“Zona de Alerta”: Uber testa aviso em duas cidades do País

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“Zona de Alerta”: Uber testa aviso e permite que motoristas neguem corridas sem prejuízos

Por: Isabel Lima . Há 14 dias
Mobilidade com segurança

“Zona de Alerta”: Uber testa aviso e permite que motoristas neguem corridas sem prejuízos

Função é testada em duas capitais brasileiras, uma no Sul e outra no Nordeste

10 minutos, 30 segundos de leitura

15/01/2025

Motorista com um celular na mão abrindo o aplicativo da uber
Novidade é vista com descrédito por motoristas. Foto: Adobe Stock

Desde o final de 2024, motoristas autônomos de Fortaleza e Porto Alegre testam uma nova funcionalidade que a plataforma Uber estuda implementar no País. A “Zona de Alerta” visa trazer mais segurança e flexibilidade aos motoristas, mas levanta discussões quanto à sua efetividade e funcionamento. 

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O que é a “Zona de Alerta”?

A “Zona de Alerta” é uma espécie de aviso para sinalizar ao motorista que determinada corrida tem como destino ou origem uma região potencialmente arriscada. Desta forma, o motorista pode optar em não aceitar a corrida, sem ter sua taxa de aceitação prejudicada dentro do aplicativo. 

Quando a Uber identifica que determinada área pode ser arriscada, o endereço em questão aparece em cor laranja com um símbolo de atenção. Conforme a plataforma, um modelo que combina informações públicas georreferenciadas e feedbacks recebidos pela plataforma define essas regiões. 

print screen da tela de um motorista de aplicativo com o destino do passageiro grifado em laranja.
Alerta aparece apenas para o motorista. Foto: Divulgação/Márcio Leite

Apesar da fase de testes da “Zona de Alerta” ter iniciado no fim de 2024, a função não é nova para motoristas que trabalham em diferentes aplicativos. Desde 2017, a 99 Pop estuda e implementa uma função parecida. 

Com o mesmo intuito de oferecer mais suporte aos motoristas, a empresa divulga ter implementado um alarme sonoro, que avisa quando o autônomo está próximo a um local arriscado. Enquanto a Uber ainda não explica o que faz uma localidade merecer o alerta, a 99 afirma que uma região ganha essa classificação pelo histórico de roubos, furtos, se apresentam cruzamentos perigosos, pistas sinuosas ou altos índices de acidente. 

Testes em Fortaleza

Fortaleza, capital do Ceará, foi escolhida como uma das cidades para a implementação dos testes do “Zona de Alerta”. Entretanto, para quem trabalha na cidade, os motivos são fáceis de entender. Conforme Márcio Leite, de 55 anos, 55 motoristas de aplicativo foram assassinados em Fortaleza desde o início das atividades das plataformas de mobilidade urbana na cidade. 

Márcio é membro da Associação de Motoristas de Aplicativo do Ceará e acompanha as notícias envolvendo a violência contra a categoria. Ele afirma que todos os mortos estavam no exercício da profissão e foram alvos de assalto . 

Embora defenda novas medidas de segurança por parte da Uber, Márcio entende a “Zona de Alerta” insuficiente. 

“Praticamente não melhora em nada”

Também motorista na capital e membro da associação, Pablo Araújo, de 32 anos, integrou a fase de teste na segunda semana de janeiro. Autônomo há sete anos, ele opina que a Uber está muito atrasada no quesito segurança. “Praticamente não melhora em nada em relação a segurança. A pessoa pode estar sendo sequestrada em bairros nobres e não vai aparecer [o aviso]”, critica ele. 

Além disso, ele e Márcio pontuam que essa funcionalidade só ajuda um motorista novato que não conhece Fortaleza. Para eles, que conhecem a cidade, entendem que os avisos de “Zona de Alerta” precisam ser analisados com parcimônia. “Não é porque vai estar indo para uma área de risco de que há garantia que vai acontecer alguma coisa com você”, explica Pablo.

Ademais, ambos motoristas relatam que regiões “nobres” de Fortaleza não entram no radar de zonas perigosas. Porém, afirmam que algumas dessas áreas registram casos de sequestro e outros crimes contra motoristas de aplicativo. “Muitos motoristas experientes de Fortaleza sabem onde realmente é de risco e onde não é perigoso. Muitos foram assaltados em áreas nobres, então essa função é subjetiva”, explica Márcio. 

“São várias áreas de risco em Fortaleza, quase Fortaleza toda é uma área de risco”, acrescenta Pablo. Para ele, a utilidade da “Zona de Alerta” é deixar o motorista mais atento. Entretanto, ele não acredita que alguém vai deixar de aceitar uma corrida apenas pelo alerta. Por fim, ele tece críticas quanto a velocidade de implementação da medida por parte da Uber, que já está na cidade há nove anos. 

“Ainda não temos a função liberada de contato direto com a polícia igual São Paulo possui, nem foto do passageiro, difícil dizer se haverá impacto”, pensa Márcio.

“É uma coisa que tinha que ter sido feita antes de mais de 50 motoristas terem morrido. Depois que outros aplicativos fazem, a Uber vem fazer uma coisa que quase não tem utilidade nenhuma”, opina Pablo. A empresa está na cidade desde 2016, há cerca de nove anos. 

Risco de segregação urbana

Tanto Márcio quanto Pablo ressaltam que Fortaleza é uma cidade bastante perigosa, mas que a maioria dos moradores das regiões consideradas de risco são cidadãos, sem antecedentes criminais. Por isso, os motoristas escolhem as regiões que vão trabalhar com base em experiências próprias e trocas de informações com outros motoristas. Dentro do aplicativo, o motorista pode enviar mensagem para o suporte e relatar situações vivenciadas.

Embora a funcionalidade ainda não tenha impactado profundamente o trabalho dos autônomos, há uma preocupação com a metodologia utilizada pela plataforma. Para Sérgio Avelleda , coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper, tecnologias com esse propósito podem amplificar a violência nesses locais. 

Entretanto, o especialista pontua que a solução apresentada por diversas plataformas é um paliativo possível. Mas que a real solução desses problemas precisa do envolvimento do poder público. “A raiz da solução disso está na aplicação daquilo que a gente chama de urbanismo social, que essas comunidades, ao contrário, elas se abram para a sociedade, que o Estado entre nessas comunidades, não só com a polícia, mas com todos os equipamentos públicos e que isso elimine o risco de uma pessoa estranha ser alvejada”, explica Avalleda.

No mesmo sentido, doutor em Geografia e pesquisador na Universidade Federal do Paraá (UFPR), Otacílio Lopes de Souza da Paz reforça que é preciso entender quais são os dados e como eles serão considerados. Isso porque a adoção de uma tecnologia com poder de segregar uma região também traz riscos econômicos. “Essa recusa do motorista em operar algumas áreas pode gerar até um desequilíbrio na oferta e demanda, pode resultar em tarifas bem alteradas, muito altas, em função de uma menor disponibilidade”, conta o pesquisador. 

Otacílio também explica que essas questões serão determinadas principalmente pelos dados utilizados para definir as áreas de risco. Embora a Uber não divulgue quais são os critérios, o especialista conta que é possível supor que haja um banco de dados com informações enviadas por motoristas, ocorrências de segurança públicas, como índices de criminalidade. 

“Uma vez que você tem esses dados, entra na questão da inteligência artificial, vai ter ali uma lógica de machine learning, aprendizagem por máquina, e aí vai vir essa classificação, de quais são essas áreas, esses setores que estão entendidos como de risco, e vai depender se tem um risco elevado, risco mediano”, diz o pesquisador. 

Segundo João Carlos, de 28 anos, dono de empresa desenvolvedora de softwares, a tecnologia funciona de uma forma matemática. Ou seja, ele acredita que a proporção de casos de crimes em áreas “nobres” é menor que em outras regiões. O empresário acredita que é necessário alimentar as inteligências artificiais com mais dados para chegar em uma maior precisão, como, por exemplo, reconhecimento facial e antecedentes criminais. 

Porém, Paz ainda enfatiza que o viés determinado pela plataforma impacta o funcionamento da inteligência artificial por trás da funcionalidade. Conforme o doutor, ainda existe possibilidade das plataformas cruzarem os bancos de dados com informações dos próprios passageiros.

“Como o horário que ela está sendo solicitada, qual é o valor que o passageiro se prontificou a pagar, o perfil do passageiro mesmo, até mesmo a idade, a faixa etária da pessoa, se é homem, se é mulher, questões até de orientação sexual”, ele exemplifica. “Isso entra num campo muito problemático, porque entra numa lógica de uma discussão sobre que tipo de dado que eles coletam da gente, porque existem muitas bases que eles podem construir, como também eles podem comprar de outras empresas”, conclui.

Conforme a Uber informou em nota, o recurso deve ser aprimorado a partir dos resultados e retornos dessa fase de testes.

Outras medidas de segurança

Para além do “Zona de Alerta”, existem outras medidas de segurança que podem ser adotadas por plataformas como a Uber. O motorista Pablo também acredita no reconhecimento facial como uma medida para reduzir os riscos. Ele conta que outros aplicativos já tem essa função para os motoristas, mas acredita que deveria ser expandido para os passageiros. 

“Todo banco, às vezes, quando você vai fazer uma operação depois das 10 horas da noite até depois das 8 da noite, dependendo do valor, a instituição bancária pede para você fazer um reconhecimento facial”, argumenta Pablo.  “A 99, toda vez que você vai trabalhar pela primeira vez no dia, o motorista faz um reconhecimento facial. Ou seja, é uma ferramenta acessível a qualquer tipo de aplicativo”, acredita o motorista. 

Ele ainda acrescenta que seria interessante que o passageiro fizesse esse reconhecimento facial sempre que solicitar uma corrida. Entretanto, Paz alerta para os riscos de implementar uma tecnologia desenvolvida com critérios homogêneos, sem considerar a diversidade da população brasileira. Para ele, é necessário garantir que a inteligência artificial seja treinada considerando as diferenças étnico raciais afim de evitar a propagação da violência. “Novamente, entra naquele viés de conformação, aquele viés que vai reproduzir, né, esses preconceitos da sociedade”, adverte o especialista.

Além disso, Pablo acha que os pagamentos devem ser realizados integralmente pela plataforma, banindo as cédulas. “A pessoa vai pagar automaticamente pelo aplicativo, então essa questão de pagamento seria totalmente isento da responsabilidade do motorista de estar recebendo dinheiro”, explica. 

Pablo também acredita que fica vulnerável quando um usuário pede uma corrida para outro. “Então toca a corrida lá, aí aparece o nome da pessoa, dá conta, aparece o nome da pessoa que vai subir, dizendo que, dizendo algum grau de parentesco, se é avô, se é avó, se é mãe, se é pai, entendeu? Agora pedir para terceiro amigo complica demais”, opina. 

Por fim, o motorista acredita que seria benéfico o fim do tempo de espera após a chegada do motorista. “Muitas das vezes não tem nem local para ficar estacionado e para guardar o passageiro, que tem alguns prédios que não tem zona de embarque e desembarque, você fica ao relento na avenida, aí você pode se envolver no acidente’, explica. 

O que diz a Uber

Ao ser questionada sobre a nova função, seus critérios e funcionamento, a Uber enviou uma nota explicando que está testando o recurso, desenvolvido a partir do retorno dos motoristas à plataforma. “Estamos sempre buscando escutar os motoristas parceiros, testar e implementar recursos que melhorem a experiência deles com o nosso aplicativo, além de oferecer mais flexibilidade e poder de escolha”, diz a nota.

Além disso, a empresa ressalta a autonomia dos autônomos e explica como funciona o novo recurso. “Nesse sentido, um dos grandes focos de melhoria têm sido as informações que os motoristas parceiros recebem para decidir se querem aceitar uma viagem ou não. Com esse objetivo, estamos testando um novo cartão de ofertas que inclui uma sinalização sobre a região de início e/ou final de uma viagem.

Isso significa que, em algumas viagens, o endereço pode vir acompanhado de um ícone de alerta, indicando que, segundo um modelo que combina informações públicas georreferenciadas e feedbacks recebidos pela plataforma, trata-se de uma região potencialmente arriscada.

No momento, esse teste está sendo realizado em duas cidades do país e vamos acompanhar os resultados e feedbacks para continuar aprimorando os recursos de segurança da plataforma.”

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