“Em cinco anos, carros a combustão e elétricos vão ter preços parecidos”

Segundo Marina, os motores a combustão ficarão cada vez mais eficientes e devem se manter em produção por muito tempo. Foto: Leo Souza/Estadão

12/01/2022 - Tempo de leitura: 14 minutos, 58 segundos

Em mais uma entrevista da série Estadão Mobilidade Insights, Marina Willisch, vice-presidente de Relações Governamentais e Comunicação da General Motors América do Sul, fala sobre inclusão, avalia o plano global de eletrificação da empresa e deu até um pequeno spoiler sobre a nova picape Montana.

Como você avalia o desempenho da GM em 2021, diante de dificuldades como a continuidade da pandemia e a falta de componentes que, inclusive, fez paralisar a produção das fábricas da empresa no Brasil?

Marina Willisch: Para a GM, 2021 foi um ano de superação, de crescimento, de desafio. A continuidade da pandemia e a falta de componentes para a produção de veículos foram dificuldades importantes. Mas a gente enfrentou esses desafios e avançou. Questões como conectividade e segurança nos carros ficaram ainda mais evidentes. Nesse sentido, a marca Chevrolet soube enxergar isso e se antecipar às necessidades do consumidor.

Temos o Onix, o Onix Plus (sedã) e o (SUV) Tracker, que oferecem modernos sistema de conectividade e, além disso, apresentam um dos melhores níveis de eficiência energética do mercado.

Também lançamos a S10 Z71, uma picape que foca o cliente mais jovem e o do setor de agronegócio, que não parou, mas cresceu ainda mais mesmo em meio à pandemia. Assim, é claro que 2021 foi um ano muito difícil, mas a gente mostrou que tem capacidade de adaptação e sabe entregar o que o consumidor quer.

O que a GM Brasil faz para convencer a matriz de que o País é o local ideal para produzir um novo veículo e para implementar mudanças nos processos da operação?

Willisch: Qualquer processo decisório para trazer uma inovação, fazer um investimento ou criar um novo produto, é feito de forma colegiada. Ouvimos as áreas técnicas, o consumidor e outros agentes importantes do mercado.

Depois, testamos a melhor maneira de chegar ao resultado esperado. A nova geração da Montana, por exemplo, é um produto incrível. É um carro que vai agradar sobretudo pessoas como eu, que carregam um monte de coisas para todo lado e têm família grande. Não posso falar mais para não dar spoiler.

Além disso, no caso de um novo produto, temos de convencer a direção de que o carro tem de ser produzido aqui. No Brasil, a marca Chevrolet é muito bem aceita pelo consumidor. E temos uma área de engenharia muito forte. Acabamos de abrir 250 postos na engenharia, o que nos dá muita força.

O Brasil tem uma capacidade humana enorme e muito técnica, especializada e comprometida, o que nos dá uma grande vantagem competitiva. Além disso, praticamente todos os fornecedores estão no País e têm nível de excelência, tecnologia e capacidade de produzir e inovar junto com a gente.

Há alguma decisão que você tomou em 2021 e que, se pudesse, faria diferente agora? E quais foram as lições aprendidas?

Willisch: Há várias coisas que a gente faz e depois percebe que poderia ter feito diferente. Mas acredito que tivemos mais acertos do que erros. Além disso, aprendemos com os erros, o que faz com que a gente acerte mais por não cometer o mesmo erro de novo.

Em 2021, fortalecemos o processo de ampliação da diversidade, inclusão e equidade. Implantamos o trainee exclusivo para pessoas negras, o primeiro do setor automotivo. A General Motors, por definição, é uma junção de várias culturas e países. Portanto, buscamos criar ações afirmativas para seguir o caminho da equidade.

Outro projeto que mantemos firme há 20, 30 anos, é o do empoderamento feminino. Os diretores e vice-presidentes falam muito sobre esse assunto (bem mais do que eu), sobre lideranças femininas nas áreas de manufatura e engenharia, e criam ações afirmativas, que favorecem a busca por maior equidade. Em 2021, a GM também ofereceu grande apoio em relação à saúde mental do time.

Houve o fechamento de fábricas e escritórios, muitas pessoas ficaram doentes, tivemos de lidar com a perda de colegas e familiares. Um colaborador do RH, que é muito inovador, trouxe professores da USP que nos ensinaram a lidar com temas como ansiedade e luto. Minha avó tinha 105 anos e faleceu logo após o início desse projeto.

Eu, que não sei lidar com o luto, desabei no meio de uma reunião e sem me envergonhar com isso. Sempre achei que tinha de ser forte, mas aprendi muito graças ao nosso programa. Entendemos que nossos funcionários têm de estar bem, que ninguém deve se sentir oprimido. Acertamos ao olhar o lado humano, o que permitirá continuarmos inteiros mesmo após anos muito difíceis.

“Outro dia, saí da GM com um Bolt que estava com 350 km de autonomia e cheguei em casa com 370 km. Isso é mágico.” Foto: Leo Souza/Estadão

Você tem uma carreira brilhante. Fez um excelente trabalho na Mercedes-Benz, foi convidada para trabalhar na GM e é a primeira mulher a assumir a posição de vice-presidente no Brasil. Você já foi tratada de forma diferente por ser mulher?

Willisch: Olha, o machismo existe. Já me prejudicou? Não. Aconteceram coisas que notava, mas que não me afetaram diretamente. É por isso que temos de fazer ações afirmativas. As pessoas que não são maioria num ambiente têm de se ver lá. É menos para os outros e mais para a própria pessoa.

Quando fiz a faculdade de Direito, havia mais mulheres do que homens. Minha mãe virou juíza muito cedo e, naquela época, não havia muitas mulheres no cargo. Minha família sempre foi mais matriarcal. Minhas bisavó e avós trabalhavam e tinham voz ativa.

Empoderamento é ter voz, seja no trabalho ou em qualquer outro lugar. Mas há histórias engraçadas. Na Mercedes, eu era nova na empresa, tinha uns 28, 30 anos e cheguei bem cedo para uma reunião com vários engenheiros e tal. A reunião nunca começava e alguém perguntou o motivo do atraso. “Estamos esperando o sr. Willish”, alguém respondeu. E eu disse: “O sr. Willish está aqui”.

É o sobrenome do meu marido e eu tenho essa cara de brasileira. Todo mundo riu. Mas talvez isso não acontecesse se eu fosse um homem. E como a história de não falarem palavrão quando estou por perto. Me sinto na responsabilidade de também não falar. Ou já saio falando primeiro. Uma vez, eu estava saindo aqui do prédio e veio o segurança com um guarda-chuva. Eu disse: “Pode deixar, meu cabelo é assim mesmo. Pode molhar que não tem problema”. Quis mostrar que pode ser homem, mulher, tanto faz. Não somos bibelôs.

A gente não precisa ser tratada de forma diferente. Inclusão é isso. Basta não tratar diferente porque é uma mulher, um negro, um LGBT. É só não ficar exaltando a diferença. Conversei muito com pessoas que tratam e lideram ações afirmativas com pessoas com deficiência. Eles disseram que a última coisa que a pessoa com deficiência quer é ser vista como ímpar por causa da sua deficiência. É a mesma coisa.

Não quero ser tratada como mulher. Ser mulher foi fácil. Não precisei fazer nada para ser assim. Já enfrentar algumas coisas sendo mulher pode ser mais difícil. Uma vez participei de um treinamento nos Estados Unidos ministrado por uma russa. Ela disse que eu era um rottweiler num corpinho de chihuahua. Essa é a melhor definição que fizeram sobre mim. Tem muita menina que me pergunta: “Como que você consegue ser executiva e ainda cuidar de casa?”. Eu respondo: “Quem disse que eu consigo? Vai lá na minha casa pra você ver a bagunça que é”. (risos).

Então, não tem problema não ser perfeito. Uma hora vai cair uma peteca, um pratinho, e está tudo certo. O negro não tem de ser o melhor funcionário, a mulher não precisa ser a que mais trabalha, que mais dedica. Tanto faz a cor da pele, a orientação sexual, o gênero. Todos devem ser tratados da mesma forma.

Mas a gente só vai ter inclusão realmente, como diz uma negra, que é chefe de uma das áreas da engenharias da GM, só vai ser uma empresa 100% inclusiva, quando as pessoas, que são as supostas minorias, forem convidadas para festa para dançar, participem da organização da festa e vençam como se ninguém estivesse vendo. Amei essa definição Na GM, sempre me senti muito acolhida e empoderada. Tive sorte de vir de uma família em que as mulheres têm mais poder que os homens — meu pai certamente vai concordar comigo.

A diversidade e a inclusão não são favores. Empresas, pessoas e governos não fazem esse tipo de ação porque são bonzinhos. Não é só uma questão social, mas, principalmente, é uma estratégia de negócio. Precisa ter os dois, diversidade — que é óbvio — e inclusão, para ter voz, elas poderem falar, ter ideias, acho que isso é superinteressante e legal no processo decisório, porque, como falei da GM, você tem pessoas, culturas, países, gêneros, formações diferentes, tem uma diversidade de pensamentos diferentes; e, como debate — porque gera debate — a conclusão é melhor, porque você escuta todos e escuta o negócio de todas as perspectivas, e isso deixa a gente mais forte.

E tá aí o segredo da inovação e pioneirismo. Agora, sobre as ações afirmativas, espero ter até mais, para a gente evoluir ainda mais rápido e melhor. Quando o gerente de inovação da área ferramental, enquanto pensávamos como construiremos respiradores, ele foi até o governo federal com outras empresas, liderando essa iniciativa. Eu dizia a ele se ele tinha ideia do que ele estava fazendo — porque, para nós, era como tivéssemos criando a roda — e ele disse que podia consertar mais de 2 mil respiradores que estavam parados em alguns hospitais. Achei demais. Eu sou muito fã dele.

E ainda montamos uma fábrica de máscaras em três semanas, que fazem as máscaras que a gente usa; importação de carros, doação de alimentos, tudo isso foi uma superação. Quando a gente ajuda, a gente também se ajuda, para de pensar nos problemas e a pensar mais nas pessoas. Isso me ajudou muito. E ainda ver o Instituto GM e o Banco GM ajudando muito, foi bem legal.

“Para o setor continuar crescendo, é preciso reduzir tudo que gera o chamado custo Brasil.” Foto: Leo Souza/Estadão

 
Independentemente de quem esteja na cadeira de presidente da República em 1º de janeiro de 2023, o que o governo precisa fazer para fomentar o desenvolvimento do Brasil em geral e da indústria automobilística em particular?

Willisch: Para o setor continuar crescendo, é preciso reduzir tudo que gera o chamado custo Brasil. A GM identificou onde estão todos os entraves. Entre outras, há questões tributárias, logísticas e administrativas. Isso dificulta a vinda de investimentos, que exige um esforço dantesco.

No Direito, a gente aprende que a burocracia é o processo da administração. É necessário para garantir controle, mas deve ser simples. Abrir uma empresa no Brasil leva seis meses. Uma empresa do tamanho da GM, com toda a estrutura que ela tem, enfrenta dificuldades por causa da burocracia. Imagine para uma empresa pequena, que está começando? Se a burocracia é simples, fica mais fácil manter os investimentos e atrair novos investidores.

Tem de parar de perder tempo e energia com o que não importa. Quando você vai comprar um carro, um serviço, um software ou o que for, quer pagar pelo que é tangível, mas 50% do preço do carro é imposto. Também é preciso reduzir a carga tributária. A tributação deve ser feita de forma mais inteligente, com foco na produção, no desenvolvimento, e não apenas no consumo. Eu acredito no Brasil. Tenho 42 anos e não sou saudosista.

O País vem evoluindo muito. Lembro que, quando criança, juntei dinheiro para comprar uma Barbie, mas, no mês seguinte, o preço havia subido tanto que não dava para levar. Pedi ao meu pai que me desse a mesada em dólar. Há vários e sérios problemas e dá para melhorar.

A responsabilidade é de todos. Sou muito ligada à sustentabilidade. Até pela minha formação e por ter família na Alemanha, vejo que a preocupação com o meio ambiente é muito enraizada por lá. O governo também deve ter uma política pública nacional de proteção do meio ambiente, que valorize nossas reservas e recursos. O Brasil é um país maravilhoso e temos de aproveitar isso em todas as áreas. No nosso setor, é fundamental haver regras que facilitem e estimulem o uso de carros menos poluentes. Quem mora em cidades grandes, como São Paulo, por exemplo, vê como isso impacta o dia a dia.

Há alguns movimentos nessa direção. São Paulo reduziu o ICMS para veículos elétricos. Outras marcas estão investindo na implantação de postos de recarga de carros elétricos. A GM vem apostando fortemente na eletrificação nos EUA. Como será isso no Brasil?

Willisch: Não arriscaria fazer previsões, mas a GM tem uma visão de futuro com zero acidentes, emissões e congestionamentos. Isso é um plano global, do qual o Brasil faz parte e vem sendo executado desde 2017. Estamos trabalhando para entender qual tipo de carro o consumidor quer.

O que o faria trocar o modelo a combustão pelo elétrico? Para isso, o consumidor precisa saber quais são as vantagens do veículo elétrico. Além de não poluir, esses modelos são silenciosos, confortáveis e conectados. Há os pilares da tecnologia e do desenvolvimento, bem como o investimento em baterias.

Atualmente o carro elétrico ainda é caro. A GM está fazendo um grande investimento em fornecedores e startups para, por exemplo, reduzir os custos das baterias. Em cinco anos, teremos carros elétricos com preços próximo aos similares com motor a combustão. A escolha será feita pelo tipo produto, e não pelo preço.

A tecnologia já existe, mas exige investimentos para que haja produção em massa. Outro pilar é a infraestrutura, que ainda é incipiente e precisa de incentivos. Sociedade civil, empresas e governo têm de se unir para isso virar realidade. Estamos conversando com o pessoal da ABVE sobre estudos para implantação de carregadores de carros elétricos.

Outro dia saí daqui com um Bolt que estava com 350 km de autonomia e cheguei em casa com 370 km. Isso é mágico. Mas, claro, é preciso experimentar. Quem experimenta, acha demais. Estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm interesse em tornar a eletrificação uma realidade. Querem parcerias. Atualmente, o veículo elétrico é muito pensado para centros urbanos, mas precisa haver postos de carregar.

O plano da GM é neutralizar suas emissões de carbono em 2040. E as  empresas preocupadas com sustentabilidade já pedem carros e vans elétricos. No lançamento da S10 Z71, no Pantanal do Mato Grosso, vimos que a maioria das pousadas têm placas para captação de energia solar. Há também fazendas e sítios.

Ou seja, mesmo quem mora em regiões isoladas pode ter veículos elétrico e recarregar em casa, com energia limpa e a baixo custo. Ou seja, no futuro, empresas como a Vale, que está no meio do Pará, vai poder recarregar o Actros (caminhão da Mercedes-Benz) elétrico dela com energia limpa e barata. Porque não faz sentido você plugar um carro na tomada e a energia ser gerada por termoelétricas.

De 2019 para 2020, a produção de energia eólica e solar no Brasil cresceu em 200%. O País tem mais de 7 mil km de litoral, com vento e sol praticamente o dia todo. Temos boa incidência de luz das 6h até perto das 20h.

Na Europa, alguns países tem apenas cinco horas de luz solar por dia e geram energia fotovoltaica. Além disso, cada veículo elétrico compartilhado tira oito com motor a combustão das ruas. Ou seja, isso melhora o trânsito, reduz as emissões e até o número de acidentes, pois há menos veículos nas ruas.

Seja como for, os carros a combustão vão perdurar no Brasil por bastante tempo. E não tem problema, uma vez que estamos melhorando a tecnologia desses motores. A GM foi a empresa com o melhor desempenho de eficiência energética no Inovar Autor. Reduzimos em 22% as emissões de nossos carros. Com o PL7 (nova fase do programa de redução de emissões, que entrou em vigor em 1º de janeiro), chegamos a, em média, 43% de melhoria da eficiência energética por produto. Todas as fabricantes do setor vão migrar para a eletrificação.

Se você pudesse dar um conselho para a Marina que acabava de se formar há pouco mais de 20 anos, qual seria?

Quando eu estava estudando na Alemanha, um brilhante professor de Sociologia disse que as pessoas deveriam se preparar para a vida como se fossem atletas, mas tendo em mente que não saberiam em qual tipo de modalidade iriam competir. Então, eu diria para fazer tudo que estiver ao seu alcance.

As coisas mais importantes são a adaptabilidade e a resiliência. Eu diria para aquela Marina que a vida dela seria intrigante.