Quando o assunto é malha cicloviária, a propaganda é a alma do negócio
Nas eleições municipais do ano passado muitos candidatos levantaram a bandeira do meio ambiente sem nunca mencionar a bicicleta como parte do ecossistema de soluções para mitigar os efeitos da crise climática.
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25/03/2025

No informe publicitário da Prefeitura de São Paulo tudo parece perfeito. A capital paulista tem a maior malha cicloviária do Brasil, com 755,4 km de vias exclusivas para bicicletas. São 95,4 km a mais do que Bogotá, capital da Colômbia, que ultrapassa 660 km. No país vizinho, a previsão é que chegue a 1.200 km até 2039, meta da Política Pública de Bicicletas, o Plano de Planejamento Territorial e o Plano de Mobilidade Sustentável e Segura.
A publicidade destacava o avanço na mobilidade sustentável com a inauguração da Ciclopassarela Erika Sallum em 25 de janeiro, aniversário da cidade. Estima-se que irá beneficiar pelo menos 166 mil pessoas por dia, com o fluxo de pedestres e ciclistas entre os bairros de Pinheiros e Butantã. A obra custou R$ 46 milhões e era totalmente necessária, apesar de não beneficiar ciclistas trabalhadores que pedalam na Ciclovia Rio Pinheiros à noite, já que o acesso é fechado.
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Três semanas após a inauguração, depois de uma chuva forte, o guarda-corpo da ciclopassarela desabou sobre a rede aérea da Linha 9-Esmeralda e afetou o sistema de energia. No mês seguinte, São Paulo seria surpreendida com o prêmio “Tree Cities of the World”, da Arbor Day Foundation, e da FAO, a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU, pelo cuidado com árvores e áreas verdes. No mesmo dia em que 330 árvores caíram, uma delas atingiu o carro de um taxista que não resistiu e morreu, na região central.
Na segunda-feira, 17 de março, José Renato Nalini, secretário de mudanças climáticas de São Paulo, foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura. Chamou a atenção da apresentadora Vera Magalhães, que em certo momento perguntou como seria possível que ele deixasse de ser um mero articulador, um “grilo falante” e partir para a ação. A resposta do secretário não convenceu, assim como os informes publicitários estão longe de mostrar a realidade de quem usa a malha cicloviária todos os dias.
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Mudanças climáticas: é preciso incluir a bicicleta como parte das ações de proteção à população
Nas eleições municipais do ano passado muitos candidatos levantaram a bandeira do meio ambiente sem nunca mencionar a bicicleta como parte do ecossistema de soluções para mitigar os efeitos da crise climática.
Segundo pesquisa Mobilidados, do ITDP, Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, apenas 27% da população está próxima de uma infraestrutura cicloviária, em São Paulo. Quando o recorte é feito por renda, apenas 16% dos paulistanos que recebem menos de um salário mínimo estão próximos de uma ciclovia ou ciclofaixa.
É preciso ouvir quem estuda o tema. Para Hannah Machado, urbanista e doutoranda em Ciência Ambiental na USP, a bicicleta é parte da solução para a descarbonização das cidades, que têm no setor de transportes a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa.
“Os recursos destinados à infraestrutura cicloviária ainda estão aquém do necessário para que esse modo de transporte se torne mais atraente para ciclistas de todas as idades, habilidades e renda”, afirma.
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Nas redes sociais, são inúmeros relatos sobre a falta de zeladoria e manutenção da malha cicloviária existente. Anônimos e famosos mostram em seus vídeos ciclofaixas estreitas, ciclovias com desnível e muitos carros e motos estacionados que não recebem uma multa sequer da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).
A violência urbana contra os ciclistas também é uma questão ignorada pelo poder público. No dia 13 de fevereiro, o ciclista Vitor Medrado foi assassinado do lado de fora do Parque do Povo, no Itaim Bibi. Levou um tiro por causa de um celular. A Polícia Civil identificou e prendeu os suspeitos.
Mas, quem pedala vai continuar seu deslocamento pela cidade como presa fácil para outros bandidos. A próxima vítima pode ser qualquer um de nós. A falta de segurança pública, além de todos os problemas da malha cicloviária, pode ser considerada hoje como um dos fatores que mais afasta quem poderia pedalar.
Para saber mais novidadades sobre o uso das bikes na mobilidade urbana, acesse o canal Pedala
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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