Era do cada um por si acabou. Interoperabilidade é o ponto de virada da mobilidade elétrica no País
A lógica colaborativa, fluida e criativa que deve inspirar o futuro da mobilidade elétrica no Brasil. Interoperabilidade não significa abrir mão do protagonismo
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07/06/2025

Em 1994, surgia no Brasil o Banco24Horas. Pela primeira vez, clientes de diferentes bancos podiam sacar dinheiro no mesmo caixa eletrônico, sem se preocupar se o terminal “era do seu banco”. A década seguinte viu as operadoras de celular se unirem em torno de outro avanço estrutural: o roaming. Era o fim da ideia de que um chip só funcionava na “área de sua operadora”. O usuário ganhava liberdade e o mercado, escala.
Foi esse tipo de movimento que ajudou bancos e operadoras a crescerem juntos e a se tornarem gigantes. Não porque deixaram de competir, mas porque entenderam que, em certas infraestruturas, competir sozinhos significa perder juntos.
Agora, em 2025, a mobilidade elétrica brasileira dá seu próprio passo nessa direção.
Pelo aplicativo BYD Recharge, desenvolvido pela Tupi, os motoristas agora podem recarregar também na rede da EZVolt — que segue operando com seu próprio app — além de outras 250 redes já integradas ao ecossistema da Tupi. Na prática, são mais de 1.500 pontos de recarga conectados e à disposição dos motoristas de veículos eletrificados em todos os Estados do Brasil. Mais do que um avanço técnico, é o primeiro passo concreto rumo à interoperabilidade no País. Um movimento que simplifica a vida de quem dirige elétrico e conecta, de fato, as principais redes do Brasil.
Parece simples. Mas não era
A realidade até aqui era outra: redes fechadas, sistemas isolados, pouca troca de dados e muita fricção para o usuário. O motorista precisava planejar a recarga como quem faz conexão aérea com companhias diferentes e torcer para não ficar na mão ou no meio do caminho.
A interoperabilidade rompe essa lógica. Permite que diferentes players compartilhem infraestrutura tecnológica, mantendo seus modelos de negócio e identidade de marca, mas cooperando onde o usuário mais precisa: na experiência.
Mais do que um recurso técnico, trata-se de um avanço do ecossistema. É o mercado dizendo que o inimigo não é o concorrente. É o atrito. É a experiência fragmentada. É a dificuldade do consumidor em entender como e onde carregar. É o risco de o carro elétrico parecer complicado demais e sua adoção não decolar.
E é por isso que este anúncio importa.
Interoperabilidade já é realidade
Pela primeira vez, três líderes do setor — a maior montadora de carros eletrificados do mundo (BYD), a maior rede de recarga pública do Brasil (EZVolt) e a principal startup de tecnologia em mobilidade elétrica da América Latina (Tupi) — deixam de falar sobre interoperabilidade para torná-la realidade. A iniciativa sinaliza uma maturidade inédita do ecossistema. É o início de um novo ciclo: o da co-construção.
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E, se a história dos bancos e das operadoras serve de pista, é esse tipo de movimento que muda o jogo.
Talvez a melhor forma de compreender a lógica da interoperabilidade esteja fora do universo dos negócios, mas, ainda assim, numa invenção genuinamente brasileira, nascida da criatividade à beira-mar: o frescobol.
Criado em Copacabana na década de 1940, o frescobol é um dos raros esportes em que não se joga um contra o outro, mas com o outro. O objetivo não é vencer o parceiro, e sim manter a bola no ar. Quanto mais tempo ela permanece em jogo, melhor para todos os envolvidos, que ganham juntos.
É essa lógica, colaborativa, fluida e criativa que deve inspirar o futuro da mobilidade elétrica no Brasil. Interoperabilidade não significa abrir mão do protagonismo. Significa reconhecer que o verdadeiro protagonismo está em manter a bola no ar e o jogo em movimento. Para todos.
A era do cada um por si ficou sem bateria.
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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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