Há um clima de otimismo quando se fala sobre o futuro do transporte com carros sem motorista. Afinal, não precisar dirigir parece algo incrível para muita gente. Mas para Noam Bardim, presidente executivo do Waze, isso não é o suficiente. Como seria de se esperar, ele está preocupado com congestionamentos – e afirma que eles podem se tornar ainda mais caóticos no futuro. Para resolver esse problema, o israelense prega que as pessoas precisam parar de andar sozinhas em seus veículos e começar a compartilhar suas viagens por aí. “Se não mudarmos nossa rotina, o trânsito só vai piorar cada vez mais, não importa se você está numa Ferrari ou num carro popular”, diz.
Bardim é parte interessada nessa mudança de hábito: desde o ano passado, sua empresa oferece no Brasil o Waze Carpool, um serviço que conecta motoristas com bancos vazios a passageiros dispostos a pagar uma pequena quantia aos condutores. É algo suficiente para “rachar” o combustível do trajeto, explica o executivo. Desde agosto do ano passado, 2 milhões de caronas foram dadas usando o aplicativo – número que credencia o País como principal mercado do Carpool, mas ainda bem abaixo da expectativa. É fácil fazer a conta: só em São Paulo, há 4,5 milhões de usuários do Waze, que é de propriedade do Google.
Mais do que apenas uma proposta para ajudar a resolver o trânsito – a missão nº 1 do Waze –, o Carpool é também uma das formas que a empresa encontrou para ganhar dinheiro, cobrando uma pequena comissão sobre as viagens – a outra, explica Bardim, são anúncios exibidos durante as viagens. “É difícil encontrar o equilíbrio para um valor vantajoso tanto para motorista quanto para passageiro”, explica.
Na entrevista a seguir, Bardim fala mais sobre o negócio de caronas do Waze – em São Paulo, a empresa começará a testar “pontos de encontro” para facilitar embarque e desembarque das viagens. Além disso, ele tira dúvidas sobre como de fato o aplicativo funciona e fala sobre a relação de sua companhia com outros serviços do Google, como o Google Maps e a divisão de carros autônomos Waymo.
Mobilidade: O Waze Carpool teve 2 milhões de corridas desde que começou a funcionar no Brasil, em agosto de 2018. Só em São Paulo, são 4,5 milhões de usuários fazendo, em média, duas viagens por dia. Não é um número baixo de caronas?
Noam Bardim: O fato de termos 4,5 milhões de motoristas mostra o potencial das caronas. Se algumas centenas de milhares toparem dar caronas, o impacto pode ser grande. Por outro lado, esses números mostram que a mudança de comportamento é difícil. As pessoas fazem as mesmas coisas há 20 anos: elas acordam, entram no carro, passam duas horas no trânsito e chegam no trabalho. Agora, estamos provocando as pessoas para fazer algo diferente, como dar uma carona ou deixar o carro em casa e pedir uma. É por isso que este é um projeto de longo prazo. Mas se não mudarmos nossa rotina, o trânsito só vai piorar cada vez mais. Há bons argumentos para mudar: o custo de ter um carro, o tempo que se perde dentro deles, o impacto na saúde e no meio ambiente. Ao mesmo tempo, a preguiça também fala mais alto – e ela é o nosso maior concorrente.
É possível imaginar muita gente interessada em caronas, mas pouca gente oferecendo. Há mais demanda que oferta?
Bardim: O problema está dos dois lados. Tanto motoristas quanto passageiros têm receio de fazer a primeira viagem. Uma vez que experimentam o serviço, porém, elas adoram. Outro desafio é achar o preço correto que seja barato para o passageiro, mas valha a pena para o motorista desviar sua rota. Estamos sempre em busca de respostas.
Como o Waze ganha dinheiro?
Bardim: Hoje, temos dois modelos de negócio: o Carpool e os anúncios. Neste segundo lado, estamos indo bem. Não somos a plataforma certa para todo tipo de propaganda, mas podemos ajudar quem tem uma loja ou negócio físico – afinal, só em São Paulo, falamos com 4,5 milhões de pessoas. O Carpool já é mais difícil, mas acreditamos que o modelo pode dar certo.
O Waze anunciou que terá “pontos de encontro” para caronas em São Paulo. Por que isso é importante?
Bardim: Quando passarmos a compartilhar mais carros nas ruas, precisaremos criar melhores jeitos de embarcar e desembarcar pessoas. Vamos tentar descobrir qual é o modelo certo com esses testes. É importante trabalhar ao lado do poder público, porque eles têm um papel importante no futuro do transporte – afinal, fazem as estradas, os sistemas de transporte públicos, as estradas e o planejamento urbano, claro.
Muita gente usa o Waze, mas não entende como o app funciona. Pode dar uma boa explicação?
Bardim: Imagine que, nesse minuto, há centenas de milhares de motoristas andando em São Paulo. Agora, pense que você poderia perguntar para todos eles como está o trânsito, só para decidir qual caminho você vai pegar para sair de casa. É isso o que o Waze faz, em tempo real: captamos as informações de rota e de velocidade de cada usuário. Com esses dados, bem como a média histórica de tráfego em cada rua, podemos mostrar quais são os melhores caminhos. Usar o Waze é como perguntar qual é a melhor rota para milhares de pessoas ao mesmo tempo.
Bardim: Isso é o que estamos tentando fazer: se uma rua está vazia, vamos colocar carros nela para aproveitar essa vantagem. Se ela ficar lenta, vamos oferecer outra rota para os motoristas. Estamos sempre perguntando a todos como está o caminho – e se alguém está mais rápido, pode ser útil seguir aquela pessoa.
Em São Paulo, é bastante comum ver muitos carros trafegando por uma rota de atalhos sugeridos pelo app. É o chamado “trânsito do Waze”. Como o sr. vê isso?
Ao desviar rotas para ruas menos movimentadas, o Waze tem causado impacto em bairros residenciais. Como o sr. vê essa questão?
Bardim: Não fomos nós que criamos as regras para as ruas, foi o poder público. Se há uma rua em que carros podem passar, então há uma rota disponível. Tenho certeza de que as pessoas que reclamam que sua vizinhança está movimentada também utilizam o Waze em outros bairros – e adoram quando conseguem chegar mais rápido. Acredito que, no final do dia, a sociedade se beneficia do nosso serviço. Se você está no trânsito, preso, talvez seja tarde para mudar seu caminho. Ao mesmo tempo, você dá informações para que alguém que está vindo na mesma rota possa mudar. É uma troca de favores, o que cria o efeito de comunidade.
São Paulo é uma cidade cheia de subidas e descidas. Muitos usuários reclamam de que os caminhos do Waze podem deixá-los nauseados com tantos acidentes geográficos. Há alguma função que previna ou reduza isso, com caminhos mais planos ou vias expressas?
Bardim: Nós sempre damos mais de uma opção para os usuários – e ele pode escolher qualquer rota alternativa. O desafio é conseguirmos adivinhar o que ele quer em cada momento – se ele está atrasado e quer chegar rápido ou se tem algum tempo para ir com mais conforto. É uma preferência pessoal, então não podemos adivinhar. Não temos subidas e descidas mapeadas: estamos apenas olhando para a velocidade. Mas claro, nosso algoritmo sabe favorecer algumas coisas: se o tempo de dois caminhos é igual, aquele que é mais reto ou passa por avenidas mais expressas sempre é o escolhido.
Há quem diga que o Waze, ao mostrar um tempo de previsão de chegada, deixa as pessoas mais ansiosas. O que acha disso?
Bardim: É engraçado: a previsão de chegada é a nossa promessa de qualidade ao usuário. Se o tempo de chegada muda ao longo do trajeto, é porque o mundo muda e as coisas agiram de uma forma que não esperávamos. Se chove, as pessoas dirigem diferente. Se é um sábado ou domingo, as pessoas dirigem diferente. A questão é a seguinte: antes, você sabia quando chegaria a algum lugar com uma janela de meia hora de certeza. Agora, a janela é uma questão de minutos – e por mais que o mundo mude, com certeza teremos mais precisão que essa meia hora.
Waze e Google Maps são da mesma empresa e ambos podem ser usados por motoristas. Como é a relação entre as duas empresas?
Bardim: Somos dois times bem separados. O Google Maps tem muitas coisas: caminhos a pé, de bicicleta, transporte público e também o trânsito, para não falar na descoberta de lugares e restaurantes. Nós estamos focados no trânsito de carros. Acabei de mudar para Nova York: se estou andando a pé, uso o Google Maps para descobrir a cidade. Mas, se entro num carro, eu uso o Waze. Se você está em Paris, você não conhece a cidade e não quer se perder, use o Google Maps. Você pode até levar mais 15 minutos Mas na sua cidade, você já conhece o local, então não quer perder nem um minuto sequer. O Waze é otimizado para a condução do dia a dia.
O sr. fala bastante sobre carros autônomos. Qual a relação do Waze com a Waymo, a divisão de veículos sem motorista da Alphabet, que controla o Google?
Bardim: Estamos dentro da mesma empresa, a Alphabet. Falamos bastante, mas as duas empresas têm uma jornada de longo prazo. Nós, com caronas; eles, com carros autônomos. No futuro, eu posso te dar uma carona, ou um robô pode nos dar uma carona. Haverá tipos mistos de transporte no futuro. O que eu sei é que precisamos que mais pessoas ocupem um veículo só, senão o trânsito não vai mudar. A mudança de comportamento tem que acontecer antes de termos os carros autônomos, porque senão, depois, não vai fazer muita diferença – afinal, você terá liberdade para só ficar olhando seu telefone ou dormir no meio do trânsito, então não vai se importar. Os carros autônomos são parte da solução, mas são só uma parte: precisamos que as pessoas dividam os carros. Esses veículos não vão resolver o problema sozinhos. O trânsito não vai mudar, só vai piorar. Mas podemos resolver isso: se todos começarmos a dar caronas a partir de amanhã, o problema do trânsito pode ser resolvido! Cada pessoa precisa tomar a responsabilidade para si.