Combustível do futuro: protagonismo do Brasil na produção de biocombustíveis
A jornada para um futuro sustentável passa pela produção dos biocombustíveis, que são alternativas alinhadas a uma transição justa
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16/09/2025

Em 1975, num contexto de crise do petróleo, o Brasil fez uma aposta ousada: criou o Programa Nacional do Álcool e se lançou na vanguarda do uso em larga escala de bioenergia sustentável no transporte. Meio século depois, a decisão ganha novo fôlego. Em um mundo que tenta conter as mudanças climáticas, o País pode voltar a ocupar posição estratégica de protagonista global na produção de biocombustíveis. E o melhor: sem avançar sobre áreas florestais ou já cultivadas.
O desafio é real e colossal. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o setor de transportes responde por quase um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa. Para se chegar a emissão liquida zero, a Agência Internacional de Energia (IEA) diz que seria necessário reduzir essas emissões em 25% até 2030. Para se ter ideia do desafio, 91% da mobilidade mundial ainda depende de derivados do petróleo, uma queda tímida de apenas 3,5 pontos percentuais desde 1975.
Cenário favorável aos biocombustíveis
A eletrificação é uma solução promissora, mas que não substitui, no momento, todas as aplicações dos motores a combustão interna. É nesse cenário que os biocombustíveis voltam a ganhar protagonismo. E o Brasil, com expertise acumulada e potencial agrícola incomparável, tem uma carta na manga.
Em 2024, o País deu mais um passo importante ao sancionar a Lei do Combustível do Futuro. A proposta é clara: incentivar o uso de biocombustíveis, estimular a inovação e ampliar a produção.
Um estudo recente do Itaú BBA mostra o impacto dessa política: a demanda por etanol, biodiesel e óleo de soja como matéria prima para biocombustíveis tende a crescer de forma significativa — e com ela, a necessidade de aumentar a produção.
Vale ressaltar, ainda, que estudos da Embrapa e do Ministério de Minas e Energia apontam para um gargalo importante nessa jornada: a oferta de terras. De acordo com levantamento da Embrapa citado pelo relatório do Itaú BBA, o Brasil possui 28 milhões de hectares de terras com nível de degradação entre intermediário e severo, que podem ser recuperados para produção agrícola — uma área equivalente à da Itália — com potencial para se tornarem produtivas novamente.
Estados como Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará concentram a maior parte dessas terras, avaliadas com base em critérios de infraestrutura, logística e viabilidade agrícola. Ainda segundo o relatório, a estimativa é que, se recuperadas, essas terras possam aumentar em 59% a área plantada de soja e em 34% toda a produção nacional de grãos.
Isso sem comprometer culturas alimentares. Levando em conta a alternância da colheita de milho e soja no mesmo terreno, há um aumento potencial de 52% na produção dessas culturas, que, dentre outros fins, são utilizadas para produzir biocombustíveis.
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Projeto sustentável
Essa transição já começou. Um exemplo é o programa Reverte, lançado pela Syngenta com apoio da The Nature Conservancy e do Itaú BBA. A iniciativa já destinou quase R$ 2 bilhões para recuperar cerca de 262 mil hectares — área equivalente a cinco vezes o tamanho de Porto Alegre.
Em uma clara demonstração da importância que esse tipo de ação tem para o Brasil, o Governo Federal lançou, em maio de 2025, o segundo leilão do Programa Eco Invest Brasil, que subsidia investimentos em projetos sustentáveis. E o foco está no financiamento a projetos de recuperação de terras degradadas.
A jornada para um futuro sustentável passa, inevitavelmente, pelos biocombustíveis, que surgem como uma alternativa alinhada à transição justa, pois podem ser aproveitados em tecnologias já disponíveis nos motores flex, garantindo acessibilidade tecnológica a populações e operadores.
Além disso, a cadeia produtiva dos biocombustíveis pode promover inclusão socioeconômica, gerando empregos em comunidades rurais e urbanas. Assim, os biocombustíveis não apenas impulsionam a sustentabilidade ambiental com a redução da dependência de combustíveis fósseis, mas também fortalecem a justiça social na transição energética.
O Brasil pode ter um papel central nisso, pelo seu potencial para aumentar consideravelmente sua produção sem avançar sobre novas terras – e a parceria entre setores privado e público pode ser a catalizadora desse potencial.
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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