'Ciclovias da Holanda e da Bélgica são impecáveis'

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‘Ciclovias da Holanda e Bélgica são impecáveis’, diz arquiteta que pedalou 450 km nos dois países

Por: Daniela Saragiotto . Há 5h

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‘Ciclovias da Holanda e Bélgica são impecáveis’, diz arquiteta que pedalou 450 km nos dois países

Após viagem de bicicleta pela Europa, arquiteta paulistana Marina Pereira comenta as diferenças na infraestrutura cicloviária entre esses países e o Brasil

7 minutos, 45 segundos de leitura

20/06/2025

Ciclovia na Holanda_Adobe Stock'
Infraestrutura cicloviária bem cuidada e com sinalização clara foram destaques da viagem. Foto: Adobe Stock

No mês de maio, a arquiteta Marina Pereira da Silva, 35 anos, formada em arquitetura e urbanismo pela FAU Mackenzie, com mestrado em planejamento urbano e regional pela FAU USP, decidiu fazer uma longa viagem de bicicleta pela Europa. Foram aproximadamente 450 km de viagem, a maior parte deles pedalados, passando por nove cidades e dois países: Holanda e Bélgica.

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Durante essa jornada, parte feita com um grupo de amigos, parte pedalando sozinha, a arquiteta vivenciou a infraestrutura cicloviária desses países, a integração do modal com outros meios de transporte e as diferenças em relação ao Brasil. É sobre essa experiência – e aspectos que poderiam ser implementados por aqui – que Marina comenta na entrevista a seguir.

Marina Pereira, arquiteta e ciclista. Foto: Arquivo Pessoal

O que faz a infraestrutura cicloviária da Holanda e Bélgica ser amigável ao ciclista?

Marina Pereira: Em primeiro lugar, ela proporciona segurança ao ciclista. Isso é essencial para que as pessoas se sintam confortáveis em utilizar a bicicleta, e a Holanda faz isso muito bem. Nesse aspecto, destaco três pontos importantes: a forma como fazem as separações entre a ciclovia e as faixas dos demais veículos, o modo como são pensadas as interseções semafóricas e, por fim, a qualidade da pavimentação e a manutenção das vias.

Em relação à separação entre a ciclovia e as faixas, grande parte das vezes o que se vê é uma distância específica que existe, às vezes com um jardim, outras apenas com uma pintura, mas sempre uma distância segura para que, ao abrir a porta do veículo [parado no acostamento], por exemplo, ele não esbarre em um ciclista que esteja passando. E isso é muito interessante, pois o ciclista tem espaço para desviar, se necessário.

Sobre as interseções, elas são muito claras nos cruzamentos e o ciclista tem uma visão ampla de onde ir, de onde parar, onde é mais seguro. É interessante ver como essas interseções são pensadas, como esses cruzamentos são pensados para gerar segurança para o ciclista, pois permite que o ciclista veja e seja visto pelos veículos e também pelos pedestres.

Ciclovias bem sinalizadas e com asfalto impecável. Foto: Arquivo pessoal

E, por fim, destaco a qualidade da pavimentação e a manutenção das vias. O que se vê, tanto na Holanda como na Bélgica, são ciclovias muito bem cuidadas, impecáveis. Dificilmente o ciclista passa por buracos e elas não são como as ciclovias daqui do Brasil, especificamente as ciclofaixas, que são do mesmo nível da via dos veículos. Lá a ciclofaixa é inteira, toda pavimentada.

No Brasil, o que vemos é que metade da ciclofaixa é uma sarjeta quebrada. E nesses países não tem isso, não vemos má qualidade na manutenção dessas vias. E existe um respeito generalizado ao ciclista, e a bicicleta é entendida como parte do sistema de transporte e, digo mais, na hierarquia ela está acima do carro, porque tem prioridade.

Como são as ciclo-rodovias nesses países? O Brasil conta com alguma estrutura desse tipo?

Marina: Em relação a ciclo-rodovias, eu passei por algumas na Holanda que, geralmente, cruzam grandes áreas rurais ou parques. Nesses locais era comum encontrar pessoas caminhando, praticando esportes ao ar livre, corrida e alguns cadeirantes.

Sobre as ciclo-rodovias, não identifiquei nenhuma informação ou sinalização de que elas são exclusivas para bicicletas. Entretanto, lá os automóveis são proibidos. É muito interessante observar como essas estruturas são usadas por pessoas de diversas idades, com vários motivos de deslocamento, seja trabalho, escola ou mesmo lazer.

Nos ambientes em que você dividiu espaço com veículos motorizados, que estratégias são usadas?

Marina: De maneira geral, a principal estratégia usada é a redução dos limites de velocidade. Assim, se for uma área urbana, o limite de velocidade será de 30 km a 40 km; já em áreas rurais o limite é 60 km/h.

Esse é um ponto muito relevante e que gera muita segurança para o ciclista, de saber que aquele veículo não vai transitar numa velocidade maior. E existem outros elementos que acabam ajudando os motoristas a não excederem os limites, que são medidas moderadoras de tráfego.

Alguns exemplos que vi pelo caminho são lombadas, chicanas ou estreitamento de vias. E é interessante observar como essas estruturas funcionam e são respeitadas. Um fato que me chamou atenção foi um caminhão que parou para nosso grupo passar: realmente a prioridade era nossa, mas o caminhão parou e esperou a gente passar com a maior calma.

Como funciona, nesses países, a integração da bicicleta com o transporte sobre trilhos?

Local para ‘estacionar’ bikes em trem na Holanda. Foto Arquivo pessoal

Marina: Tive experiências um pouco diferentes na Holanda e na Bélgica, mas, no geral, os dois países permitem que você leve bicicleta nos trens urbanos e interurbanos. Então, é possível usar a bike no metrô, dentro da cidade, como também para fazer viagens entre cidades e entre países.

No meu caso, eu usei a bicicleta para cruzar os dois países: saí da Bélgica e fui até a Holanda com a bike dentro do trem, mas usei o transporte sobre trilhos apenas no retorno. Nesse meu trajeto, eu tive que fazer algumas baldeações. Então, por ser permitido o uso da bicicleta, você também tem vagões específicos para o modal.

No caso da viagem de um país para o outro [no transporte sobre trilhos], você compra a sua passagem e a da bicicleta, que é um valor mais baixo. E há vagões específicos para você deixar o modal. Na Bélgica eu imaginei que esse vagão estaria muito bem demarcado, mas não encontrei essa sinalização.

Os tempos para você embarcar são curtos, então é um pouco tenso esse processo. No caso da Bélgica, tive mais dificuldade para embarcar porque o trem não era acessível, ou seja, ele não era no mesmo patamar da plataforma, então para embarcar com a bike e com minha bagagem tive uma grande dificuldade. E, ainda, para completar, na baldeação que fiz, o elevador estava quebrado e eu precisei descer muitos lances de escada com a bicicleta, o que me gerou insegurança.

Mas quando fiz a troca para o trem da Holanda, realmente foi a melhor experiência da vida para quem é ciclista. Não tive nenhuma dificuldade em acessar o trem, ele era no mesmo patamar, sem degrau, com acesso tranquilo e informação específica sobre onde deixar e como prender a bike.

Outro aspecto é a forma como eles pensaram e planejaram a estação central da Holanda, em Amsterdam, que é praticamente toda plana e já tem um acesso para uma ciclovia muito fácil. Essa questão do acesso a ciclovias, ambos países têm essa facilidade.

Quais das estratégias que você viu nesses países poderiam ser implementadas no Brasil?

Marina: A primeira é a questão da redução dos limites de velocidade. Isso porque já temos boas experiências no Brasil como a de Fortaleza (CE), que reduziu suas mortes no trânsito. Em São Paulo temos áreas em que a velocidade foi reduzida, mas é algo ainda muito tímido. Na capital paulista, onde nossos índices de mortes e sinistros de trânsito têm aumentado significativamente, isso precisa ser feito com urgência

A redução da velocidade permite ter ruas compartilhadas, o que oferece uma opção à construção de infraestrutura específica, porque nem todas as vias precisam ter ciclovia e ciclofaixas. Outro aspecto que acredito que poderia ser muito interessante por aqui seria a ligação entre cidades pequenas e médias de ciclovias paralelas às rodovias.

Seria muito interessante se as cidades pequenas e médias pensassem em colocar a ciclovia como uma alternativa de transporte, seja para lazer ou mesmo para fins de de transporte. Isso já com foco em um futuro mais limpo, mais verde, lançando mão de uma estratégia boa e barata, porque ter uma bicicleta é bem mais acessível do que ter um carro ou uma moto.

Como você vê a segurança para mulheres ciclistas nos países nos quais você pedalou?

Marina: acho que tem uma diferença muito significativa com o Brasil pelo fato de não se sentir ameaçada, nem insegura. Não tive nenhuma situação de assédio ao longo de toda a viagem, nem mesmo quando fiquei totalmente sozinha na estrada.

Acredito que isso se dá pela presença de outras mulheres pedalando, sozinhas, acompanhas, carregando crianças e isso te leva para uma situação de percepção de segurança. Saber que há outras pesoas fazendo o mesmo que você e encontrar com elas pelo caminho é muito significativo. E tudo isso somado ao fato de que são países com baixa criminalidade.

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