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Ganham mais, mas vivem pior: o paradoxo dos entregadores e motoristas de aplicativo

Por: Arthur Caldeira . Há 2 min
Mobilidade para quê?

Ganham mais, mas vivem pior: o paradoxo dos entregadores e motoristas de aplicativo

Estudo do IBGE mostra que ganhos mensais acima da média escondem jornadas longas, rendimentos por hora mais baixos e alta informalidade

4 minutos, 7 segundos de leitura

28/10/2025

Ganham mais, mas vivem pior: o paradoxo dos entregadores e motoristas de aplicativo
De acordo com pesquisa do IBGE, 84% dos entregadores de plataforma estão na informalidade, sem férias, 13º ou proteção social. Foto: Adobe Stock

“Ligo os aplicativos às 7h e volto para casa lá pelas 18h, 19h”, conta Lucas Gabriel Silva de Souza, 24 anos, que, desde 2022, usa sua motos todos os dias para fazer entregas. Sua rotina resume a realidade de milhares de entregadores e trabalhadores de aplicativo no Brasil: jornadas extensas, renda aparentemente maior e quase nenhuma proteção.

De acordo com a pesquisa “PNAD Contínua – Módulo Trabalho por meio de Plataformas Digitais 2024”, divulgada pelo IBGE em 17 de outubro, os chamados “plataformizados” recebem, em média, R$ 2.996 por mês – 4,2% a mais que os não “plataformizados”. Mas, quando a conta é feita por hora, o quadro se inverte: R$ 15,40 contra R$ 16,80. O ganho mensal só é maior porque a jornada é mais longa: 44,8 horas semanais, 5,5 horas a mais do que os demais ocupados.

Leia também: Número de trabalhadores por app e plataformas no Brasil salta 25,4% em 2 anos

A pesquisa, ainda experimental, considera quatro tipos de plataformas digitais: aplicativos de táxi, transporte particular de passageiros, entregas de comida e produtos, e prestação de serviços gerais ou profissionais.

Corrida contra o relógio

“Rodar só com um app não compensa”, diz Lucas, que mora em Cangaíba, na zona leste da capital paulista. Ele só folga quando chove, porque a moto “desliza muito”. Para compensar, busca fazer mais de uma entrega para um destino: “Do Brás sai muita entrega para o interior, na região de Sorocaba. Tenho que pegar mais de uma para valer a pena. Compensa quando paga R$ 1,50 por quilômetro”, explica.

Veja também: 41% dos trabalhadores de aplicativo no Brasil não consegue pagar as contas

Segundo o IBGE, motociclistas inseridos nas diversas plataformas que existem no País recebem em média R$ 2.119, contra R$ 1.653 dos não plataformizados. A diferença se explica, em parte, pela jornada mais extensa: 45,2 horas semanais, 3,9 horas a mais que outros motociclistas profissionais.

Renda ilusória

Para o professor José Dari Krein, do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), essa renda maior é ilusória. “A renda recebida não inclui benefícios aos quais os plataformizados não têm acesso, como 13º salário, férias e adicional de um terço”, explica.

A vantagem salarial dos trabalhadores de plataforma caiu de 9,4% em 2022 para 4,2% em 2024. “As pessoas suportam essas rotinas extenuantes por um tempo, mas isso traz sequelas. Mais de oito horas por dia é prejudicial para a vida humana”, critica Krein. Para ele, não há justificativa para não reconhecer os trabalhadores de aplicativo como empregados com direitos.

Informalidade e riscos

A pesquisa revela também a fragilidade do modelo: 71,1% estão na informalidade, contra 43,8% dos demais ocupados. Apenas 35,9% contribuem para a Previdência, ante 61,9% dos não plataformizados. Entre os entregadores de moto, a situação é ainda pior: 84% não contribuem, embora estejam expostos a riscos constantes.

“Meu esposo não queria que eu fizesse entrega. Ele é motoboy e falou que era perigoso”, conta Valdirene Gonçalves da Costa, 25 anos, que trocou o emprego formal em uma padaria pela rotina de entregadora nos aplicativos de delivery de comida. Em 2018, seguindo os passos do então namorado, “tirou a CNH e foi para a rua”, diz. 

Valdirene representa uma minoria entre os entregadores de aplicativo. Apenas 16,1% dos plataformizados são mulheres, contra 41,2% entre os não-plataformizados. O trabalho de entregadora começou como uma renda extra, mas tornou-se a principal fonte de renda. 

Atualmente, ela faz dois turnos: das 11h às 14h e das 18h às 22h. Trabalha menos, mas ganha mais do que quando era balconista em uma padaria. “Não foi tanto pelo dinheiro, que é pouco, mas pela flexibilidade para estudar”, conta. Ela pretende cursar a faculdade de Recursos Humanos e deixar os apps. “A gente se expõe muito ao risco”, diz a entregadora que reclama também da falta de pontos de apoio. 

Autonomia relativa

Apesar de 78,5% dos motoristas de aplicativo afirmarem ter liberdade para escolher dias e horários, 91,2% disseram que o valor recebido é definido pela plataforma. Entre entregadores, 70,4% relataram que o prazo de entrega é imposto pelo aplicativo. Mais de 30% citaram ainda o temor de punições ou bloqueios.

“Embora exista a percepção de flexibilidade, as plataformas exercem um controle importante sobre a organização do trabalho e sobre a remuneração, o que relativiza a ideia de autonomia”, avalia Gustavo Geaquinto, analista do IBGE.

Cristiano Bezerra da Silva, 47 anos, motorista de aplicativo há oito anos, confirma a sensação de insegurança: “A gente fica no escuro, nunca sabe quanto vão descontar. Eles dizem que é 25%, mas é sempre mais”. Cristiano faz parte da minoria que contribui para a Previdência. “Se acontece um acidente, se eu fico doente, pelo menos tenho para onde correr. Além disso, não vou conseguir trabalhar nesse ritmo para o resto da vida”, conclui, relatando jornadas de pelo menos 11 horas diárias.

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