Você já teve a sensação, ao usar um aplicativo de transporte, que determinada informação, de tão específica, foi colocada lá para você? Pois é, isso realmente acontece. Embora os aplicativos de transporte trabalhem com tecnologia avançada e algoritmos, também há pessoas que customizam, revisam e pesquisam informações para ajudar a tornar mais eficiente os trajetos das pessoas.
O que pouca gente sabe é que parte desse trabalho é voluntário: a maioria desses apps conta com uma comunidade de aficionados pelo transporte, de maneira geral, que se oferece para trabalhar com o propósito de ajudar a mobilidade das cidades e da sociedade.
É o caso de Vitor Rodrigo Dias, 35 anos, assistente em administração que atualmente mora em Belo Horizonte (MG). Ele começou a colaborar, em 2014, com o aplicativo Moovit, que fornece informações do transporte público, em tempo real, e, há alguns anos, é considerado “embaixador”, título que ele tem muito orgulho.
O aplicativo dá o nome de “mooviters” a todos os participantes de sua rede colaborativa, mas apenas os mais ativos são considerados embaixadores. Para ter uma ideia, atualmente a comunidade conta com mais de 710 mil membros no mundo, e está presente em 142 nações, número superior aos locais onde o app opera, que são, atualmente, 112 países. “Isso ocorre porque algumas cidades estão sendo, neste momento, incluídas. Um exemplo recente é San Salvador, capital de El Salvador, que foi adicionada no final de outubro”, conta Pedro Palhares, gerente-geral do Moovit no Brasil.
Entre as conquistas de Dias está a inclusão de João Pessoa (PB) no Moovit, em 2014, época em que morava lá. “Quando começaram a sondar pessoas para o trabalho, eu já estava fazendo esse levantamento para outro mapa colaborativo. Então, em duas semanas, consegui finalizar”, conta. Entre as informações que ele teve de buscar estavam todas as linhas e os itinerários dos ônibus da cidade, confirmação dos horários, além da localização dos pontos. Ele conta que varia muito, de acordo com o local, a forma como obtém os dados. “Em João Pessoa, foi um misto de pesquisa nas operadoras e na prefeitura e até conferência in loco. Para a localização dos pontos de ônibus, costumo usar o Google Street View”, explica.
Gostar de transportes em geral e de ajudar outras pessoas são características comuns da maioria dos voluntários das diversas comunidades de aplicativos que existem atualmente. Vitor Rodrigo Dias, assistente em administração e embaixador do Moovit, conta que seu interesse por transporte público começou quando ele era criança. “Eu memorizava os mapas de origem e destino das linhas de ônibus que via no catálogo telefônico. Depois, mais velho, comecei a tirar fotos dos ônibus, o que passou a ser meu hobby”, diz. Na fase adulta, percebeu que seu interesse poderia beneficiar muita gente que, como ele, usa transporte público diariamente. “Quando conheci o Moovit, foi amor à primeira vista. Vi que todos os levantamentos que eu fazia contribuíam para melhorar a vida das pessoas, que as informações tornavam seus trajetos e tempos de deslocamento mais confiáveis e passei a colaborar cada vez mais”, conta o embaixador.
Também existem outras motivações para os voluntários de aplicativos de transporte, como a possibilidade de trocar informações com uma rede formada por pessoas com interesses comuns e com vontade de aprender com os apps. Esse foi o caso de Eric Daniel David, 35 anos, especialista em tecnologia e editor de mapa do Waze. “Comecei a colaborar, em 2010, mandando informações sobre trajetos, radares e entre outras, e, hoje, faço parte de todas as comunidades deles. Como trabalho com tecnologia, aprendo muito ao ter contato com ferramentas modernas, como as que usam para tradução”, diz ele. Também muito valorizado por David nesse trabalho voluntário é o estímulo à socialização. “Sempre fui introvertido e, vira e mexe, temos que fazer apresentações para outras pessoas da comunidade ou para autoridades. Isso tem me ajudado muito a ser menos tímido”, diz David.
De acordo com Hila Roth, head de comunidades do Waze, a rede de voluntários existe desde que o aplicativo começou a operar, o que, no Brasil, aconteceu em 2012. “Temos uma equipe apaixonada de gestores trabalhando nos níveis global e regional. Nossos mapas são atualizados por mais de 500 mil editores, responsáveis por mais de 53 milhões de edições, todos os meses”, conta Roth. Formada por usuários que se preocupam em atualizar e moderar as informações incluídas nos mapas da plataforma, algumas das atividades desempenhadas pelos voluntários são mapear estradas e vias públicas, incluir e validar informações sobre bloqueios, serviços públicos, interferências, além da qualidade das estradas em seus países.
Poder facilitar a jornada das pessoas no transporte público é o que estimula Jonathan Augusto, 31 anos, analista de sistemas e embaixador Moovit no Rio de Janeiro. Usuário de transporte coletivo, especialmente o BRT, ele sonha com o dia em que a sociedade terá total controle do tempo de espera seja por ônibus, seja por metrô ou trem. “Aqui no Brasil, essa questão do horário para chegada dos modais é uma reclamação recorrente. Mas percebo que as pessoas, muitas vezes, nem sabem qual é o horário regular, talvez porque ele não seja comunicado. Essa falta de informação só faz aumentar a sensação de que o transporte está atrasado”, diz.
Augusto, que também lia, quando criança, revistas com as linhas de ônibus, explica que o trabalho dos voluntários dos aplicativos de transporte foi intensificado durante a pandemia. De acordo com ele, era preciso alertar, para os trabalhadores de serviços essenciais, sobre as mudanças no sistema de transporte. “O BRT, por exemplo, tem mudado demais, em torno de duas alterações por mês. Já aconteceu de, quando finalizamos uma mudança no app, a operação volta ao horário normal e temos que fazer tudo de novo”, conta.
A pandemia também mobilizou a comunidade do Waze. De acordo com Hila Roth, os editores no Brasil têm se dedicado a mapear unidades de saúde e hospitais, em todo o País, para incluir essas informações na plataforma. “Os voluntários identificaram que havia apenas 840 hospitais fixados, inicialmente, no mapa, e listaram 50 mil locais para inclusão. A mobilização em torno dessa iniciativa já resultou em 16 mil inclusões de informações de locais de atendimento de saúde fixados na plataforma até agora”, relata a executiva.
A 99, empresa de transporte por aplicativo, também possui sua comunidade, ativa desde 2017. Batizada de Super POP, ela reúne motoristas parceiros, normalmente os mais antigos e com as melhores avaliações, que apontam e investigam inconsistências, testam novas funcionalidades e ajudam a empresa a rever suas ações, principalmente sob a ótica dos profissionais. A startup afirma que, atualmente, possui um time de engajamento dentro da estrutura das Casas 99 – espaço para descanso, treinamento e relacionamento para os motoristas – e que está expandindo o projeto de comunidades para outras cidades do Estado de São Paulo.
Roberto de Souza Gois, 48 anos, motorista do app há cinco anos, faz parte dessa seleta rede. “Tentamos entender melhor algumas das queixas dos motoristas e dos clientes, avaliamos o trabalho dos atendentes e, como passamos por diversas situações dirigindo todos os dias, levamos essas informações à 99. Já vi processos internos mudarem por causa da nossa atuação”, diz. Muito atuantes pelo WhatsApp, esses profissionais, que também são voluntários, recebem, como reconhecimento, convites para participar de eventos ou reuniões – com ajuda de custo para compensar o tempo em que ficaram parados – e prioridade nos anúncios de novidades ou nos testes. “Para um serviço ser bom, tem que ser bom para todos. Sempre falo que, nesse nosso trabalho, as empresas, os motoristas e os clientes têm responsabilidades. Quando elas são cumpridas, todos saem ganhando”, afirma Gois.