Uma árvore em local inadequado tem mais valor que o direito de ir e vir?
Poder público deve se atentar à legislação e aos gastos desnecessários, mas também é preciso olhar para o bem-estar do cidadão
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30/07/2025

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) assegura direitos de acessibilidade para pessoas com deficiência, o que inclui o direito a um espaço adequado para locomoção, utilização de calçadas acessíveis e a eliminação de barreiras físicas. No entanto, ainda padecemos de descaso do poder público em relação a isso, além de uma solução que resolva o atual cenário onde há uma queda de braço envolvendo prefeituras, concessionárias privadas e o cidadão.
Não se trata apenas de desrespeito à lei, mas também de uma questão que traz danos aos cofres públicos. As estatísticas sobre quedas nas calçadas e seus impactos no Sistema Único de Saúde (SUS) revelam um cenário alarmante. O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) mostrou que, entre a população idosa em áreas urbanas, a prevalência de quedas é de 25%, muitas vezes causadas por fatores que envolvem calçadas malconservadas.
Em 2023, mais de 33 mil crianças menores de 10 anos foram atendidas no SUS devido a quedas, o que pode trazer consequências sérias como fraturas, incapacidades e até atendimentos de emergência, o que resulta em custos elevados para o sistema de saúde. Esses dados destacam a importância de ações voltadas para a melhoria das condições das calçadas e a prevenção de quedas.
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Descaso contra pessoas com mobilidade reduzida
A título de exemplo, tenho uma conhecida que reside em bairro de classe média alta da capital paulista com uma idosa e uma pessoa com deficiência. Essas duas pessoas sofrem com o descaso, por conta da proibição da prefeitura de cortar uma árvore de pau-brasil plantada indevidamente nesta calçada. A árvore entorta o portão de acesso, exige obras que impedem a livre circulação de uma cadeira de rodas e gera buracos que já causaram uma fratura da costela da idosa.
Além de causar problemas à saúde dos moradores e gastos com a estrutura da casa, a árvore também impede a circulação de transeuntes, expondo-os a quedas e atropelamentos. A raiz da árvore atrapalha até o local de acesso a abastecimento da água local. Os reiterados pedidos de poda da árvore são ignorados e têm causado distúrbios às pessoas que passam pela região.
Trata-se de apenas um entre tantos outros exemplos vividos pela população brasileira, principalmente para pessoas com mobilidade reduzida. A falta de acesso e liberdade de ir e vir desrespeita o direito ao livre deslocamento, garantido pela Constituição, que afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) reconhece que o planejamento urbano deve favorecer o direito ao transporte e à mobilidade inclusive com construções e os serviços públicos adaptados para garantir acesso pleno às pessoas com deficiência.
É preciso que o poder público se atente não apenas à legislação ou aos gastos desnecessários, mas ao bem-estar do cidadão. Muitas cidades têm legislações que protegem as árvores, especialmente de espécies nativas. Suas remoções podem levar a multas, no entanto, isso não pode prejudicar cidadãos, especialmente para aqueles com dificuldades de mobilidade.
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Calçadas devem propiciar um espaço para a interação social
Por isso, é preciso que as pessoas denunciem e busquem seus direitos. É possível solicitar uma avaliação da situação à prefeitura ou ao órgão responsável e explicar a necessidade de adaptação da calçada. Caso não haja uma solução adequada, pode ser útil relatar o caso à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou à Defensoria Pública. Se a árvore de fato prejudicar a acessibilidade, pode haver mecanismos para solicitar sua remoção mediante avaliações técnicas.
Há materiais, como o Manual de Calçadas da Prefeitura de São Paulo, que fornecem orientações sobre a construção e manutenção de calçadas, com ênfase na acessibilidade e na segurança para todos os usuários. Não se trata apenas de olhar para pessoas com deficiência. As calçadas devem propiciar um espaço para a interação social, contribuindo para a vida comunitária.
Passamos da hora de dividir conhecimento, exigir direitos e cobrar as autoridades. Não apenas pelo meu bem-estar, mas pelo bem da comunidade e isso deve incluir pessoas com deficiência, em todos os seus obstáculos diários.
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão
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