do próprio automóvel, a partir de biocombustíveis, como o etanol. “É possível produzir esse carro no Brasil e, daqui, exportá-lo para outros países da América Latina e África”, diz. Para ele, isso poderia se tornar realidade num prazo entre cinco e oito anos.
O consultor enxerga a tecnologia como uma alternativa vantajosa em relação ao carro elétrico atual, a que ele chama de “enlatado”, por ser importado. “O carro elétrico ‘baterizado’ não emite nada quando roda, mas, entre a produção [que gera danos ambientais para extração da matéria-prima das baterias] e o descarte final, ele polui”, afirma.
O diretor da Bright Consulting alerta ao que chama de “the dark side of the green”, o lado escuro do verde, trocadilho com o álbum do grupo britânico Pink Floyd The Dark Side of the Moon. “Para ser ‘verde’, o carro elétrico precisa de matérias-primas finitas, caso do lítio para a bateria, [o que é] tão prejudiciais como o desflorestamento da Amazônia.”
Queimando carvão
“Cada país tem de decidir que sistema de mobilidade quer”, pondera. Para ele, os elétricos a bateria, que são muito caros, podem ser uma opção em nações ricas e com geração de energia limpa. “Mas como fazer em países em que a renda é baixa?”, questiona. Para o consultor, “no Brasil, em que há déficit de distribuição de água potável e esgoto, não faz sentido investir em infraestrutura para abastecimento de carro elétrico.”
Cardamone acrescenta que um carro elétrico ligado na tomada no Rio de Janeiro, no verão, “está queimando carvão, gás e óleo”, referindo-se aos combustíveis que alimentam usinas de energia no Estado quando há alta demanda. Em sua visão, o desenvolvimento de modelos a célula de hidrogênio pode representar um salto tecnológico.
Já o segmento premium poderia ser abastecido com automóveis a bateria, como já ocorre. Hoje, o Renault Zoe, um dos elétricos mais baratos no mercado, custa a partir de R$ 204.990. Segundo Cassio Pagliarini, é um preço muito superior ao tíquete médio de um carro no País, estimado por ele em cerca de R$ 80 mil. “Precisamos pensar em produtos apropriados para o Brasil”, diz. Ele ressalta a solução adotada pela Toyota, que lançou a tecnologia híbrida flex, pioneira no mundo. O sistema estreou, em 2019, no Corolla Altis (R$ 156.490) e acaba de chegar ao SUV Corolla Cross (R$ 179.190).
Embora a célula de hidrogênio não seja uma tecnologia nova, ela ainda é cara e pouco difundida. Nos EUA, o Toyota Mirai (um dos poucos automóveis a hidrogênio no mundo) custa a partir de US$ 49.500 (cerca de R$ 267 mil), ou o dobro do híbrido Prius.
Crescimento
A Bright prevê que, passada a pandemia, o mercado tem todas as condições de se reerguer, e Cardamone não vê riscos de outras marcas pararem a produção no País, no rastro da Ford. “Falta carro, não mercado”, resume. “Não vende mais porque não tem.” De acordo com ele, o mercado deve fechar o primeiro quadrimestre 11% acima do mesmo período do ano passado, além de encerrar 2021 com alta de 20% em relação a 2020 (que encerrou com 1,95 milhão de unidades vendidas).
O diretor da Bright Consulting diz que o problema está na cadeia de suprimento desestruturada, e que a falta de insumos (principalmente chips) “ainda vai durar todo o ano”. Apesar disso, ele prevê que a produção nacional pode chegar a um patamar entre 3,7 milhões e 4 milhões de unidades por volta de 2030.
E isso considerando que os preços continuarão a subir, por causa das inovações que estão a caminho. “Na indústria, existe o chamado “new part number effect” [“efeito da peça nova”, em tradução livre]”, diz Pagliarini. De acordo com ele, sempre há aumento de preço quando a montadora faz cotação para um novo componente.
A evolução nos automóveis ocorre por duas razões. Uma é a regulatória. As montadoras acabam incorporando inovações na área de segurança e emissões por causa de exigência legal, caso da obrigatoriedade de air bag e ABS, por exemplo. Nesse campo, o consultor Murilo Briganti estima que o atraso do Brasil em relação a países mais desenvolvidos esteja em cerca de quatro anos (no passado, já foi de 20 anos).
Usufruir sem possuir
A outra razão que impulsiona as novidades está ligada à necessidade de atrair os jovens. “Esse consumidor é mais integrado, globalizado, exigente e conectado, e sabe o que existe em outros países.” Outra característica desse público é que, de acordo com Paulo Cardamone, ele “prefere usufruir, em vez de possuir”. Isso mudou a indústria. “A montadora fazia o carro e entregava para a locadora com grande desconto, que o alugava. Agora, a própria montadora decidiu alugar.”
Metalúrgico instruído
As fábricas também deverão passar por um processo de modernização. Cardamone informa que a Tesla irá adotar um sistema em que a carroceria será estampada em apenas duas peças. Em sua opinião, isso resultará em ganho na escala de produção, porque reduzirá o número de operações de montagem.
Tudo isso fará com que o metalúrgico evolua, e seja “menos montador de pecinhas”, diz Pagliarini. Ele acrescenta que o processo de montagem de um carro elétrico é mais simples, já que não há transmissão, tampouco sistemas de refrigeração e de “coxinização” (para redução de vibrações, comuns em motores a combustão). Além disso, Murilo Briganti destaca a maior necessidade de especialização do profissional para lidar com equipamentos elétricos.
Concessionárias
As autorizadas também deverão ocupar espaços menores, assim como a rede irá diminuir. De acordo com Pagliarini, os guias de instalação (manuais elaborados pelas fabricantes com as especificações sobre como deve ser uma concessionária) já preveem showroom menor e permitem oficinas compartilhadas com outras marcas. “Um galpão com 100 boxes [de serviço] é melhor que dois de 50.”
Cardamone também alerta para a necessidade de colocar em marcha programas de inspeção veicular e reciclagem. “É preciso que o Brasil trabalhe com pressa e coragem nessa área, porque temos uma frota de 42 milhões de automóveis com mais de 12 anos, matando e poluindo”, diz, referindo-se a problemas inerentes a uma frota com manutenção deficiente, com falhas em itens de segurança e emissões elevadas. “Se atacarmos esses problemas, podemos resolver a questão do emprego, e com benefícios para a saúde.”
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