Márcio de Lima Leite

Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Por um novo salto tecnológico na indústria automotiva nacional

Soluções criadas no Brasil são usadas em outros países. Foto: Getty Images

16/11/2022 - Tempo de leitura: 3 minutos, 54 segundos

Quando as grandes montadoras se instalaram no País, no século passado, elas não vieram apenas para replicar veículos produzidos por suas matrizes europeias, norte-americanas ou asiáticas.

Desde o início, o Brasil revelou forte vocação para desenvolver soluções de engenharia, propulsão, design e tecnologias próprias.

Um dos exemplos mais emblemáticos foi a criação do motor a etanol, nos anos 1970, que, mais recentemente, se transformou na solução flex (gasolina/etanol), responsável por mais de 80% da frota dos nossos automóveis.

Tecnologias para viagem

Atualmente, chama a atenção a quantidade de soluções automotivas que o Brasil vem exportando. A Toyota acaba de lançar o projeto Hybrid Flex Technology na Índia, país que tem a meta de zerar a emissão de CO2 até 2070. A tecnologia híbrida flex, combinação de motor elétrico com outro que usa etanol, está nos modelos Corolla e Corolla Cross, ambos nacionais e que são exportados para vários locais. A montadora também envia aos Estados Unidos os motores 2.0, movidos a gasolina, que são produzidos em Porto Feliz (SP).

Várias montadoras contam com centros de design local, que geram soluções para outros mercados. É o caso da Volkswagen, que tem modelos desenvolvidos, domesticamente, desde os anos 1970. O mais recente é o crossover Nivus, criado em São Bernardo Campo (SP), e que, recentemente, passou a ser produzido na Espanha. No grupo alemão, além da matriz, o Brasil é o único País que desenvolve veículos por completo, ou seja, desde os primeiros traços do design até a efetiva fabricação.

A Ford, que atua há mais de um século no mercado brasileiro, mantém na Bahia um dos seus centros globais de desenvolvimento tecnológico, com mais de 1.500 engenheiros dedicados a tecnologias para vários mercados mundiais. Entre os mais recentes projetos exportados estão o pedal de acelerador inteligente do Ford Mustang elétrico e o sistema de limpeza automática de sensores de veículos autônomos. 

Entre as diversas patentes desenvolvidas estão uma borracha mais resistente ao biodiesel e pesquisas com uso do grafeno (material mais leve e resistente do que o aço) em carros elétricos, estas em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (RS).

No segmento de veículos pesados, não é diferente, e um caso bem marcante é o chassi de ônibus elétrico Mercedes-Benz eO500U, lançado, em agosto, na Lat.Bus, maior feira do setor na América Latina. A engenharia brasileira capitaneou todo o desenvolvimento e faz parte dos esforços globais da Daimler Buses em oferecer veículos neutros em CO2, movidos a baterias e hidrogênio, em todos os segmentos, até 2030. 

Não só de veículos e motores vivem as exportações brasileiras. Algumas empresas entram na seara da eletrônica embarcada. O Software Center da Stellantis, instalado no Porto Digital de Recife (PE), desenvolve e produz softwares automotivos aplicados ao controle do motor. 

Soluções desenvolvidas em Recife foram adotadas por todo o grupo, incluindo marcas premium como Alfa Romeo, Maserati e Jeep. A mesma aplicação global acontece no Virtual Center da companhia, em Betim (MG), que desenvolve e testa carros em 3D e 4D, com uso de tecnologias de metaverso, realidade virtual e realidade aumentada.

São apenas alguns exemplos do que as nossas montadoras, em parceria com fornecedores e a academia nacional, geram para a nação em termos de pesquisa e produção de tecnologia de ponta, inteligência estratégica e formação profissional. O grande ecossistema automotivo está preparado para fazer ainda mais pelo País.

Pautas contemporâneas

A revolução tecnológica e a corrida pela descarbonização geram oportunidades para que o Brasil amplie sua tradição como um dos mais importantes polos automotivos do planeta. Somos ricos em recursos naturais e humanos, energia limpa, e parques industriais de Primeiro Mundo.

Por que não produzir, localmente, baterias para carros elétricos e exportá-las, com alto valor agregado, em vez de apenas exportar lítio e outras matérias-primas? Por que não produzir, aqui no Brasil, semicondutores, itens eletrônicos estratégicos, para toda a indústria de ponta? Por que não aumentar os investimentos em biocombustíveis, solução limpa que pode ser combinada com a eletrificação?

O Brasil precisa ser ambicioso, ocupar seu lugar de destaque em um mundo cada vez mais competitivo. Isso demanda planejamento e previsibilidade, e só pode ser obtido com visão de futuro, diálogo e harmonia entre o Poder Público e os entes privados.”