Tarifa Zero no transporte público promove justiça social
Além disso, segundo Rafael Calabria, coordenador de mobilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o passe livre nos transportes traria aquecimento econômico às cidades
Já praticada em algumas cidades do Brasil, a Tarifa Zero ou passe livre no transporte público é um tema polêmico, que tem sido mencionado com frequência na capital paulista depois de o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciar que estudava sua viabilidade.
Eleitoreiro ou não, o anúncio fomentou a discussão sobre quais seriam suas fontes de financiamento, seus parâmetros para melhorar a qualidade do serviço, entre outros aspectos. Assim, ela é defendida por diversos especialistas do segmento, como Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Confira, na entrevista a seguir, qual é a sua visão sobre a Tarifa Zero.
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É viável, para uma cidade como São Paulo, implementar o modelo Tarifa Zero nos transportes?
Rafael Calabria: Sim, essa é uma medida possível em grandes cidades, porque elas têm maior capacidade para encontrar formas de receita e orçamentos mais robustos. No caso de São Paulo, o desafio seria a relação com outras cidades, como na interação entre São Paulo Transportes (SP Trans), que administra a frota de transporte coletivo por ônibus na capital paulista, e a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), responsável pela região metropolitana. Outra questão seria o Metrô, que já funciona em um nível de demanda alto e cuja oferta teria que ser ajustada, articulando com os ônibus. Seu benefício principal seria a justiça social.
Há estimativa de quanto custaria? E qual deveria ser a fonte de recursos?
Calabria: É muito complexo dar uma previsão real desse custo para a Tarifa Zero, porque os contratos com as empresas operadoras estão passando por uma transição – a da cobrança de pagamento por passageiro pela cobrança por custos. Isso vale a partir de 2023, quando implementarem o Centro de Controle Operacional. Mas, considerando o valor anunciado pela SP Trans, que varia entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões, as estimativas de parceiros nossos é de que a Tarifa Zero aumentaria entre 30% e 50%. Mas é necessário um estudo real e dirigido para precisar o valor.
Qual deveria ser a fonte de recursos para a medida?
Calabria: O ideal seria que a prefeitura encontrasse fontes no próprio setor de transportes, como novas políticas para estacionamento, taxação do transporte individual ou de aplicativos de mobilidade ou mesmo uso de outorgas onerosas, já previstas no Plano Diretor. O município tem muito a fazer nesse sentido, mas o governo federal também poderia encontrar maneiras de contribuir.
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O que se espera de impacto com a implementação da Tarifa Zero?
Calabria: O primeiro e imediato benefício seria o aumento de usuários – pessoas que, hoje, não costumam utilizar o transporte público porque estão limitadas e não podem pagar. É o que o setor chama da demanda reprimida. Esse seria um impacto social importante, aumentando a circulação de pessoas em compromissos como consultas médicas, lazer, educação e outros, gerando um aquecimento no comércio e na economia das cidades.
Também haveria uma redução no uso dos automóveis pelo incentivo ao transporte público coletivo, reduzindo o trânsito e as emissões de gases poluentes na atmosfera. Em Mariana (MG), município que adotou a Tarifa Zero, foi identificado um impacto adicional: como a cidade é muito ampla, as pessoas da zona rural passaram a vender sua produção no centro comercial com o incentivo no transporte gratuito, mostrando que o empreendedorismo também pode ser estimulado.
E como o novo Marco Legal do Transporte Público, que está em discussão, se relaciona com a Tarifa Zero?
Calabria: Ele vem exatamente para jogar luz sobre essas questões e dar diretrizes às prefeituras, no sentido de ter um controle melhor do sistema. Ele sugere que os agentes devem buscar contratos curtos e simples, mas com fortalecimento na gestão e na produção de dados.
O Ministério dos Transportes vai pautar as prefeituras a terem o controle de informações importantes, como viagens não realizadas, custo do sistema, viabilidade do veículo elétrico, e qualificação da gestão e do controle público das empresas e dos serviços, que hoje é muito precária no Brasil. Então, o que vemos, na prática, é a diminuição de linhas periféricas que não são muito cheias, mas que são relevantes, causando a superlotação, entre outros problemas.
O novo Marco Legal tende a mudar tudo isso, propondo novas fontes de financiamento, pagamento do sistema por custo, e não por passageiro transportado, entre diversos outros aspectos. Ele é um debate muito atualizado de um tema fundamental para a sociedade.
Em que fase está o novo Marco Legal e qual é a expectativa para 2023?
Calabria: Seu texto foi resultado de um trabalho conjunto entre o ministério e uma consultoria externa e houve um debate no fórum consultivo que contou com o Idec, empresários, órgãos de transporte, prefeituras, secretários e outros especialistas. Foram cerca de seis meses de discussões e, agora, ele foi para consulta pública. Esperamos que seja debatido com mais entidades, para que haja uma discussão ainda mais ampla, para que tenhamos, no próximo ano, um texto robusto, com muitas ideias para mudar todo esse cenário do transporte.
Eu diria que predomina um desprezo neste setor, na medida em que as prefeituras deixam a atribuição de cuidar de todo o serviço, que é fundamental para a sociedade, para as empresas. Há uma transferência de responsabilidades do setor para as empresas privadas. E isso tem que mudar. E o novo Marco Regulatório vem nesse sentido, para tentar qualificar as gestões municipais com o apoio federal.
Esse aspecto é importante, porque esse apoio federal pode ser tanto financeiro, quanto com treinamento, como realizando cursos e capacitações, para que as cidades consigam fazer o controle dos seus contratos da melhor forma, ou assumir parte do serviço, como assumir a frota e contratar a operação, ou o contrário, com a possibilidade de contratos mais flexíveis e uma forma de controle mais completa sobre o sistema.
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