Ainda que não tenhamos uma projeção concreta sobre a solução da crise referente à covid-19, já sabemos que algumas transformações impostas pela pandemia vieram para ficar, entre elas, as políticas de mobilidade urbana.
Acredito que algumas mudanças foram tão profundas e evidenciaram benefícios de tal modo que pessoas e empresas perceberam falhas no modelo estrutural antigo e não vão aceitar retroceder.
Vamos pegar o exemplo da política de home office. Pouquíssimas empresas adotavam a prática e as objeções eram quase sempre as mesmas: é difícil disponibilizar tecnologia e infraestrutura para viabilizar a operação do colaborador, a produtividade e os resultados vão cair, entre outros.
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O fato é que muitas empresas se adaptaram rapidamente ao trabalho remoto e, para a surpresa do mercado, a maior parte dos profissionais se sentiu mais produtiva.
É o que revela um estudo realizado pela Pulses, startup de clima organizacional, engajamento e performance. De acordo com o levantamento, 78% dos brasileiros se sentem mais produtivos trabalhando em casa.
A pesquisa foi respondida por 17 mil colaboradores de 179 empresas – 80% delas startups. Para 90% dos respondentes, a comunicação com a empresa e com a liderança vai muito bem. Além disso, 78% afirmam ter uma estrutura razoável para trabalhar.
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Esses dados, evidentemente, nos levam a outros diversos questionamentos. O primeiro deles se refere ao tempo gasto no trajeto casa–trabalho–casa. Os paulistanos, por exemplo, levam, em média, 1h30 todos os dias para ir e voltar do trabalho, de acordo com levantamento da Prefeitura de São Paulo, com base nos dados das Pesquisas Origens e Destino e divulgada no final de 2019.
Tendo em vista a sensação de produtividade e a qualidade de vida no home office, faz sentido para esse colaborador voltar a se deslocar (e se desgastar) todos os dias para ir trabalhar? Será que agora ele vai aceitar essas condições, mesmo sabendo que pode entregar melhores resultados em melhores condições? E poder ficar mais tempo com sua família?
A empresa, por sua vez, descobriu que seu colaborador entrega mais em casa, além de receber a possibilidade de trabalhar remotamente com um benefício. Isso sem falar na redução de custos para as empresas que optarem por operar 100% dessa forma, como está acontecendo agora.
Posto isso, sabemos que boa parte das empresas não vai aplicar de forma integral a política do home office, por diversas razões. Esse cenário nos leva a um segundo questionamento: como os colaboradores vão se deslocar para o trabalho em um cenário de retomada, mas ainda em meio aos riscos da pandemia? Existem algumas alternativas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou recentemente que caminhadas e o uso da bicicleta deveriam ser incentivados, pois são os modais mais seguros e que oferecem o melhor distanciamento social. Sem dúvida, as empresas devem incentivar essa prática, mas também sabemos que elas não serão capazes de atender toda a demanda.
Outra possibilidade é o uso mais consciente do automóvel. De acordo com dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 64% dos carros de São Paulo circulam com apenas uma pessoa dentro. Ou seja, tem muita vaga disponível em carros que possivelmente vão ao trabalho.
No entanto, apenas 6% das empresas concedem programa de caronas ou desconto no estacionamento para quem oferece carona, de acordo com o Índice de Mobilidade Corporativa, estudo publicado no fim de 2019 e que traça o panorama de mobilidade corporativa no Brasil.
Considerando o cenário de pandemia, o que será mais seguro para os colaboradores: se dirigir ao trabalho em um ônibus ou metrô lotados ou de carona, com, no máximo, mais duas pessoas no carro, todos de máscara e vidros abertos?
Pensando ainda mais adiante, quando esta fase for superada: não é muito mais inteligente ocupar mais e melhor os carros? As pessoas viajariam mais confortáveis, o congestionamento iria diminuir e a poluição seria reduzida. Todos ganhariam com essa possibilidade.
Por fim, o fato é que a crise da covid-19 escancarou algumas questões de tal forma que não há mais volta. É óbvio que ninguém está feliz com o isolamento social e todos torcem para volta às atividades o mais rápido possível. No entanto, todos também sabem que o modo de vida que levávamos antes da pandemia nos esgotou. Podemos sair desta muito melhores do que entramos.
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