Por que não tem vagão de trem só para mulheres em SP e tem no RJ?
Projeto para criação de ‘vagão rosa’ foi vetado em 2014 na capital paulista
Recentemente, viralizou nas redes sociais um vídeo de um vagão exclusivo para mulheres no Rio de Janeiro. Na publicação, uma passageira mostra o vagão ocupado apenas por mulheres em horário de pico, às 18h15. O post também trazia uma provocação: será que algo assim funcionaria em São Paulo?
A iniciativa, também conhecida como ‘vagão rosa’, está presente em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e Brasília (DF), além de estar em discussões em diversas outras cidades, como Salvador. Em São Paulo, um vagão exclusivo para mulheres já foi realidade, entre os anos 1995 e 1997, gerenciado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
De acordo com Ana Carolina Nunes, pesquisadora e consultora em políticas públicas na Nina, uma plataforma integrada para rastrear denúncias de assédio e violência no transporte público, o projeto foi descontinuado, em parte por causa das reclamações dos próprios usuários.
Segregação não é a solução
Em julho de 2014, o projeto chegou a ser aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo, mas foi vetado um mês depois pelo então governador Geraldo Alckmin. O texto estabelecia que um carro da composição seria exclusivo para mulheres, além de adolescentes e crianças com acompanhantes.
De acordo com o governo de São Paulo, a decisão pelo veto ocorreu após manifestações de movimentos feministas e grupos sociais sob alegação de segregação espacial como uma medida ineficaz para interromper os casos de assédio e abuso sexual. “Foi apenas depois disso que o metrô iniciou os esforços para combater a violência sexual no transporte público”, explica Ana Carolina.
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Em 2015, por exemplo, o metrô de SP passou a implementar seguranças a paisana nas estações para tentar pegar situações de assédio ou violência em flagrante dentro e fora dos vagões.
Vagões exclusivos para mulheres são a solução?
“Os espaços exclusivos dão uma impressão de maior segurança, mas eles não resolvem o problema da violência”, explica a especialista. De acordo com ela, a violência sexual também ocorre em outros locais do transporte público. Além disso, para ela, a dinâmica dos vagões exclusivos favorece a responsabilização da mulher sobre o ocorrido.
“A mulher escolhe se quer entrar no vagão ou não, criando aí uma possibilidade de ser acusada de estar procurando se expor ao decidir não entrar”, afirma. Além da culpabilização feminina, para Ana Carolina, a separação dos homens acontece de maneira muito simplista. “Ao mesmo tempo, trata o homem como essa figura animalizada, que não consegue controlar seus impulsos e, portanto, precisa ser separado”, explica.
Para a consultora, essa estratégia de atribuir a violência sexual a algo como impulso ignora a raiz do problema. “É uma discussão mais ampla sobre a violência como uma consequência da licença social que os homens têm para avançar sobre os corpos das mulheres”, afirma.
Sistema de combate à violência
Clarisse Linke, diretora-executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), acredita que o vagão rosa seria mais eficaz se estivesse incluído em um sistema mais amplo de políticas públicas voltada para mulheres. “Existem necessidades de longo prazo e de curto prazo. Nós precisamos endereçar as necessidades de curto prazo, mas o vagão rosa é ineficiente”, explica.
Este sistema ideal, de acordo com a diretora-executiva, incluiria mais dados de casos e protocolos pré-estabelecidos para lidar com as ocorrências. “Precisamos coletar mais dados e ter mais notificações para poder ter mais confiança no sistema”, explica. Além disso, seria necessário também investir em treinamento específico para as equipes que deverão atender às ocorrências.
Conforme Clarisse, canais de denúncia unificados poderiam ajudar, por exemplo, a entender quem são as mulheres que sofrem abusos, quais horários ocorrem, e como utilizar essas informações de maneira prática. “Agora sem cobradores nos ônibus, por exemplo, a mulher vai denunciar a quem? Qual o protocolo padrão para essas situações? O motorista vai apenas expulsar o acusado do veículo?”, questiona.
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Iniciativas do metrô e da CPTM
O Metrô SP afirmou, em nota, que realiza campanhas de comunicação e preparação dos funcionários operativos para o acolhimento às vítimas e oferece postos de apoio à mulher.
Entre os meses de janeiro e outubro de 2024, os agentes de segurança da empresa detiveram os autores em 79% dos 71 casos registrados, conforme a empresa. No mesmo período do ano anterior, o índice de detenção foi de 78% nas 65 ocorrências.
Em outra iniciativa, Postos Avançados de Atendimento à Mulher Vítima de Violência entraram em operação nas estações Santa Cecília e Luz. O sistema de câmeras das estações também foi utilizado para prevenir e auxiliar na identificação dos suspeitos.
O metrô também informou que os canais de comunicação rápida, como o SMS-Denuncia (97333-2252) e o aplicativo Metrô Conecta, podem ser utilizados para os passageiros informarem qualquer anormalidade ou situação suspeita, como casos de assédio ou violência.
Ações nos trens da CPTM
Em nota, a CPTM informou que realiza ações e campanhas de conscientização aos passageiros e treinamentos para os colaboradores. Além disso, a empresa explica que as câmeras de monitoramento podem auxiliar na identificação do autor, para ajudar na abordagem e prevenção de novos casos no sistema.
De acordo com a CPTM, entre janeiro e outubro deste ano, 71 ocorrências de crimes sexuais foram registradas nas cinco linhas da CPTM. O número representa uma queda de 17% em comparação ao mesmo período de 2023.
Deste total, 58 foram atendidas no Espaço Acolher e em 63 casos (89%) o agressor foi identificado e encaminhado à autoridade policial. O Espaço Acolher funciona desde março de 2020 em 34 estações das cinco linhas. A iniciativa oferece atendimento com privacidade a mulheres vítimas de violência ou importunação sexual no transporte gerido pela empresa.
Em 2023, 86 ocorrências foram registradas nas cinco linhas, com 68 atendimentos realizados no Espaço Acolher. Conforme a CPTM, em 73 casos (equivalentes a 85%), houve a identificação e encaminhamento do agressor à autoridade policial.
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