O que são gêmeos digitais? E como eles prometem revolucionar a mobilidade urbana
Conheça a tecnologia e saiba qual o potencial de aplicação no Brasil
Gêmeos digitais são mais complexos do que a réplica de uma cidade em um computador. Essa tecnologia representa um passo além dos simuladores de trânsito e promete solucionar problemas de mobilidade urbana usando inteligência artificial e IoT (internet das coisas, na sigla em inglês).
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Em Barcelona, os gêmeos digitais já operam semáforos por conta própria e gerenciam o tráfego da cidade impedindo congestionamentos. Na Argentina, a ferramenta analisa a circulação de ônibus em Buenos Aires e permite decisões baseadas em dados obtidos em tempo real. O Brasil, por sua vez, ainda não conta com municípios aplicando gêmeos digitais. No entanto, o País já possui pesquisas na área.
Maria Cristina Machado, diretora técnica da Unidade de Negócio de Tecnologias Digitais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Estado de São Paulo, e Dênis Viríssimo, gerente da Seção de Inteligência Artificial e Analytics do IPT, explicam o conceito de gêmeos digitais, falam sobre o potencial da tecnologia e adiantam o que já existe no País.
Gêmeos digitais, muito além de simulação
“Hoje utilizamos vários simuladores de tráfego. A CET usa simuladores para organizar o trânsito e os semáforos, mas esses não são gêmeos digitais”. Com essa fala Maria Cristina Machado introduz a questão da diferença entre essas duas tecnologias.
Os simuladores de tráfego, ferramentas já amplamente empregadas no Brasil, são programas de computador que permitem construir a réplica de uma cidade. Sendo assim, “você consegue ver como ao mudar uma variável haverá influência no trânsito como um todo”, explica Viríssimo. É possível, por exemplo, fazer análises dos impactos de direcionar mais automóveis para uma via ou entender as consequências mudar o limite de velocidade de uma rua.
No entanto, “os gêmeos digitais vão além. Na verdade, eles não estão interessados em ter apenas a parte simulação, mas também focam em possuir dados em tempo real”, enfatiza Viríssimo.
O gêmeo digital representa o físico no modelo virtual. Há uma atuação mútua: O gêmeo físico influencia o virtual, e o virtual influencia físico de volta. O simulador de trafego pode ser um dos componente de um gêmeo digital. No entanto, o gêmeo virtual é muito maior que só o simulador.
Dênis Virissimo, Gerente da Seção de Inteligência Artificial e Analytics do IPT
Por meio de sensores e dispositivos com IoT uma cidade pode captar informações em tempo real. Alguns exemplo são mensurar a quantidade de pessoas em um ponto de ônibus, contar os veículos acumulados em uma estrada ou até mesmo detectar o local da possível queda de uma árvore.
Os gêmeos digitais são réplicas virtuais de cidades que são abastecidas com essas informações. Dessa forma, permitem que gestores públicos ou inteligências artificiais tomem ações para resolver o problema antes mesmo que esse aconteça.
“Radares, semáforos, painéis de mensagem variável, câmeras… Todas essas tecnologias são sistemas inteligentes de transportes, que nada mais são do que um IoT. Esses têm protocolo de comunicação e captam dados que podem abastecer um gêmeo digital”, esclarece Maria Cristina.
Potencial dos gêmeos digitais
“Um gêmeo digital pode ter modelos de decisão automática ou pode trabalhar com intervenção manual”, explica Viríssmo.
De acordo com o pesquisador, essa tecnologia poderia tomar decisões automáticas para melhorar a mobilidade urbana: “Podemos ter um gêmeo digital que opera com Inteligência Artificial monitorando e identificando eventos. Por exemplo, fazendo mudanças automáticas no tempo dos semáforos para melhorar o trânsito”.
No que diz respeito ao transporte público, os gêmeos digitais podem “prever uma maior demanda, por exemplo, de passageiros em um ponto de ônibus. Poderíamos mandar um aviso para que a empresa de transporte público aumentasse a circulação de ônibus em uma linha”, afirma o membro do IPT.
Por fim, Viríssimo ainda defende que gêmeos digitais podem até mesmo ser aplicados em modais como trens ou metrôs. Nesse caso, a tecnologia ajudaria a entender o comportamento dos passageiros e propor soluções de integração com outros modais de forma mais inteligente.
Experiências ao redor do globo
Ariel Anthieni é CEO da Kan, empresa que já produziu gêmeos digitais para a cidade de Buenos Aires, para o município de Luján de Cuyo (na Província de Mendoza) e para a região metropolitana da capital argentina.
Na capital portenha o sistema de ônibus é uma das variáveis integradas no gêmeo digital. De acordo com Anthieni: “Este modelo fornece informações sobre frequência, cumprimento de horários, quantidade estimada de passageiros e origem-destino. Isso permite otimizar a gestão e operação do sistema de transporte público”.
O CEO argumenta que na Argentina “os gêmeos digitais urbanos ajudam os planejadores e autoridades a melhorar a gestão da cidade, otimizar recursos, prever problemas e projetar soluções mais eficientes e sustentáveis para a mobilidade, infraestrutura e serviços públicos”.
Ao mesmo tempo, os gêmeos digitais também estão presentes em outras localidades. “Barcelona, por exemplo, alinhou todo o conceito de gêmeo digital com a noção de cidade de 15 minutos”, explica Viríssimo.
O pesquisador enfatiza que “a cidade está adotando uma gestão do tráfego inteligente, eles monitoram os deslocamento dos veículos e sincronizam semáforos para reduzir congestionamentos e aumentar eficiência”.
O município da Espanha também já começou a usar gêmeos digitais para monitorar as vagas de carros da cidade. Deste modo, sensores IoT são instalados para “saber qual é a rotação, quanto tempo uma pessoa costuma ocupar um estacionamento e quantas vagas estão disponíveis em um determinado período”.
Outras experiências incluem os gêmeos digitais de Los Angeles e Singapura, locais em que a tecnologia é aplicada para melhorar o tráfego de automóveis e planejar soluções de transporte público, planejando melhores rotas e integração de modais.
O que já existe no Brasil?
No País, essa tecnologia ainda não está presente no setor do transporte. “As pesquisas com gêmeos digitais no Brasil estão avançadas na área da indústria e do agronegócio, mas na mobilidade não vejo tantas discussões sobre o assunto”, Maria Cristina comenta.
O principal desafio, segundo Viríssimo, seria integrar os diversos órgãos públicos existentes para montar esse sistema. “Você tem vários entes que controlam as informações. Em São Paulo, por exemplo, teríamos a SPTrans, a CET, a Secretaria de Transporte da cidade e do estado, o Metrô, a CCR, ViaQuatro. São várias empresas, cada uma com uma fração dos dados. Quem vai orquestrar isso? Como os dados vão ser compartilhados?”.
Maria Cristina complementa os questionamentos: “Quem vai ser o dono dessas informações? Quem vai pagar as contas? E quem vai fazer a gestão desses dados?”. Ela acrescenta que “tecnologia temos, o que precisamos é iniciar o processo e fazer esses debates”.
Os especialistas defendem que o País pode dar os primeiros passos. “Você não precisa pensar diretamente no gêmeo digital para ter ganhos em mobilidade. Existem tecnologias mais simples que já podemos implementar. Sistemas inteligentes de transporte e simuladores de tráfego já trazem ganhos”, enfatiza Viríssimo.
De acordo com a Maria Cristina, a captação de dados usando dispositivos IoT também já se iniciou no País. Essa está mais avançada em rodovias concessionadas e poderia ser aplicada em cidades. “Conseguimos obter dados de sensor de tráfego, saber quantos carros estão na pista, captar dados de telemetria e até mesmo mandar mensagens no painel de acordo com condições meteorológicas”.
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