Segurança de motociclistas é tema sensível na Conferência Visão Zero realizada na Suécia
É a quarta reunião que o governo sueco promove, em Estocolmo, desde que conceito de sistemas seguros para o transporte foi transformado em lei pelo Parlamento, em 1997
Em Estocolmo, capital da Suécia, a segurança viária é levada tão a sério pela população que basta uma pessoa estar a três passos da faixa de pedestres que os motoristas freiam os veículos para ela cruzar a rua. Em uma manhã de sexta-feira de verão, as ciclovias e ciclofaixas da cidade estão repletas de mulheres se locomovendo para os afazeres diários e ainda é notória a educação de quem pilota uma scooter elétrica, ou moped, que têm permissão para circular pelos mesmos caminhos das bicicletas, com a diferença de que quem as pilota não fica pressionando os ciclistas para uma ultrapassagem.
Nesse país da Escandinávia, terra dos vikings, a harmonia no trânsito é resultado de uma política pública transformada em lei pelo Parlamento nacional em 1997, que criou o conceito de Visão Zero, que não admite nenhuma morte ou ferimento no trânsito. A lei estabeleceu que a responsabilidade pela vida de quem usa ruas, avenidas e rodovias deve ser compartilhada por toda a sociedade. Ela foi dividida em dois segmentos: um formado pelos responsáveis pelo desenho, função e uso das vias; outro constituído pela população, com os deveres de seguir as regras do tráfego e de ter consideração, julgamento e responsabilidade no convívio.
Reconhecimento mundial
O Visão Zero tem se tornado uma referência global. A Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial e a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) adotaram o método como uma “vacina” para amenizar a epidemia que mata 1,35 milhão de pessoas e deixa outras 50 milhões lesionadas nos sinistros de trânsito, sendo que 90% das ocorrências são em países de baixa e média renda, e a maioria das vítimas é jovem de até 30 anos.
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Tal parceria foi ratificada, mais uma vez, em Estocolmo, local da última Conferência Ministerial Global de Segurança Viária, em 2020, que colocou o tema definitivamente dentro dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Na última semana de junho deste ano, foi organizada na cidade, pelo Ministério da Infraestrutura da Suécia, a quarta Conferência Visão Zero.
O evento ocupou todo o centro de convenções do Hotel Clarion Sign, com quase duas centenas de especialistas e representantes de governo de todos os continentes, que puderam assistir a debates sobre ações e tecnologias que estão dando certo e que podem ser usadas para atingir um dos objetivos da Agenda 2030, de reduzir pela metade o número de mortes no trânsito.
Brasil na campanha mundial
No intervalo das mesas-redondas, tive a chance de conversar com Shaw Voon Wong, presidente do Instituto de Pesquisa de Segurança Viária da Malásia, sobre segregação de tráfego para motos. Ele explica que, em seu país, faixas são exclusivas de fato, com barreiras físicas separando motos dos outros veículos. Já o modelo de São Paulo, ainda que tenha algum benefício, é só uma pintura no asfalto. Para ele, a redução das mortes viárias só acontece com decisões impopulares. “Os políticos não gostam de fazer isso, pois os motoristas de carro se irritam ao ver motos avançando enquanto eles estão presos no congestionamento.”
Outra boa conversa aconteceu com Jean Todt, enviado especial da ONU para a segurança viária e ex-presidente da Federação Internacional de Automobilismo. Ele informou, em primeira mão, que o Brasil está entre os 80 países que irão receber a campanha publicitária Streets for Lifes (Ruas para as Vidas), protagonizada por celebridades e exibida nos mobiliários urbanos administrados pela multinacional de publicidade francesa JCDecaux, ao longo de dois anos, por quase mil cidades. O lançamento da campanha vai acontecer em setembro de 2023, durante a Semana Europeia de Mobilidade.
Todt espera que a massificação na comunicação tenha efeito principalmente nos países de baixa renda, onde o uso da micromobilidade explodiu com a pandemia de covid-19, “sem que fosse devidamente incorporada a sistemas viários seguros”. Ele avisa que a previsão da McKinsey & Company, de que esse mercado possa alcançar um volume de negócios entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões anuais até 2030, é um indicativo de que as ações precisam ser urgentes. “É preciso haver uma mudança de comportamento”, alerta.
Multa à distância
Quem também trouxe para Estocolmo a preocupação com motociclistas foi Karina Muñoz Matus, secretária executiva da Comissão de Segurança Viária do Chile. Ela revela que houve um crescimento de 180% nas mortes desse grupo em dez anos no país. Por isso, uma das medidas tomadas pela comissão foi criar um plano específico para elas e, assim, quebrar a tendência de alta.
Karina Matus estava empolgada com um resultado do plano chileno definido em 2021. Agora, poderão usar radares e câmeras para controlar a velocidade e aplicar multas à distância, como já é permitido no Brasil. Com isso, espera-se reduzir em até 40% os sinistros e lesões graves.
A chilena é uma das representante de um dos 92 países participantes da Primeira Reunião de Chefes de Agências de Segurança Viária, promovida pela OMS. O encontro funcionou como um workshop de transferência de conhecimento entre nações, mas não contou com a presença do Brasil, devido a um conflito na agenda de Adrualdo Catão, secretário Nacional de Trânsito.
* O jornalista viajou a Estocolmo a convite do governo da Suécia e da OMS
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