Se as cidades brasileiras quiserem entrar definitivamente na rota da inclusão social e da mobilidade urbana, eles devem, então, adotar a bicicleta como parte da solução do ir e vir das pessoas.
Essa foi a conclusão unânime dos participantes do painel “Quais são os caminhos para a construção de cidades diversas, inclusivas e democráticas”, realizado no segundo dia do Parque da Mobilidade Urbana (PMU).
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“A bicicleta é alternativa eficiente, limpa e econômica, mas precisa de estrutura, como espaços amplos e estacionamentos seguros durante a jornada do usuário”, afirma Iuri Moura, gerente de desenvolvimento urbano do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), mediador do debate, que contou com as participações de Fábio Ney Damasceno, secretário de Mobilidade e Infraestrutura do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional dos Secretários do Transporte (Consetrans), Renata Falzoni, arquiteta cicloativista e criadora do canal Bike É Legal, e Cadu Ronca, diretor do Instituto Aromeiazero.
Durante sua apresentação inicial, Moura falou da importância de fomentar a integração entre os modais de transporte. “Hoje, de 70% a 90% dos espaços nas vias são destinados aos automóveis. É preciso pensar no pedestre e estimulá-lo a caminhar”, diz. “O transporte coletivo também assume papel fundamental. Se for rápido e acessível, torna-se opção atraente para evitar o transporte individual.”
Moura destaca que os padrões de mobilidade urbana são influenciados por aspectos sociodemográficos. O homem tem uma vida mais linear, basicamente dirigindo da casa ao trabalho. Já a mulher precisa se desdobrar, com paradas na creche dos filhos, no mercado e no banco, por exemplo. “Esses fatores devem ser considerados para que toda a população seja atendida”, defende.
A pandemia de covid-19 acarretou o agravamento da crise da mobilidade urbana e o consequente aumento nos congestionamentos e nas emissões de poluentes, que trouxeram perdas sérias para a economia mundial. “Baseadas nesse cenário, cerca de 100 cidades europeias implantaram ações para favorecer o uso de bike”, aponta Moura.
Ele dá alguns exemplos: a utilização de bicicleta cresceu 8% na Europa e 16% nos Estados Unidos. A Cidade do México, capital mexicana, aumentou as ciclovias em 350%, e Bogotá, capital da Colômbia, criou 84 quilômetros de ciclovias emergenciais – 34 deles tornaram-se permanentes.
O Brasil também vem adotando medidas importantes. Segundo Fábio Ney Damasceno, sete munícipios da região metropolitana de Vitória, capital do Espírito Santo, estão implementando políticas acessíveis de transporte, que impactam 2 milhões de moradores.
Uma das principais obras é a revitalização do Sistema Aquaviário, que liga as cidades de Vitória, Cariacica e Vila Velha. As embarcações são confortáveis, terão preço unificado e permitirão o embarque das bicicletas dos usuários, que, ao chegar ao destino, poderão seguir viagem pedalando nas ciclovias.
“Também transformamos uma via totalmente degradada em 7 quilômetros de ciclovia, toda iluminada e com pista bidirecional de 2,5 metros de largura”, salienta o secretário. Ele acrescenta que estacionamentos de carros deram lugar a duas praças, com espaço para bikes, pista de skate, academia para idosos e iluminação pública.
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Para Cadu Ronca, os ciclistas vivem uma situação bastante vulnerável nas grandes cidades. “A infraestrutura não se resume às ciclovias e ciclofaixas. O uso da bike é uma política transversal, porque envolve diversas secretarias. Precisamos ter mais segurança viária e pública, pontos de recarga para as bikes elétricas, além de conforto e iluminação nas vias”, afirma.
Ronca acredita que ainda há muito por fazer em uma cidade como São Paulo, como a instalação de racks para transportar bicicletas nos ônibus e adaptação de rampas no lugar de escadarias, tão comuns em vários pontos do município. “Só assim conseguiremos atrair mais ciclistas”, diz.
Renata Falzoni, uma das maiores defensoras da bike em favor da mobilidade urbana mais democrática, vê dificuldades no panorama atual: “É mais fácil alterar a trajetória de um planeta do que mudar uma cultura enraizada nas pessoas. Quem está fora do automóvel é marginalizado”, revela.
Para ela, se os governos quiserem tratar os temas de inclusão nas cidades, mobilidade urbana e transporte público, terão, então, de colocar, necessariamente, a bike no centro da discussão. E dispara contra os automóveis: “Carro ocupa espaço, polui, mata e segrega”, salienta. “A bike é a única máquina inventada pelo ser humano que multiplica energia. Ela acalma o trânsito e cria um ambiente saudável.”
Falzoni defende que as crianças devem ser incentivadas a pedalar desde cedo. “Os pais precisam parar de falar que a rua é um lugar “perigoso”. Perigoso é quem está ao volante dos veículos, que desrespeita outras maneiras de locomoção. A solução da mobilidade urbana tem de partir, necessariamente, da inclusão de mulheres e crianças”, conclui.
“A infraestrutura não se resume às ciclovias e ciclofaixas. O uso da bike é uma política transversal, porque envolve diversas secretarias. Precisamos ter mais segurança viária e pública, pontos de recarga para as bikes elétricas, além de conforto e iluminação nas vias.”
Cadu Ronca, diretor do Instituto Aromeiazero